A pandemia tem causado o maior dano econômico, político e social à humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Em nível internacional, a primeira – e mais óbvia – vítima tem sido a cooperação internacional e sua capacidade de fornecer os bens públicos globais necessários. Particularmente em um mundo caracterizado por desigualdades entre os habitantes do planeta e entre as nações.
A América Latina e o Caribe são as regiões em desenvolvimento mais afetadas pela pandemia. Elas representam 8,4% da população mundial, mas concentra 30% das mortes por COVID-19 e sofrem sua pior contração do PIB, com uma queda de 7,7% em 2020.
A pandemia causou o fechamento de 2,7 milhões de empresas, com uma destruição dramática do emprego que afeta principalmente jovens e mulheres e uma queda drástica no comércio, nos investimentos estrangeiros e nas remessas de dinheiro.
Como consequência desta deterioração das economias da região, a desigualdade e a pobreza têm aumentado. Enquanto nos anos anteriores a América Latina havia conseguido reduzir a pobreza, de 45,2% da população em 2001 para 30,3% em 2019, como resultado da pandemia o número de pessoas pobres na região aumentará em 28,7 milhões, atingindo 33% de sua população total.
Em termos gerais, como aponta um relatório da CEPAL, o impacto da pandemia na região tem sido brutal e tem ampliado as lacunas estruturais na desigualdade, afetando, em particular, os setores mais vulneráveis da sociedade.
Mas o mundo todo está enfrentando uma pandemia ampliada pela desigualdade social, o que requer um estudo profundo não só das causas estruturais que levaram a este impacto desigual em cada sociedade, mas também dos vários efeitos da transição que vive o sistema internacional.
A desigualdade que caracteriza a América Latina e que tem levado à propagação da pandemia devido à falta de suprimentos médicos e vacinas que contribuam para uma resposta de saúde consistente não é exclusiva da região.
A assimetria entre nações em seu acesso a esses elementos a nível mundial também marca a dinâmica global atual. Um nacionalismo das vacinas emerge nas nações economicamente mais poderosas que acumulam suprimentos médicos em excesso, exacerbando a escassez de vacinas entre as nações marginalizadas e a distância entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Os países ricos têm 14% da população mundial, mas adquiriram mais da metade das doses de vacinas disponíveis para comercialização.
Neste contexto, dada a escassez de vacinas na América Latina devido à produção insuficiente e à acumulação pelos países ricos, entra em jogo -com todo o seu peso– a geopolítica das vacinas.
Em uma região devastada pela desigualdade e pela ausência de recursos sanitários, a “diplomacia das vacinas” gera uma debandada para fornecer um bem público global e reforçar o “poder brando” de algumas potências.
O vácuo deixado pelas nações ocidentais e algumas grandes corporações farmacêuticas na assistência à região está sendo preenchido pela crescente presença e influência da Rússia e da China, e até mesmo da Índia, atualmente em meio a uma catástrofe sanitária.
Um fato que não escapa do crescente peso da Eurásia no processo de deslocamento do dinamismo econômico mundial e da influência política e projeção do Ocidente para o Oriente.
Mas as desigualdades persistem -tanto dentro das sociedades latino-americanas quanto no âmbito do sistema internacional- enquanto, parafraseando von Clausewitz, a saúde pública global parece ser a continuação da política por outros meios.
Foto de Marcio Cabral de Moura en Foter.com
Autor
Presidente Executivo da Coordenação Regional de Investigação Económica e Social (CRIES). Assessor titular do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI). Foi Diretor de Assuntos Caribenhos do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).