Em 21 de Dezembro de 2022, o académico da UNAM Guillermo Sheridan, demonstrou que a atual ministra da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), do México, Yasmín Esquivel tinha plagiado totalmente uma tese de graduação com a qual obteve o seu título de advogada em 1987. Nos dias que se seguiram, Esquivel negou-o sistematicamente, mas no repositório digital da UNAM, que contém todas as teses, o plágio pôde ser corroborado.
Finalmente, em 11 de janeiro, a universidade confirmou que a ministra obteve o seu diploma de forma fraudulenta e em conluio com sua orientadora. No entanto, a própria universidade salientou que a Secretaria de Educação Pública, a autoridade do Estado encarregada de reconhecer os títulos acadêmicos, é o organismo que pode retirar o título.
Em quase todo o mundo, o poder judiciário é um monopólio disciplinar; apenas aqueles que possuem um diploma de Direito podem ingressar na carreira judicial. Um diploma acadêmico demonstra formação e habilita uma pessoa para exercer uma profissão, mas se for obtido de maneira fraudulenta, toda a carreira terá sido uma simulação.
Portanto, este não é apenas mais um caso de plágio acadêmico. Trata-se de uma juíza da corte suprema, um dos cargos mais importantes do Estado, e a sua legitimidade baseia-se tanto no processo formal de nomeação como na sua carreira e reputação.
Esquivel, contudo, é esposa de José María Riobóo, um dos principais contratantes do Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador e muito próximo dele desde que governou a Cidade do México. Esta condição, e não tanto a sua carreira, permitiu que Esquivel fosse proposta pelo Executivo para ocupar o cargo de ministra da SCJN. Assim, o seu caso coloca sob escrutínio a legitimidade dos juízes, o peso das suas decisões, o importante papel político das instituições judiciais como garantidores do Estado de direito, mas também os perigos da politização da justiça.
Os juízes não são a boca da lei
Os juízes fazem política, pois as suas ações e decisões têm uma influência decisiva sobre o sistema político. O ditado de Montesquieu, “os juízes são a boca por onde fala a leu, seres inanimados que não podem moderar nem a sua força nem o seu rigor”, é uma visão equivocada, e infelizmente muito difundida.
As leis nascem nos Parlamentos e são, portanto, um produto político com metas e objetivos. Para que as leis funcionem e para que a sua aplicação seja justa, elas têm de ser construídas para o bem geral, e mesmo assim podem ser manipuladas. Assim, o papel dos juízes é fundamental. Quando as ações dos juízes contribuem para o aperfeiçoamento da democracia? A resposta é: quando defendem legitimamente o Estado de direito.
Em dezembro de 2022, um tribunal penal da Argentina condenou Cristina Fernández, vice-presidente e líder do atual grupo no poder, a seis anos de prisão por corrupção durante os seus dois governos. Durante todo processo e apesar das provas contra ela, Fernández nunca deixou de se considerar vítima de uma “máfia judicial”.
No Brasil, a Operação Lava Jato levou, em 2014, à descoberta de uma rede de lavagem de dinheiro envolvendo mais de quarenta políticos e funcionários da Petrobrás, a maior companhia petrolífera do país. Como resultado da má aplicação das leis e da pressão indevida sobre os juízes, mas também da corrupção de alguns deles, o caso tornou-se politizado ao ponto de encarcerar o agora outra vez presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2019 a sentença foi anulada e o caso Lava Jato foi posto em questionamento.
Partindo das investigações à Odebrecht, empresa construtora brasileira que subornava para ganhar contratos de obras públicas, foram julgados e presos políticos e funcionários de vários níveis no Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e Venezuela, entre outros países.
Mas as situações variam de país para país. Em casos como o do Peru, onde entre as pessoas investigadas estão os ex-presidentes Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humala e Pablo Kuczynski, o sistema de justiça foi contundente e processou políticos de todas as orientações políticas. Entretanto, no México, Emilio Lozoya, funcionário de alto nível muito próximo do ex-presidente Enrique Peña Nieto e com numerosas acusações e evidências de atos ilícitos, goza de liberdade condicional.
O poder judicial é um poder de controle de outros poderes Por esta razão, os políticos na América Latina, particularmente os presidentes, tentaram subjugá-lo. A nomeação dos mais altos cargos judiciais em quase todos os países da região é um processo político em que muitas vezes conta pouco a carreira judicial e o prestígio.
O reconhecimento do papel político dos tribunais e das cortes supremas se deve aos processos de democratização que levaram à criação de novas Constituições ou a profundas reformas constitucionais para afirmar direitos políticos, sociais, econômicos e culturais. Não é que antes fossem passivas e agora sejam ativas, mas sim que a democratização ampliou seu papel como protetora de tais direitos. No entanto, cabe destacar que também favoreceu a judicialização da política, uma vez que a resolução de assuntos que antes se decidiam na arena política, agora se resolvem pela via judicial.
O Judicial é um poder que não obtém a sua legitimidade das urnas; a cidadania aceita as decisões judiciais porque confia que os juízes cumprem os requisitos da lei e que a sua formação e desempenho asseguram que tais decisões aderem aos princípios de direito e são orientadas em direção à busca pela justiça.
Em quase todos os países, se se descobrir que um médico trapaceou para obter o seu diploma, ele ou ela é imediatamente afastado da sua função, independentemente do seu registo. Por que razão não pode acontecer o mesmo a um advogado?
A Ministra Esquivel obteve o seu diploma, consciente de que estava cometendo uma fraude. Agora, ao permanecer no cargo, ela põe em risco a legitimidade da SCJN e de todo o andaime do sistema judicial mexicano. Qualquer decisão da corte sobre casos similares aos mencionados anteriormente, envolvendo questões socialmente sensíveis e politicamente relevantes, será envolta em suspeitas antes mesmo de o veredicto ser conhecido. A SCJN deixará de ter o prestígio que deveria ter, pois sem legitimidade, a legalidade das decisões judiciais será posta em causa.
Autor
Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.