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Uma agenda ambiental para o Peru

Co-autora Deborah Delgado

O segundo turno da campanha eleitoral peruana foi marcado pelo medo, a polarização e uma abundância de propostas econômicas ligadas à extração de recursos naturais. Apesar do pronunciado conflito socioambiental e da crescente importância global das crises ambientais, as propostas de ambos os campos políticos ligadas ao meio ambiente foram tratadas com superficialidade.

A pandemia e a agenda ambiental

O Peru tem a segunda maior extensão da Amazônia – superada apenas pelo Brasil – e mais de um em cada cinco peruanos se auto-identificam como indígenas. Durante o ano de 2020, o país registrou seu recorde histórico de perdas florestais na Amazônia, cinco defensores ambientais foram mortos e houve 140 casos de conflitos ambientais e um aumento no número de feridos e mortos em comparação com 2019.

No Peru, a pandemia não só significou a dor de milhares pela perda de entes queridos, mas também o aprofundamento de grandes desigualdades nas áreas rurais. Nessas áreas a pobreza e a crise ambiental se agravam à medida que numerosas indústrias ilegais como a produção de cocaína, a extração de madeira e a mineração de ouro aluvial se expandem sem controle.

Durante esses tempos de crise, o Congresso peruano rejeitou a aprovação do acordo de Escazu e traçou um caminho para estimular ou desbloquear a economia, relaxando algumas regulamentações ambientais. Por outro lado, o Ministério do Meio Ambiente estava promovendo iniciativas e disposições técnicas. Por exemplo, em 2020 foi aprovada a regulamentação da lei sobre mudança climática, e em abril deste ano o governo aprovou um decreto com o objetivo de mitigar e prevenir riscos para os defensores do meio ambiente.

Estes esforços, entretanto, são difíceis de implementar e a integridade das Áreas Naturais Protegidas, assim como outras áreas, correm o risco de serem expostas ao desmatamento, que tem aumentado acentuadamente nos últimos anos.

Um discurso centrado no homem e no crescimento econômico

No debate presidencial de 23 de maio e nos planos do governo de Keiko Fujimori (Fuerza Popular) e Pedro Castillo (Peru Libre), nenhum dos candidatos apresentou um quadro técnico ambiental sólido. Por um lado, o plano do candidato da esquerda, sem elaborar estratégias de implementação, destacou a importância de reduzir os conflitos socioambientais e reavaliar os conhecimentos tradicionais. Enquanto a candidata de direita enfatizou a importância de transformar a natureza em riqueza monetária, mas com padrões ambientais.

Após mais de duas décadas de intensificação das atividades extrativistas, as áreas rurais afetadas não mostram melhorias ou um aumento nos serviços, mas sim uma crescente desconfiança em relação ao Estado central. As propostas de Keiko Fujimori para aumentar a distribuição dos ganhos econômicos e dos vales de ajuda social às populações das áreas extrativistas não foram suficientes, e foi Pedro Castillo, que vem das áreas rurais e propõe uma mudança no modelo de desenvolvimento, que recebeu o apoio de uma muito ampla maioria nestas regiões. Isto indica que a compensação econômica não parece ser uma alternativa atraente para estes cidadãos marginalizados que dependem cultural, social e economicamente de um ambiente saudável para sua sobrevivência.

O desafio de uma agenda ambiental

Diante da crise da Covid-19, os cidadãos que viviam em áreas com presença intermitente ou mal articulada do Estado central se refugiaram em seus conhecimentos tradicionais e permaneceram ativos na defesa de suas vidas, seu território e seus direitos.

Vários dias após a eleição, e sem um vencedor oficial devido aos processos de contestação, a campanha do medo, que evidencia as diferenças entre as cidades costeiras e o resto do país, continua.

Por um lado, da direita, a campanha do medo se baseia em apontar os vínculos da esquerda com o terrorismo e que isso transformará o país em uma nova Venezuela. Enquanto do outro lado, a esquerda adverte sobre um retorno ao neoliberalismo autoritário dos anos 90 que violou os direitos humanos.

Abordagens desarticuladas e de pensamento único não oferecem uma solução real para as poucas propostas ambientais elaboradas de qualquer um dos candidatos. A corrupção prejudica os esforços de proteção ambiental e prospera com a mercantilização da natureza, colocando em risco os defensores da terra. Mas o combate à corrupção por si só não é suficiente. As políticas ambientais exigem um forte componente científico e tecnológico. No entanto, sua produção não é necessariamente inclusiva e tem uma articulação limitada com a elaboração de políticas. Assegurar a participação igualitária de todos os cidadãos é fundamental, mas não será suficiente se essa participação não for interativa, sustentada e vinculante na tomada de decisões.

Por que a democracia e o meio ambiente andam de mãos dadas?

Com uma economia dependente de atividades extrativas e uma longa história de exclusão das populações indígenas – evidenciada nesta campanha – as agendas ambiental e descolonial estão entrelaçadas e se tornando mais urgentes no Peru.

O território peruano sustenta uma grande diversidade cultural e biológica, mas, ao mesmo tempo, é um espaço racializado. A agenda de recuperação ambiental e econômica do novo governo deve incluir uma compreensão profunda e dinâmica da relação entre as pessoas e as diversas paisagens do Peru. Nas últimas décadas, foram feitos progressos nas políticas ambientais e nos direitos indígenas, mas estes foram insuficientes.

Esta campanha eleitoral, carregada de argumentos diferenciadores e hierárquicos com tendências racistas, talvez esteja apontando os elementos fundamentais para criar uma agenda ambiental abrangente que trate dos problemas estruturais de uma sociedade multicultural e multiétnica.     

Foto de Comandmatico 

Autor

Magister en Medio Ambiente y Desarrollo por la Pontificia Universidad Católica del Perú y candidata a Doctora en Geografía en la Universidad de Calgary (Canadá). Integra el grupo de investigación de Política y Gobernanza Medioambiental.

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