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Pode o voto eletrônico salvar a democracia?

Em 3 de dezembro, foi realizado um referendo consultivo na Venezuela a respeito do território da Guiana Essequiba, disputado com a República da Guiana. As cinco perguntas submetidas à votação foram resumidas como sendo a favor ou contra a adesão da Venezuela ao território e a desconsideração da delimitação derivada de uma sentença de 1899. De acordo com dados oficiais, o voto “sim” venceu de forma retumbante. Embora os meios não-governamentais tenham relatado um comparecimento muito baixo, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afirmou que pouco mais de 10,5 milhões de pessoas votaram, ou seja, 50% dos eleitores registrados. No entanto, estima-se extraoficialmente que pouco mais de 2 milhões de pessoas votaram, em sua maioria funcionários do governo e militares forçados pelas autoridades governamentais. 

Além das particularidades da “disputa territorial” entre a Venezuela e a Guiana, os dados sobre a participação são notáveis por um detalhe discreto. O referendo usou um sistema de urnas eletrônicas com telas sensíveis ao toque que registra o voto diretamente e imprime recibos que são depositados pelos eleitores nas urnas. Esse sistema está em uso desde 2004, substituindo a digitalização óptica dos votos aplicada entre 1998 e 2003, mas não era muito confiável. Desde 2012, o sistema de gestão eleitoral foi totalmente automatizado: votação, contagem, totalização, adjudicação e divulgação dos resultados. Por que é importante destacar o sistema de votação eletrônica?

Esse sistema tem sido questionado desde as eleições de 2013 porque sua transparência depende da autoridade eleitoral, que é responsável tanto por sua implementação quanto pela declaração dos resultados. O CNE se vangloria de sua estabilidade e segurança, pois, além de imprimir o voto como mecanismo de verificação, possui um sistema de energia de reserva e os dados são transmitidos via satélite ou linhas telefônicas simples, e não pela Internet.

Embora a oposição tenha denunciado fraudes eleitorais, ela não se referiu à manipulação dos resultados, mas sim a cortes nas listas de eleitores, usurpação das identidades dos eleitores e apoiadores do partido governista votando mais de uma vez. A manutenção do sistema de votação eletrônica foi vista como uma vantagem para a obtenção de provas de manipulação das folhas de contagem ou da contagem de votos; o retorno ao sistema manual facilitaria a fraude eleitoral, razão pela qual nunca foi questionado. Até mesmo as alegações de hackeo do sistema ou manipulação de software continuaram sendo mera especulação, apesar das irregularidades detectadas.

Entretanto, os resultados do referendo sobre a Guiné Equatorial deixam uma lição muito clara: os sistemas de votação eletrônica não são imunes à manipulação eleitoral. A fraude é operada por aqueles que gerenciam as eleições e emitem os resultados. Os sistemas de votação eletrônica podem se tornar um disfarce para a aparente integridade. Isso já havia sido detectado pela empresa Smartmatic, a mesma empresa que projetou o sistema usado pelo CNE, em 2017, quando a Assembleia Constituinte foi eleita em 30 de julho. O sistema havia contado 6,5 milhões de votos, mas a presidente do órgão eleitoral, Tibisay Lucena, declarou 8 milhões. Nas eleições para governadores em outubro do mesmo ano no estado de Bolívar, 13 máquinas imprimiram os resultados, mas agentes militares não permitiram a transmissão automática das informações, e sim o fizeram manualmente, adulterando os resultados e favorecendo o candidato do partido governista e impedindo a vitória do candidato da oposição, cujos representantes contavam com os resultados que haviam sido emitidos nas urnas eletrônicas.

Além da Venezuela, apenas a Bélgica, o Brasil, os Estados Unidos, a Estônia, as Filipinas e a Índia implementaram o voto eletrônico em nível nacional. A Estônia é pioneira: em 2005, tornou-se o primeiro país a permitir a votação pela internet, e inclusive utiliza um sistema de código aberto disponível para qualquer pesquisa pública. Nas eleições de 2019, 44% do eleitorado votou pela internet, utilizando apenas seu documento de identidade, uma conexão com a internet e um código PIN. No Brasil, as urnas eletrônicas são usadas desde 1996, e a identificação biométrica é utilizada desde 2000. A impressão ou não do voto tem sido uma questão de avanços e retrocessos legais no país, mas até o momento tem sido implementada progressivamente em todas as eleições. No México, há vários projetos de urnas eletrônicas, tanto em nível subnacional quanto nacional, que foram testados com êxito pelas autoridades eleitorais desde o início do século. Já nas eleições de 2021, a votação do exterior pode ser feita pela internet.

A implementação do voto eletrônico não é um processo linear: inicialmente, ele não é social e politicamente aceito, mas também não é um processo que deva ser necessariamente incorporado em todas as democracias. Em países como a Holanda (desde 1965) e o Reino Unido (2000 a 2007), cujas legislações permitiram o voto eletrônico, eles tiveram que retornar ao sistema de lápis e papel devido à rejeição social e às suspeitas de fraude. “Na Holanda, sabemos como usar papel e lápis. O céu não caiu e não regressamos à pré-história“, dizia um slogan. Na Alemanha, Noruega, Irlanda e Finlândia, o sistema foi banido após vários testes e, na maioria das vezes, foram as organizações de cidadãos, muitas delas lideradas por engenheiros de sistemas, que levantaram suas vozes e pressionaram os governos para que não o implementassem.

As eleições são um processo complicado, e as novas tecnologias agregam ainda mais complexidade. Os riscos de fraude podem surgir com a dispensa de cédulas de verificação e com a própria complexidade do software utilizado, que depende de especialistas que também podem ser manipulados. No entanto, qualquer nova tecnologia aplicada aos processos de gestão eleitoral, como o novo blockchain, é viável de ser utilizada, pois há várias aplicações cotidianas nas quais ela está presente e oferece maior segurança. O dilema das novas tecnologias não é sua viabilidade técnica, mas seu uso político. Quando o voto eletrônico é rejeitado, não é por causa do sistema em si, mas por causa das suspeitas de que ele pode ser manipulado.

Votar não é uma questão técnica, é um ato político com consequências sociopolíticas muito amplas. Seja por meio da Internet, como podemos fazer hoje, ou com fragmentos de cerâmica (ostraka), como faziam os gregos antigos, as votações geram o mesmo resultado: a expressão de uma maioria. A introdução de qualquer nova tecnologia pode tornar eficiente o processo de gerenciamento de eleições, mas não muda sua natureza política, e o caso da Venezuela é uma ilustração de que, mesmo com urnas eletrônicas, a manipulação de eleições é sempre factível.

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Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.

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