Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Os cúmplices da fraude eleitoral na Venezuela

Tão grande é o peso dos ultrajes cometidos, das violações dos direitos morais e humanos, que regime de Maduro não está condição de abandonar o poder por conta própria, aconteça o que acontecer na Venezuela.

As previsões mais pessimistas se concretizaram: apesar da vantagem de 22 pontos que as pesquisas davam à oposição venezuelana, em média, o chavismo institucional proclamou a vitória de Maduro com 51,2% dos votos. Muitos de nós fizemos essas previsões sombrias com base na forma como Maduro anunciou sua aceitação dos resultados: não disse que respeitaria a vontade dos cidadãos expressa nas urnas, mas que acataria os ditames da autoridade eleitoral, o Conselho Nacional Eleitoral, bem conhecido por sua militância chavista. Foi um anúncio premonitório.

Assim, a lógica mais tóxica foi confirmada: o regime de Maduro não está em posição de renunciar ao poder, independentemente do que aconteça na Venezuela. Ele simplesmente não pode. Tão grande é o peso dos ultrajes cometidos, das violações dos direitos morais e humanos, que os responsáveis pelo sistema estão convencidos de que abandonar o poder os exporia a uma enxurrada de processos inaceitáveis. De fato, muitos deles estão convencidos de que teriam de deixar o país se o chavismo deixasse de governar a Venezuela.

Mas essa convicção extrema torna inviável a opção defendida por alguns aliados do chavismo e um bom número de pragmáticos: que a saída de Maduro e seus seguidores do poder ocorra após uma negociação que ofereça garantias de que os líderes chavistas não sofrerão represálias graves.

Se essa opção for descartada, resta apenas um cenário: resistência à bala, ignorando qualquer crítica minimamente razoável, ou, em outras palavras, uma fuga para a frente, rumo ao endurecimento da ditadura. É nesse caminho que podem surgir rachaduras no regime autoritário. É claro que a pressão internacional, exigindo conhecer os registros eleitorais, é um fator de pressão poderoso, mas não resolverá a situação dramática se o regime continuar fortemente coeso. Será necessário que Maduro e seus escudeiros endureçam seu governo, o que pode provocar contradições internas que enfraquecem sua consistência.

Em todo caso, é importante que o olhar democrático não se concentre apenas no crime cometido. É necessário ampliar a lente para observar os cúmplices que servem de apoio interno e externo ao regime de Maduro. Por outro lado, a lista não é tão longa quando se trata dos cúmplices mais proeminentes.

Primeiro, há os países que reconheceram os resultados fraudulentos naquela noite. Há um grupo motivado por fatores geopolíticos, no estilo da antiga guerra fria: China e Rússia, em primeiro lugar. E depois há a cumplicidade de outros regimes ideologicamente aliados: Cuba, Nicarágua e Bolívia, aos quais Honduras agora se juntou, em grande parte por razões internas. É importante destacar o caso da Bolívia, porque revela algo que tem sido objeto de debate na esquerda latino-americana: o governo boliviano e o partido que o apóia, o MAS, não pertencem à esquerda democrática. A posição dos governos brasileiro e chileno, e mais timidamente a da Colômbia, ao exigir uma revisão eleitoral, estabelece a distância necessária a esse respeito.

A propósito, a resposta de Maduro tem sido consistente com essa fuga para formas mais autoritárias: retirou o pessoal diplomático venezuelano de sete países latino-americanos, Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, por não reconhecerem sua vitória e questionarem o resultado eleitoral.

E, por fim, é preciso mencionar os cúmplices do regime chavista que, por vários motivos, deram cobertura ao governo de Maduro e à sua fraude eleitoral. Entre eles está um líder socialista espanhol, Rodríguez Zapatero, que se recusou a aderir ao apelo internacional para que as atas dos resultados eleitorais fossem tornadas públicas. A recusa de Zapatero é ainda mais notável pelo fato de outros apoiadores de Maduro, também convidados pelo governo venezuelano como observadores externos, como os ex-presidentes Leonel Fernández, da República Dominicana, e Ernesto Semper, da Colômbia, terem se juntado à exigência internacional de conhecer todos os resultados da contagem de votos.

O argumento de Zapatero até agora, para não se dissociar do regime chavista, foi que era necessário estabelecer opções que favorecessem a negociação entre o regime e a oposição. Mas esse argumento agora é um insulto ou uma quimera. Por convicção ideológica ou estupidez política, Zapatero (um dos mais fervorosos aliados de Pedro Sánchez) é hoje o símbolo da cumplicidade com um regime ditatorial.

A posição adotada com relação à crise venezuelana tornou-se, portanto, a prova de fogo para a esquerda latino-americana, permitindo-lhe diferenciar sua consistência democrática de seu antigo espírito autoritário. E não importa se essa posição é condicionada por uma amarga experiência interna, como no caso de Honduras; a subordinação do respeito ao exercício democrático a outros interesses ou circunstâncias também qualifica aqueles que aceitam a fraude eleitoral grosseira.

Autor

Enrique Gomáriz Moraga tem sido pesquisador da FLACSO no Chile e outros países da região. Foi consultor de agências internacionais (UNDP, IDRC, BID). Estudou Sociologia Política na Univ. de Leeds (Inglaterra) sob orientação de R. Miliband.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados