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Socioeconomia e a crise do COVID-19

Longe de gerar oportunidades, os períodos de crise geralmente revelam problemas estruturais que em situações normais podem passar despercebidos. A pandemia de Covid-19 causou a maior crise econômica e social do último século. Neste contexto, a América Latina tem sido uma das regiões mais afetadas. Segundo estimativas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o PIB per capita no final de 2020 seria igual ao de 2010 (o que implica um retrocesso de 10 anos), 2,7 milhões de empresas foram fechadas, o desemprego atingiria 44 milhões de pessoas e a pobreza extrema atingiria níveis semelhantes aos de 1990.

Além das sequelas econômicas, a América Latina também tem sido um dos territórios com os mais elevados índices de perda humana. De acordo com informações da Universidade Johns Hopkins, em 28 de outubro de 2020, o número total de casos confirmados de Covid-19 elevava-se a 44 milhões de seres humanos e 1,17 milhões de mortes a nível mundial. Destes, 11 milhões de casos e 394.000 mortes correspondem à América Latina e o Caribe. Em outras palavras, a região concentra 24,95% dos casos e 33,8% das mortes relatadas, sendo algumas nações as mais afetadas.

Por exemplo, os países com o maior número de mortes por 100.000 habitantes são Peru com 106,9 (primeiro a nível mundial), Bolívia com 76,4 (quarto), Brasil com 75,4 (sexto), Chile com 74,9 (oitavo), Equador com 73,7 (nono) e México com 71,2 (décimo). Além disso, o México, o Equador e a Bolívia apresentaram níveis elevados de fatalidades (mortes/casos confirmados) com 10,0%, 7,7% e 6,1%, respectivamente. Deve-se apontar que estes números contêm um grau de imprecisão, pois milhares de infecções e mortes não puderam ser confirmadas devido às limitações para realizar os testes de Covid-19.

Algumas variáveis socioeconômicas revelam características próprias da realidade latino-americana”

Mas que fatores poderiam explicar estes números? A resposta a esta pergunta é extremamente complexa. Por um lado, existem causas subjetivas que impedem a sua medição adequada. Ou seja, fatores idiossincráticos como: o desconhecimento do alcance da doença, comportamento inadequado frente às diretrizes emitidas pelas autoridades, falta de credibilidade frente às decisões do poder político, apego às relações sociais estreitas, entre outros. Por outro lado, também existem certos elementos que permitem uma análise mais objetiva para estabelecer possíveis causas para a crise humanitária. Mais precisamente, algumas variáveis socioeconômicas revelam características próprias da realidade latino-americana.

Os indicadores seguintes refletem a vulnerabilidade do grupo de nações mais afetadas. Peru: alocou o menor gasto em saúde na América do Sul (4,9% em relação ao PIB) entre 2010 e 2018; mantém o segundo lugar em termos de emprego vulnerável (50,9% do total de empregos); sofre de um processo inadequado de controlo da corrupção e uma baixa efetividade nos gastos governamentais segundo os Indicadores de Governança do Banco Mundial.

Na Bolívia, o acesso às necessidades básicas é o mais precário da América do Sul (medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano); o emprego vulnerável é o mais elevado (58,1% do total de empregos); 39,9% da população vive em condição de pobreza; o número de camas hospitalares por 10.000 habitantes é de 11,5 (dados até 2015).

No Brasil, a desigualdade de renda é a maior (o coeficiente de Gini era de 0,53 em 2018); o acesso à educação é altamente injusto (23,8 em 2018) e no Equador, o controlo da corrupção é praticamente inexistente de acordo com os Indicadores de Governança do Banco Mundial. Isto foi exposto pelos diversos casos de corrupção na gestão dos recursos atribuídos à saúde pública durante a emergência sanitária atual.

No México, o gasto em saúde é o segundo mais baixos da América Latina”

No México, o gasto em saúde é o segundo mais baixos da América Latina (5,6% em relação ao PIB entre 2010 e 2018). No Chile, apesar de ser a economia com o maior PIB per capita e com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano da América Latina, 16,8 pessoas em cada 100 habitantes têm mais de 65 anos; a desigualdade na distribuição de renda é uma das principais causas do descontentamento social nos últimos anos. As informações apresentadas correspondem aos últimos dados disponíveis da CEPAL, das Nações Unidas e do Banco Mundial.

Embora nenhuma economia tenha sido capaz de evitar perdas humanas, as singularidades latentes na América Latina contribuíram para aprofundar e ampliar os efeitos do COVID-19. A vulnerabilidade no mercado de trabalho, os sistemas insuficientes para o controle da corrupção, o uso inadequado dos recursos destinados para a educação e para a saúde, a precariedade no acesso às necessidades básicas, a passividade das políticas públicas e a desigualdade aguda de renda têm sido problemas arraigados nestas sociedades.

Entretanto, a dureza com que o COVID-19 atingiu esses países exige uma ação coletiva. Em nível local, o papel do estado é fundamental no estabelecimento de políticas para alcançar uma sociedade mais justa. Em nível regional, é essencial estabelecer um projeto real de integração com objetivos comuns que atenuem crises semelhantes, mesmo que isso signifique uma perda na autodeterminação. A inação diante desta complexa situação social e econômica certamente causaria tragédias similares.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de Eneas em Foter.com / CC BY

Autor

Economista. Professor e pesquisador da Univ. das Américas (Equador). Doutor em Economia e Negócios por la Univ. Autônoma de Madri e Mestre em Econ. Internacional pela mesma universidade. Especializado em economia internacional e macroeconomia.

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