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Vice-presidentes latino-americanos e corrupção: maneiras de viver

É conhecida a fraqueza de Cristina Fernández de Kirchner pelo rock nacional e, especialmente, por sua canção favorita: Rasguña las piedras. Seus vizinhos contam que ultimamente ela pode ser ouvida cantando em voz alta em casa. “Lo cierto es que estoy aquí / Otros por menos se han muerto / Maneras de vivir”. Os vizinhos, espantados, perguntam-se o que levaria a vice-presidente a trocar Sui Generis pelos espanhóis Leño. 

Um vizinho com um ouvido particularmente fino detectou que às vezes a vice-presidente muda a letra original para esta: “Lo cierto es que estoy aquí / Otros por menos renunciaron / Maneras de vivir” (A verdade é que eu estou aqui / Outros por menos renunciaram / Maneiras de viver). E como além do ouvido, tem um bom intelecto, não demorou muito para ligar os pontos: o jornal de 12 de agosto anunciou a renúncia do vice-presidente paraguaio, Hugo Velázquez, e a retirada de sua pré-candidatura à presidência em 2023. O motivo: os Estados Unidos o considera “significativamente corrupto”.

Apenas uns dias antes foram tornadas públicas as três toneladas de argumentos dos promotores Luciani e Mola no caso “Vialidad”, no qual Cristina Fernández é acusada de associação ilícita e administração fraudulenta agravada. Mas a vice argentina, muito distante de renunciar ao seu cargo, desafiou os dois promotores do caso e os dois juízes. Maneiras de viver.

Uma no cravo e outra na ferradura 

O paraguaio Velázquez não precisou das acusações contra ele para resultar em processos judiciais, muito menos em um julgamento oral, que é a etapa mais avançada do processo. A designação como “significativamente corrupto” por parte dos Estados Unidos foi suficiente para que renunciasse.

Ao justificar sua decisão, deu uma no cravo e outra na ferradura. Por um lado, anunciou o cancelamento de sua pré-candidatura à presidência de 2023; segundo ele, o motivo era: “Para me concentrar em preparar minha defesa e proteger o bom nome da minha família”. Ou seja, por motivos estritamente pessoais, não pelo dano que causaria às instituições que um suspeito de corrupção fosse candidato à presidência. 

Por outro lado, afirmou: “A institucionalidade do país sempre deve estar acima de qualquer assunto pessoal”. Em última instância, o que conta é que estas palavras coincidem com suas ações, ou seja, com sua saída do Executivo. E coincidem com as palavras e ações de Juan Carlos Duarte, assessor jurídico da hidrelétrica binacional Yacyretá, implicado no mesmo caso de corrupção: “Já renunciei do meu cargo, é um cargo público e tenho que honrar as instituições republicanas”. Maneiras de viver. 

A imitação, a gosto do consumidor 

Um dos mecanismos mais habituais na política, mas também um dos mais misteriosos, é a imitação. Como explicar que uns países copiam as instituições de outros? Como entender que alguns comportamentos de líderes políticos sejam replicados por aqueles ao seu redor?

E ainda mais surpreendente: em tempos de internet, quando descobrimos ao mesmo tempo o que está acontecendo em nosso país vizinho e em outro nas antípodas, como é que os políticos imitam majoritariamente o país vizinho e não qualquer outro? A proximidade geográfica ainda pesa tanto, apesar dos avanços tecnológicos e das correspondentes mudanças socioculturais? Independentemente da especulação sobre os motivos, o fato é claro: a imitação acontece. Mas não é feita em um sentido predeterminado: na maioria dos casos, os políticos podem escolher o modelo. 

Velázquez parece ter escolhido o de Raúl Sendic no Uruguai: acusado pelo Tribunal de Conduta Política de “comportamento inaceitável na utilização do dinheiro público” (realizou gastos pessoais com um cartão corporativo da petrolífera estatal), Sendic renunciou à vice-presidência em setembro de 2017. Em uma entrevista ao Panorama Diez, o ex-vice afirmou: “Quando a situação surgiu a nível da justiça, decidi renunciar ao meu cargo de vice-presidente da República e ir à justiça como qualquer outro cidadão. Nunca tive intenção de me amparar nos foros. Do meu ponto de vista, os foros não deveriam existir”.

Cristina Fernández, a sua vez, parece ter buscado inspiração no Equador. Duplamente: por um lado, de acordo com fontes próximas a Rafael Correa, teria sido este que elaborou a estratégia de se proclamar candidato à vice-presidência e depois nomear o candidato a presidente. Fernández teria tomado a ideia do equatoriano, ainda que ao final tenha levado a estratagema a seu término e Correa tenha permanecido com uma declaração de intenções. O aprendiz supera o mestre.

Com relação aos foros – que a Sendic renunciou junto com a vice-presidência – é vox populi levantar a hipótese de que a determinação de Cristina Fernández em ostentar cargos políticos tem mais a ver com a imunidade que tais cargos lhe conferem do que com sua ambição de poder.

Por outro lado, na hora de lidar com os tribunais, Fernández mais uma vez olha para o Equador. Primeiro, ao próprio Correa, que conseguiu o status de refugiado político na Bélgica, ou seja, uma espécie de imunidade que lhe permite escapar da sentença de oito anos proferida pelos tribunais de seu país por suborno. Em segundo lugar, Jorge Glas, o quarto vice-presidente desta série a enfrentar acusações de corrupção. Enquanto o presidente Lenín Moreno o retirava de todas as suas funções e o presidente da Assembleia Nacional, José Serrano, declarou que Glas deveria se afastar, o vice se agarrou ao cargo: “renunciar à Vice-presidência da República seria como aceitar minha culpabilidade quando sou inocente”, tuitava. Com efeito, Glas foi para a prisão sem ter renunciado. Maneiras de viver. 

A mensagem implícita

A canção que se escuta Cristina Fernández cantar é das que tem uma mensagem implícita. Mas não se trata das clássicas psicofonias satânicas do rock pesado, nem é necessário tocar o vinil ao contrário para ouvi-lo. É uma mensagem implícita, mas muito clara.

Primeiro: a justiça é corrupta e domina indiscutivelmente os outros Poderes. Isto é demonstrado pelo fato de que estes poderes não conseguem domar a tirania da lawfare. Se a justiça é corrupta e domina o sistema institucional, o sistema institucional como um todo é corrupto. Uma ode fúnebre ao Estado de Direito, entoada por aqueles que se esperam que sejam os guardiões de sua saúde. 

Segundo: se os tribunais julgam o cidadão e este não está de acordo com o veredito, ele pode se autorizar a reverter o procedimento: o cidadão julga os tribunais. Isto também implica que o cidadão está em posição de decidir quem pode julgá-lo. O que, por sua vez, tende sempre a ser resolvido da maneira mais óbvia: o cidadão determina que só ele pode e deve julgar a si mesmo. E, viva! Se declara inocente.

A mensagem recebida pela comunidade política internacional, investidores e cidadãos tem consequências nefastas nas três áreas. Haverá aqueles que sofrem essas consequências, aqueles que se preocupam sem sofrer diretamente, aqueles que lutam para revertê-las. E haverá aqueles que se beneficiam delas e continuam a cantar alto. Maneiras de viver.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar. 

Autor

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Politólogo y Doctor en Ciencia Política por la Universidad de Salamanca. Especializado en la sucesión del poder y la vicepresidencia en América Latina.

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