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Por que é tão grave o sucedido no Equador e por que deve-se repudiar

A invasão da embaixada do México em Quito pela polícia equatoriana é uma violação à Convenção de Viena e um enorme retrocesso no Direito Internacional é Diplomático.

O Direito Internacional é um dos maiores avanços da humanidade e um dos mais frágeis. Ele é sustentado pelo princípio da boa-fé entre as partes e é a alternativa à “lei do mais forte”. O Direito Diplomático foi uma conquista lenta, mas segura, baseada em centenas de anos de experiência com embaixadores e a devida consideração dada a eles no país anfitrião.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 (que entrou em vigor em 1964) é aceita pela grande maioria das nações do mundo e é um dos maiores sucessos do direito internacional. O artigo 22 declara expressamente: “1. as instalações da missão são invioláveis. Os agentes do Estado receptor não poderão entrar nelas sem o consentimento do chefe da missão“. A ação do governo equatoriano de invadir a embaixada do México em Quito sem consentimento é uma clara violação da Convenção de Viena e retrocede incontáveis anos de direito internacional e diplomático.

Para exemplificar melhor a gravidade dos fatos, vale relembrar o lamentável ataque à embaixada do Chile na Costa Rica por um oficial da Força Pública costa-riquenhas há vários anos. Naquela ocasião, apesar do ataque e da tentação por parte da polícia costarriquenha de entrar e tentar neutralizar o agressor, eles não o fizeram até que José Miguel Insulza – na época Ministro do Interior do Chile e em visita à Costa Rica – autorizou a entrada. A ordem veio quatro horas após o início do ataque. A Costa Rica respeitou a inviolabilidade da missão chilena em todos os momentos, apesar da urgência do caso.

Voltando ao caso da violação da sede diplomática mexicana em Quito, como pode ser visto em vários vídeos que estão circulando, o agente diplomático mexicano, encarregado de supervisionar sua missão, foi violado em sua dignidade e à força pela polícia equatoriana.

Essa é uma violação expressa do artigo 29 da Convenção de Viena, que afirma: “A pessoa do agente diplomático é inviolável. Ele não pode ser submetido a nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado receptor o tratará com o devido respeito e tomará todas as medidas apropriadas para impedir qualquer ataque à sua pessoa, liberdade ou dignidade”.

O mundo inteiro deve parabenizar a postura e a dignidade de Roberto Canseco, que, como agente da missão mexicana em Quito, defendeu a integridade da embaixada e de seus ocupantes em todos os momentos. Suas reclamações iradas após os eventos são consistentes com o trabalho de um excelente funcionário público que sabe o que está em jogo.

Mas além das violações da Convenção de Viena, esse caso é ainda mais grave para a América Latina porque foi nessa região que o asilo diplomático, que não é necessariamente reconhecido no resto do mundo, foi “inventado”. Foi a América Latina que, anos antes da promulgação da Convenção de Viena, consagrou o direito ao asilo diplomático na Convenção de Caracas de 1954.

O artigo 1º da Convenção de Caracas estabelece: “O asilo concedido em legações, navios de guerra e acampamentos militares ou aeronaves a pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos será respeitado pelo Estado territorial, de acordo com as disposições da presente Convenção“.

Há aqueles que, com muita ousadia, estão recorrendo ao texto dessa convenção para justificar as ações do governo equatoriano, citando o artigo 3, que afirma que o asilo não será concedido àqueles que “forem acusados ou processados perante os tribunais ordinários competentes e por crimes comuns, ou forem condenados por tais crimes e sentenciados por tais tribunais…“.

Essas pessoas não leram o seguinte artigo que afirma: “Cabe ao Estado requerente de asilo determinar a natureza do crime ou os motivos da perseguição“. Embora a decisão do México de conceder asilo diplomático a Jorge Glas possa ser questionada, a verdade é que, de acordo com a Convenção de Caracas, cabe ao México determinar se a pessoa é perseguida politicamente, e não ao Equador.

As ações do governo de Noboa não apenas minam a boa fé que deve prevalecer nas relações internacionais e no direito internacional, mas também dinamitam uma das maiores conquistas que a América Latina contribuiu para o direito internacional: o direito ao asilo diplomático. Isso é particularmente irônico quando o próprio Equador concedeu asilo em sua missão em Londres a Julian Assange durante anos, contra os critérios de países como o próprio Reino Unido ou os Estados Unidos (que exigem que ele seja julgado).

Os britânicos não reconhecem o direito ao asilo diplomático como nós na América Latina, mas reconhecem a inviolabilidade da sede diplomática, conforme estabelecido na Convenção de Viena. O que o Equador teria feito se as forças britânicas tivessem atacado sua sede para capturar Assange?

As ações contra a sede mexicana e as justificativas subsequentes do governo equatoriano são repreensíveis e os países da região fizeram muito bem em levantar suas vozes contra essas ações deploráveis. Em meio a esse ato de repúdio, resta pelo menos a satisfação de que os países da região continuam a valorizar o direito diplomático e o asilo diplomático.

Autor

Cientista político. Magíster en Ciencia Política por la Universidad de Salamanca. Especializado en sistemas políticos y electorales. Asesor parlamentario de la Asamblea Legislativa de Costa Rica.

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