Há momentos na história de um país em que tudo o que acontece parece assumir um ritmo frenético. Setembro de 2024 foi um deles para o México. Entre a posse do recém-eleito Congresso, em 1º de setembro, e a da nova presidente, em 1º de outubro, o país esteve imerso em um cenário definido por três eventos diferentes, mas claramente inter-relacionados. O primeiro tem a ver com o balanço do governo do presidente cessante em um marco legislativo renovado. O segundo refere-se à culminação da agenda política presidencial. Por fim, há as expectativas criadas pela nova mandatária. Tudo isso ocorre no marco de uma notável polarização que vem corroendo a democracia. A polarização é fruto de fatores estruturais, mas também das ações do loquaz presidente cessante que, dia após dia, em suas aparições públicas, não só definiu a agenda, mas também estabeleceu padrões emocionais que contribuíram para a divisão social.
O presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) caracterizou seu mandato de pouco menos de seis anos sob uma lógica transformadora que batizou de “a quarta transformação” (4T), que consiste em um programa ambicioso de redução da pobreza, mitigação das desigualdades sociais, fortalecimento da obra pública em ao menos duas áreas: comunicações (um aeroporto próximo à Cidade do México para substituir outro cujas obras já estavam em andamento e um projeto ferroviário em Yucatán) e energia (uma refinaria de petróleo), e uma certa austeridade republicana projetada na eliminação de escritórios públicos considerados desnecessários, no baixo nível de projeção externa, bem como na redução dos gastos oficiais. Em suma, no entanto, o déficit fiscal atual é de quase 6% do PIB, o maior em 35 anos.
Independentemente de uma avaliação mais detalhada do período, mais de cinco milhões de pessoas saíram da pobreza e a imagem favorável do presidente cessante por dois terços da população, a mais alta da região entre os presidentes democráticos. Entretanto, de uma perspectiva crítica, AMLO não realizou as transformações prometidas em termos de corrupção e impunidade, e os resultados na luta contra a violência causada pelo crime organizado, onde mais de 100.000 pessoas desapareceram, são decepcionantes.
14 das 50 cidades mais violentas do mundo estão no México, segundo dados de 2024 da consultoria World Population Review. Tijuana e Acapulco encabeçam a lista. Durante seu sexênio, foram cometidos 180.000 assassinatos, 30.000 a mais do que do seu predecessor, Enrique Peña Nieto, e segue sem esclarecer o massacre de Ayotzinapa, ocorrido há dez anos, também em setembro, no qual 43 estudantes foram assassinados e seus corpos desapareceram. A colisão entre as forças de segurança, o crime organizado e as elites político-econômicas forjadas nos sexênios anteriores não foi desativada por AMLO.
Fernando Barrientos sintetizou com precisão o balanço paupérrimo do sexênio de Andrés Manuel López Obrador e Ernesto Hernández Norzagaray antecipa o possível precipício para o qual o país se dirige. Em 16 de setembro, em comemoração a independência do México, trinta de seus municípios cancelaram as celebrações do feriado. Por trás disso, havia apenas violência. Entretanto, na principal comemoração no Zócalo da Cidade do México, ninguém se lembrou dessa circunstância.
Em termos institucionais, a 4T foi projetada em um ambicioso plano de reforma política que AMLO não pôde desenvolver plenamente por não contar com a maioria constitucional necessária de dois terços em cada Câmara. Esse foi o resultado das eleições legislativas de 2018 e 2021, nas quais Morena, o partido do presidente, venceu as eleições com seus aliados (PT e Partido Verde), mas não atingiu um patamar para promover mudanças. Entretanto, nas eleições de junho de 2024, o número mínimo de deputados necessários para a aprovação das reformas na Câmara dos Deputados foi alcançado, mas não o número de senadores.
Do pacote de 18 reformas constitucionais de longo alcance que o mandatário enviou ao Congresso em fevereiro, só três estarão em seu testamento político. As emendas à Carta Magna que envolve o judiciário, os direitos dos povos indígenas e o controle total da Guarda Nacional ao Exército foram as únicas aprovadas por ambas as câmaras do Congresso e pela maioria dos congressos estaduais, como prescreve a Constituição, antes de 1º de outubro, data de início da nova Administração federal. O resto ficará em espera. Para isso, e dado que o Executivo não tinha maioria qualificada no Senado – apesar de Morena e aliados ter um número sem precedentes de deputados (364 de 500) e senadores (83 de 128) e o controle de 21 estados da Federação –, teve de reviver velhas práticas para dobrar a vontade dos senadores da oposição.
Assim, o senador do Partido de Ação Nacional (PAN), Miguel Ángel Yunes Márquez, deu um passo à frente apoiando a primeira reforma governamental relativa à Justiça, fundamentalmente a eleição popular de magistrados, que foi seguida pelas outras duas. Yunes Márquez encenou a ruptura com seu grupo de forma ainda mais dramática, já que no dia da primeira votação pediu licença do cargo, alegando problemas de saúde na coluna, e permitiu que seu substituto assumisse seu lugar, que não é outro senão seu pai, o ex-governador de Veracruz Miguel Ángel Yunes Linares, um dos maiores inimigos de AMLO. Após assumir o cargo, Yunes Linares discutiu com Marko Cortés, senador e líder do PAN, o que deu a entender o distanciamento de seu clã familiar do bloco parlamentar de oposição e a aproximação com Morena, apesar dos graves confrontos que tiveram nas eleições para governador de 2018 e 2024 no estado.
Setembro terminou e dá lugar à ascensão à presidência de Claudia Sheinbaum, a primeira mulher na história do México a conseguir isso graças ao apoio de 59,7% do eleitorado nas eleições de julho, superando em 6,5 pontos percentuais o resultado obtido por AMLO em 2018. O próprio Yunes Márquez pediu à oposição que não promova mais confrontos e, em vez disso, prepare o caminho para a administração de Claudia Sheinbaum, que está prestes a começar. “Todos nós devemos contribuir para uma atmosfera de estabilidade e harmonia”, disse ele.
Sheinbaum, uma importante tecnóloga que esteve à frente da Cidade do México, é a candidata apoiada sem reservas por AMLO e tem sido clara em sua intenção de implementar o que chama de “segunda fase da Quarta Transformação”. Essa é uma continuidade com nuances. No momento, isso se reflete na composição do gabinete que tomará posse em 1º de outubro, que mistura os servidores leais de AMLO com rostos mais parecidos com os de Sheinbaum.
Por outro lado, Morena também realizou seu congresso em setembro, deixando a sombra do fundador visível na eleição de sua cúpula. Os três líderes mais relevantes têm em comum a juventude e a proximidade com ele. Luisa María Alcalde, Secretária do Interior cessante, é a nova presidente do partido, o segundo dos quatro filhos do presidente cessante, Andy López Beltrán, é o secretário de organização e a secretaria geral está reservada para Carolina Rangel, ex-funcionária do governo de Michoacán.
A tensão entre a autonomia e a dependência da nova presidente sobre seu antecessor será o fio condutor do roteiro presidencial populista que se estabeleceu firmemente no México. Com a sucessão, o domínio da dependência parece ter sido ratificado em setembro. Isso é indicado pela posição comum sobre o “caso espanhol”. O uso do rei Felipe VI como bode expiatório do malinchismo une ambos. A fúria do loquaz populista AMLO, que condena o “orgulhoso colonialismo espanhol”, foi endossada com entusiasmo pela tecnopopulista Claudia Sheinbaum, que também não parece querer distinguir as funções de um chefe de Estado do papel de um governo em um regime parlamentarista. Mesmo a despeito da sempre forte amizade entre os povos espanhol e mexicano.
Autor
Diretor do CIEPS – Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais, AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros (2020): “O gabinete do político” (Tecnos Madrid) e em coedição “Dilemas da representação democrática” (Tirant lo Blanch, Colômbia).