Em 26 de março, serão realizadas eleições para a Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP) de Cuba, a ditadura mais longeva do hemisfério. Com mais de seis décadas no poder, tem como líder Miguel Díaz Canel, embora sob a sombra do mais novo dos Castro, que aos seus 91 anos de idade está novamente concorrendo para ser “reeleito” como deputado.
Esta eleição será regida pela Lei Eleitoral de 1992, que permite que as eleições sejam emuladas em um regime no qual toda decisão política transcendental é tomada pela elite do Partido Comunista de Cuba (PCC). Este caso, mas também os do Vietnã, Coreia do Norte, Nicarágua ou Belarus, deixam claro que eleições e democracia não são sinônimos. As eleições são um mecanismo de delegação de autoridade, que pode operar sob contextos democráticos (com resultados incertos) ou autocráticos (sem surpresas). Segundo o próprio Fidel Castro, as eleições livres “são um concurso de popularidade” e, portanto, conceitualmente inaceitáveis sob um regime comunista.
Embora uma nova Constituição tenha sido aprovada em 2019 e com ela uma nova Lei Eleitoral, as condições eleitorais não mudaram. É por isso que o leitor nunca viu um deputado municipal, nacional ou um governador cubano de outro partido ou mesmo de uma linha dissidente à liderança do Primeiro Secretário do PCC, Miguel Díaz Canel.
Isto seria impossível porque a própria Constituição estabelece que existe apenas um partido, o comunista, e uma ideologia, a socialista. De fato, a Constituição habilita à cidadania a pegar em armas contra qualquer um que pretenda desafiar o regime. Na verdade, as Comissões de Candidaturas do partido comunista impedem a água de chegar ao rio, excluindo qualquer pré-candidatura que tenha um mínimo aroma de dissidência.
O regime cubano está bem ciente de que o modelo que o sustenta no poder não é o de uma democracia liberal como a conhecemos (pluripartidarismo, eleições competitivas, liberdades, prestação de contas, controles cruzados, Estado de direito, etc.), mas um modelo autocrático iliberal. Entretanto, este não renunciou à boa imprensa da “democracia” e tentou (sem sorte), através de ideólogos, jornalistas e todos os recursos do Estado – que são negados aos cidadãos – elaborar uma narrativa que reivindica uma “democracia a la cubana”, com características particulares. Como se a democracia não precisasse de condições objetivas.
Este empenho foi visto em diferentes instâncias, mas são chamativos os editoriais do histórico diário Granma dos domingos 5 e 12 de fevereiro, intitulados “Nossas eleições (I)” e “Nossas eleições (II)“. Neles encontramos um pobre esforço para justificar as limitações aos direitos humanos, à democracia e às eleições competitivas em nome da “unidade nacional”, da “dignidade” e do “sacrifício”.
Neste marco, vale recordar que os regimes totalitários não buscam a maioria em um processo eleitoral, mas a unanimidade, e isto se reflete em uma Assembleia Nacional sem qualquer tipo de autonomia relativa em relação ao único partido político legalizado.
Os órgãos de propaganda partidária consideram o sistema multipartidário como “uma fragmentação das forças políticas da nação”, o financiamento de campanhas como típico da “sociedade do capital, do império do dinheiro e da influência”, enquanto destacam positivamente a inexistência de debates em Cuba, que são qualificados como um “show de boxe verbal”.
Em seu discurso, o governo assegura que “todos têm o direito de indicar e ser indicados, e de eleger e ser eleitos para ocupar cargos nos órgãos do Poder Popular”. Entretanto, nas eleições municipais de novembro de 2022, José Antonio Cabrera, que se apresentou ao poder estatal e conseguiu ser nomeado como candidato a delegado por seus vizinhos em Palma de Soriano, foi detido pela Segurança do Estado e ameaçado a retirar sua candidatura. Da mesma forma, em 2015 Hildebrando Chaviano e Yuniel López foram assediados quando seus vizinhos os nomearam.
A Comissão Candidaturas é o órgão encarregado de selecionar os candidatos para a Assembleia Nacional do Poder Popular. Entretanto, ela é composta pelas organizações de massa subordinadas ao PCC, de modo que sua função final é impedir a verdadeira competição eleitoral. O regime chegou ao ponto de considerar o Conselho Nacional Eleitoral (CEN) como o garante da transparência e imparcialidade, omitindo o fato de que suas autoridades são propostas pelo próprio Primeiro Secretário do PCC, Miguel Díaz Canel.
Em pleno ano de 2023, com livre acesso à Constituição, às leis e ao registro das eleições anteriores, é impossível, do ponto de vista técnico, não perceber que as eleições cubanas foram projetadas para que o PCC se mantenha no poder às custas da liberdade de escolha dos cubanos.
O épico revolucionário e o antiamericanismo deixaram como saldo um país mantido como refém. É hora de as forças democráticas da região e do mundo defenderem os direitos dos cubanos como defendem os seus próprios direitos. Cuba não é um Estado falido, é uma ditadura que deixou descoberto seu propósito mais elementar: conservar o poder.
Autor
Cientista político. Diretor de Transparência Eleitoral da América Latina. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA). Magister em Direito Eleitoral pela Univ. Castilla La Mancha (Espanha). Autor do livro "Así se Vota en Cuba".