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Observação eleitoral nacional na Argentina: uma dívida com a sociedade civil

Este ano completou 39 anos do retorno da democracia na Argentina. Ainda que imperfeita, esta democracia é nutrida pela participação ativa de múltiplos atores como a imprensa, as instituições, universidades, partidos políticos, uma cidadania comprometida e a sociedade civil organizada. Todos esses atores fazem parte dos processos eleitorais, de uma forma ou de outra, e têm uma responsabilidade compartilhada para proteger a integridade desses processos, uma característica indispensável de uma democracia.

Estes atores têm um papel garantido nos ciclos eleitorais e são respeitados pelas instituições políticas. Todos, exceto as organizações da sociedade civil que entendem de assuntos eleitorais. Na Argentina, a figura da observação eleitoral nacional não existe, mas sim a do acompanhamento cívico, uma modalidade de monitoramento muito mais limitada e pouco regulamentada que deixa ampla discricionariedade às autoridades eleitorais durante o credenciamento daqueles que optam por exercer o direito de acompanhar os processos eleitorais federais e provinciais.

A Câmara Nacional Eleitoral criou a figura do “acompanhante cívico-eleitoral” por meio de uma resolução (Acordada No. 128/09 CNE) e ainda não existe uma lei que altere o Código Eleitoral para incorporar uma seção que regule o monitoramento cidadão. Isto apesar do fato de que vários projetos de lei foram introduzidos no Congresso Nacional, um deles apoiado pela Transparência Eleitoral e introduzido pelo então deputado Gustavo Menna em outubro de 2020. Este ponto passou a converter-se em uma das 10 Reformas Eleitorais para a Argentina propostas pela Transparência Eleitoral, que propõe melhorias para o sistema eleitoral federal.

Durante o ciclo eleitoral de 2021 na Argentina, de acordo com o ato número 17 da Junta Eleitoral Nacional da Cidade Autônoma de Buenos Aires, foi estabelecido que os acompanhantes cívicos são “sujeitos alheios ao desenvolvimento do ato” e que com a presença dos representantes dos partidos políticos “estaria garantido o controle“. Esta decisão estabeleceu um precedente perigoso que interpreta este direito como flexível e que o poder dos partidos políticos para fiscalizar o processo é meio suficiente para garantir sua integridade. O objetivo da lei proposta não é outro senão o de evitar que os direitos dos cidadãos sejam comprometidos.

É por isso que a última edição do Índice de Observação Eleitoral da América Latina Transparência Eleitoral categoriza a Argentina como um país com um índice de observação eleitoral debilitado, classificando-a apenas acima dos regimes autoritários de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Isto se refere apenas ao status de observação eleitoral, não à integridade dos processos eleitorais, mas é importante mencionar que isto afeta o direito da sociedade civil de exercer supervisão sobre a organização e execução das eleições.

O índice avalia questões como a existência de observação eleitoral na legislação e as barreiras para exercer a observação, aspectos nos quais a Argentina não pontua bem, especialmente em comparação com países como Colômbia, Equador, Peru, Panamá e Costa Rica, que não só contemplam e permitem a observação eleitoral nacional em sua legislação, mas também estão abertos à observação eleitoral internacional. Nas eleições mais recentes no Equador (2021) e na Colômbia (2022), a presença de observadores internacionais até ajudou a reduzir as tensões em cenários pós-eleitorais. As eleições do Brasil de 2022 também contemplaram a recente incorporação da figura da Observação Eleitoral.

Este ano trouxe boas e más notícias para os observadores eleitorais em todo o mundo. Por um lado, países como o Brasil, uma das maiores democracias do mundo, tomou a decisão histórica, em dezembro de 2021, de autorizar e regulamentar a observação eleitoral, não só a nível nacional, mas também internacional. Pela primeira vez em sua história democrática, várias Missões de Observação Eleitoral foram implantadas em território brasileiro para monitorar as Eleições Gerais de outubro de 2022.

Entretanto, tanto as autoridades eleitorais quanto os observadores foram alvos de ameaças e acusações de descrédito sem precedentes, que têm sua origem nas campanhas de desinformação promovidas sem base ou escrúpulos por distintos atores do espectro político. Por este motivo, em 27 de outubro, os Relatores Especiais de Direitos Humanos da ONU emitiram uma declaração conjunta a respeito da situação dos observadores eleitorais nacionais e internacionais como defensores dos direitos humanos, o que representa um precedente importante.

Según la declaración, las condiciones en las que se celebran elecciones en el mundo han empeorado y “las campañas de desinformación, la retórica dura e incluso la violencia se han dirigido al amplio espectro de actores que participa en los procesos electorales, desde candidatos y partidos políticos, hasta funcionarios y observadores electorales”. También denuncian que “los observadores electorales tanto nacionales como internacionales han reportado un aumento significativo en la gravedad y la escala de los ataques contra ellos”. 

De acordo com a declaração, as condições nas quais se celebram eleições no mundo pioraram e “as campanhas de desinformação,a retórica dura e até mesmo a violência foram dirigidas ao amplo espectro de atores envolvidos nos processos eleitorais, desde candidatos e partidos políticos até funcionários e observadores eleitorais”. Também denunciam que “tanto observadores eleitorais nacionais como internacionais relataram um aumento significativo na gravidade e na escala dos ataques contra eles”. 

Os direitos civis e políticos, entre os quais estão o direito de eleger e ser eleito e outros que garantem a participação dos cidadãos na vida civil e política do Estado sem discriminação e em igualdade de condições, também são Direitos Humanos. Portanto, os relatores especiais enfatizam que “eles são defensores dos direitos humanos e atores da sociedade civil”. Portanto, os Estados devem permitir a observação independente e imparcial das eleições por parte de todos os observadores, inclusive os provenientes do estrangeiro”.

Por que a Argentina  mantém esta com as organizações da sociedade civil? A fiscalização do processo eleitoral não é apenas um assunto dos partidos políticos. É tempo de, em vista das Eleições Gerais de 2023, o Congresso assumir a responsabilidade de proteger e consagrar no Código Eleitoral o direito dos cidadãos de exercer o controle sobre as eleições. Não apenas no dia da votação, mas também durante as distintas fases que compõem o calendário eleitoral.

Autor

Cientista político. Diretor de Transparência Eleitoral da América Latina. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA). Magister em Direito Eleitoral pela Univ. Castilla La Mancha (Espanha). Autor do livro "Así se Vota en Cuba".

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