A observação eleitoral é fundamental para legitimar as eleições. Portanto, os países que regulamentam a observação credenciam organizações nacionais e internacionais que analisam e informam de maneira imparcial a qualidade e integridade das eleições. Para este fim, são obtidas contribuições da sociedade civil e dos partidos políticos, assim como dos órgãos eleitorais, para avaliar as condições, organização e normativa das eleições. Entretanto, o que acontece quando as eleições não são livres e transparentes, ou, pior ainda, quando são realizadas em contextos não democráticos? Qual é o lugar da observação eleitoral? Nenhuma.
Durante as eleições gerais nicaraguenses de novembro de 2021, membros da oposição foram presos, incluindo aspirantes à Presidência e acadêmicos como José Antonio Peraza, membro do Conselho de Peritos em Transparência Eleitoral e autor do livro El régimen de Ortega. ¿Una nueva dictadura familiar en el continente? e de uma célebre investigação que confirmou fraudes nas eleições municipais anteriores. Além disso, os meios de comunicação independentes foram silenciados, setores da sociedade civil foram atacados e a observação eleitoral internacional recomendada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) foi negada.
Hoje, a integridade eleitoral na Nicarágua é uma coisa do passado. Em 2011, o Conselho Eleitoral Supremo (CSE) de composição partidária excluiu os membros dos partidos de oposição e se recusou a credenciar seus monitores eleitorais ou a permiti-los acompanhar a contagem dos votos. No ano passado, reduziu o tempo permitido para a realização de campanhas e para a marcação de cédulas. O CSE debilitou a autonomia dos partidos e acrescentou poderes discricionários sobre as somatórias (contagem), a publicação de resultados, queixas, contestações e recursos. Fundamentalmente, o CSE também não esclareceu os critérios para delimitar as circunscrições, limitou o princípio de igualdade do voto e submeteu o desenho dos distritos eleitorais a critérios políticos e não técnicos.
A ausência de missões de observação eleitoral na Nicarágua em 2021 é uma das variáveis que explica a colocação do país nos últimos lugares do Índice de Observação Eleitoral da América Latina, elaborado pela Transparência Eleitoral. As eleições de novembro passado não tiveram nenhuma missão de observação qualificada, tais como as da OEA, da União Europeia (UE) ou do Centro Carter. As últimas missões de observação da OEA e da UE aconteceram em 2011.
Em 2021, não houve missões de observação de caráter técnico, nacionais ou internacionais, já que a única figura contemplada é a do acompanhamento eleitoral, realizado por membros do partido governista, a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Diferenciar a observação eleitoral do acompanhamento é muito importante atualmente, dada a proliferação de organizações que realizam observações eleitorais falsas e procuram validar processos eleitorais que carecem absolutamente de integridade.
O acompanhamento eleitoral difere da observação, pois limita a liberdade de expressão e mobilidade dos membros da missão, exige que o relatório não seja publicado em alguns casos, e capacita o país anfitrião a controlar as atividades dos acompanhantes. Segundo o Centro Carter (2012), o objetivo do acompanhamento é convidar os estrangeiros a observar somente a jornada eleitoral, e sua presença é em sua maioria simbólica. Por outro lado, a observação eleitoral consiste em convidar organizações internacionais a avaliar de forma sistemática e imparcial um processo eleitoral e, posteriormente, fazer contribuições para melhorar a integridade dos processos, fortalecer a confiança dos eleitores nas instituições e informar a sociedade e a comunidade internacional sobre o que aconteceu.
Existem outros termos relacionados à observação, tais como veeduría, que implica uma liberdade e funções mais restritas do que a observação. A veeduría é um mecanismo de observação majoritariamente nacional, na qual os cidadãos fiscalizam distintas etapas do processo eleitoral. Na Nicarágua, a incorporação da figura do acompanhamento eleitoral na legislação ocorreu em maio de 2021, quando a Assembléia Nacional controlada pela FSLN aprovou a Lei da Reforma e da Adição à Lei Eleitoral.
Segundo o observatório Urnas Abiertas, a mudança de mandato aproveita a falta de conhecimento sobre essas diferenças para explorar ambiguidades e fechar as portas a organizações qualificadas para realizar a observação eleitoral. A lei não especifica a duração do acompanhamento, as fases em que participa ou sua ligação com os atores da sociedade civil; mas a diferença fundamental entre o acompanhamento eleitoral de Ortega e as missões de observação eleitoral reside em sua imparcialidade, precisão, independência e metodologia.
A proibição da observação eleitoral em favor do acompanhamento gera certeza em apenas um aspecto: o regime se preocupa em manter as aparências, a mesma razão pela qual, em 6 de novembro deste ano, a Nicarágua realizará eleições municipais (embora ainda não tenham sido oficialmente convocadas). Se o processo eleitoral presidencial de 2021 é alguma referência, o que acontecerá em novembro não deve surpreender ninguém, pois o objetivo do partido oficial é cooptar todas as 153 prefeituras do país sem nenhuma competição.
Segundo uma medida independente da organização Urnas Abiertas, a abstenção nestas eleições atingiu 81,5%, embora a versão oficial da CSE a coloque em 34,7%. Após aprisionar nada menos que sete rivais e exilando outros dois, Ortega assegurou seu quarto mandato consecutivo (quinto no total) nestas eleições.
De tal maneira, o país está entrando nestas eleições com nulas garantias, especialmente depois que o regime Ortega substituiu os titulares de cinco prefeituras detidas pelo partido de oposição Cidadãos pela Liberdade (CxL) em 4 de julho. A medida faz lembrar o ano de 2014, quando na Venezuela de Nicolás Maduro, foram removidos e presos – em um inédito caso de intervenção por parte do Poder Judiciário politizado – aos prefeitos opositores dos municípios de San Diego e San Cristóbal, nos estados Carabobo e Táchira, respectivamente. Em outras palavras, as eleições municipais de novembro acontecerão em um contexto no qual se desconhece se as autoridades eleitas, se pertencem a um partido de oposição, poderão assumir e exercer suas funções, ou se poderão terminar seu mandato.
Em todo caso, a supressão da observação eleitoral qualificada é uma consequência do declínio democrático da Nicarágua. As missões de observação estavam entre os atores que alertaram sobre a evolução progressiva (embora mais violenta quando comparada a outros casos semelhantes) da ofensiva de Ortega contra a administração eleitoral e a institucionalidade democrática, cuja independência e integridade foi completamente perdida.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Cientista político. Diretor de Transparência Eleitoral da América Latina. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA). Magister em Direito Eleitoral pela Univ. Castilla La Mancha (Espanha). Autor do livro "Así se Vota en Cuba".