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Uma alt-tech para chamar de nossa

É assim que as mídias digitais e os provedores de serviços de Internet populares na extrema direita são conhecidos devido sua maior flexibilidade na moderação de conteúdos em relação às plataformas convencionais.

As manifestações em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, no último sábado, 7 de setembro, trouxeram às ruas um novo personagem peculiar em meio aos atos que expressam a forte radicalização política dos últimos anos. Além do desfile oficial em Brasília, que recebeu Lula e uma série de autoridades, os protestos convocados pelas redes sociais que reuniram o ex-presidente Jair Bolsonaro, seus correligionários e apoiadores, contou com a participação especial de uma entidade fantástica que foi reiteradamente anunciada em palavras de ordem, faixas e galhardetes: o bilionário Elon Musk. De repente, Musk tornou-se um ídolo das extremas-direitas brasileiras ao apresentar-se como defensor da liberdade de expressão.

Em 30 de agosto, o acesso ao X/Twitter foi bloqueado em todo o território brasileiro por determinação judicial do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A ordem foi motivada pela intempestiva decisão de Musk de fechar o escritório brasileiro do X, em meio a uma série de inquéritos em andamento na justiça e após a recusa para cumprir determinações anteriores que solicitavam a retirada de perfis com atuação comprovada nas manifestações antidemocráticas de 8 de janeiro de 2022. Um dado, porém, que poucos até aqui observaram foi a temporalidade dos fatos. 

O comunicado sobre o desligamento da equipe no Brasil e fechamento do escritório que representava a plataforma no país se deu no sábado, 17 de agosto, um dia após a autorização para veicular propagandas eleitorais no país, inclusive em meio digital. Trocando em miúdos, Musk deixou claro que o X/Twitter se tornou uma alt-tech no Brasil. É assim que as mídias digitais e os provedores de serviços de Internet populares na extrema direita são conhecidos, devido sua maior flexibilidade na moderação de conteúdos em relação às plataformas convencionais.

O termo alt-tech, “tecnologia alternativa”, se popularizou a partir de plataformas extremistas como Gab, Gettr, Parler e Bitchute. O bloqueio ao X/Twitter no Brasil teve como efeito uma massiva migração de usuários para aplicativos concorrentes, em especial o Threads e o Bluesky. É muito difícil projetar um destino definitivo para esses usuários nesse momento, e migrações semelhantes já ocorreram anteriormente, como quando a plataforma indiana Koo alcançou mais de 13 milhões de usuários brasileiros em um mês. Mas o movimento de um grande número de influenciadores, agora, parece levar em conta o desejo de consolidar um ambiente menos tóxico.

A base de usuários do X/Twitter no Brasil nunca foi tão grande se comparada a outras plataformas, como Facebook, mas o perfil desses usuários é distinto dos demais, porque o Twitter se notabilizou como um espaço de visibilidade para pautas sociais, discussões políticas e repercussão de acontecimentos recentes.

Assim, a busca passa pelo anseio de encontrar uma plataforma que proporcione algo similar. O Bluesky recebeu mais de um milhão de usuários brasileiros em menos de 48h. Parece um absoluto pequeno, mas o volume corresponde a mais de um sexto do total de usuários da plataforma antes do episódio. Talvez o principal revés seja o fato de que o clone do antigo Twitter, criado também por Jack Dorsey, não conta ainda com uma larga base de usuários internacionais. O Threads possui esta base, além de uma integração nativa com o Instagram, mas paira no ar uma certa desconfiança, em função de ser uma nova ferramenta da Meta. 

Na prática, os brasileiros estão testando diferentes opções, mas a expectativa é que se fixem em um lugar que lhes permita se manterem conectados com os seus pares e também com o mundo, e, ao mesmo tempo, que dê uma certa janela de visibilidade para o debate público, mantendo-os atualizados junto a uma agenda social e política.

Enquanto isso, o tráfego em português no X/Twitter foi reduzido a cerca de 20% do seu auge. Ainda há usuários brasileiros que acessam a plataforma do exterior, onde ela naturalmente continua disponível, ou do Brasil, por meio de VPN. A grande maioria, no entanto, é de usuários que se afinam a uma retórica alinhada com as extremas-direitas nacionais. Nesse sentido, o X se tornou similar ao Truth Social, rede lançada por Donald Trump nos Estados Unidos.

A principal diferença entre esses dois ecossistemas, no entanto, é que, no Brasil, há uma densa malha de comunicação proporcionada por serviços de mensageria privada, em especial o WhatsApp. Ali se encontram inúmeros grupos de discussão política de viés bolsonarista, cujo acesso serve para disseminar desinformação, discurso de ódio e frequentes ataques às instituições democráticas.

Desde o 8 de Janeiro, os grupos de WhatsApp bolsonaristas ligaram o alerta, quando Alexandre de Moraes abriu inquérito para investigar a invasão aos prédios dos Três Poderes, e mandou para a prisão vários apoiadores de Jair Bolsonaro que participaram dos atos. Muitos grupos expulsaram usuários suspeitos de espionagem, reformularam suas estratégias de apresentação e mudaram até mesmo seus nomes.

Hoje, quem pretende monitorar esse ambiente precisa saber que talvez não encontre canais óbvios. Grupos bolsonaristas assumiram alcunhas dissimuladas como “Bolo de Cenoura”, “Esportes Saudáveis” e “Amigos do Bem”. Ou seja, eles se enterraram em uma camada mais profunda das já opacas redes privadas.

Com o bloqueio do X no Brasil, esse processo se intensifica. Pode parecer, à primeira vista, positivo que essas extremas-direitas estejam se ausentando da esfera pública, de volta às cavernas do obscurantismo. Mas a verdade é que estão mais espraiadas do que nunca, mas agora fora do nosso alcance. 

Musk sabe disso, e escolheu fechar o escritório do X no calor da corrida eleitoral para permitir que esta rede atue abaixo do radar. Não espantaria que, passadas as eleições, ele voltasse atrás em sua posição. Por ora, talvez as autoridades eleitorais tenham um desafio maior do que apenas os desígnios de um bilionário. O perigo para a democracia no século XXI não se resume a uma pessoa, mas à atuação concertada de grupos com tendência autoritária.

Autor

Professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). Doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas.

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