As recentes eleições legislativas na Argentina deram à aliança da oposição, Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança), quase 42% dos votos a nível nacional, enquanto que a oficialista Frente de Todos (peronismo), obteve aproximadamente um terço dos votos. Se tivesse sido uma eleição presidencial, a oposição teria ficado próxima de uma vitória na primeira volta. Mas para além dos números, as eleições deixaram três fatos fundamentais: o triunfo da oposição a nível nacional, a perda da maioria do Senado por parte do governo e a “derrota pírrica” do partido do governo na província de Buenos Aires.
A oposição ganhou em 15 das 24 jurisdições do país (23 províncias e a Cidade Autônoma de Buenos Aires), e 13 destas 15 foram ganhas por Juntos Por el Cambio, a aliança liderada no passado pelo ex-presidente Mauricio Macri, incluindo duas fundamentais como a província de Buenos Aires (a mais populosa) e a Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA), ficando os outros dois distritos eleitorais restantes nas mãos de partidos provinciais.
Outro fato significativo é que o partido no poder perdeu o controlo do senado nacional, presidido por Cristina Fernández de Kirchner. Na próxima legislatura, o oficialismo terá que negociar com outros partidos para obter o quórum (37 senadores) que lhe permite controlar a agenda legislativa.
Apesar da recuperação do governo em relação às eleições primárias de setembro, o que conseguiu foi uma “derrota pírrica” na província de Buenos Aires, em vez de uma “vitória pírrica”. Para esse resultado teve um rol destacado o maior protagonismo dos prefeitos, em comparação com as primárias, em grande parte devido ao seu maior empenho na gestão municipal. Importa destacar também à participação do peronista dissidente Florencio Randazzo, que, com 4% dos votos obtidos pelo seu grupo Vamos com Você, contribuiu, como nas eleições legislativas de 2017, para o triunfo da oposição.
Que fatores explicam a vitória da oposição?
Há três fatores principais que podem explicar a vitória da oposição a nível nacional e subnacional. Primeiro, um voto anti-governo que não está necessariamente presente a nível global, o que se deve em parte a um pior desempenho sanitário e econômico durante a pandemia em comparação com a média mundial; segundo, saúde, educação e práticas econômicas deficientes por parte do governo nacional que reforçam este clima anti-governamental; e terceiro, a renovação da oferta eleitoral pela oposição nos grandes distritos, especialmente na capital e nos três principais colégios eleitorais, as províncias de Buenos Aires, Santa Fé e Córdoba.
Em relação ao clima anti-governamental, a derrota do oficialismo vem juntar-se a outros pronunciamentos adversos contra os governos, tais como os que tiveram lugar na Bolívia, Equador e Peru nas eleições presidenciais e a eleição para a assambleia constituinte no Chile.
Em relação à má gestão na saúde, na educação e na economia, manifestou-se num prolongado fechamento da atividade pública e privada, com um impacto direto na educação e um dos piores desempenhos macroeconômicos.
No que diz respeito à oferta eleitoral, a participação política de novas figuras como Carolina Losada, Facundo Manes, Martín Tetaz e figuras históricas como Ricardo López Murphy nas listas da oposição, para mencionar alguns casos emblemáticos, permitiu que a coligação da oposição fosse oxigenada.
O que acontece a partir de agora?
Em termos eleitorais, uma oposição unificada e consolidada com uma oferta eleitoral renovada é um verdadeiro desafio para o governo do presidente Alberto Fernández. Lembremos que esta é uma situação sem precedentes desde que a oposição, derrotada nas eleições presidenciais de 2019, não teve um processo interno que a levasse à ruptura, embora o problema da liderança da própria coligação opositora esteja pendente de resolução.
Um desafio ainda maior é a incongruência de um próprio governo de coligação concebido contra natura. A Frente de Todos chegou ao poder sem ter resolvido um conjunto de diferenças e tensões. O triunfo de 2019 permitiu à coligação peronista varrer todas estas diferenças pré-existentes para debaixo do tapete.
A derrota do peronismo o domingo passado trouxe todas essas tensões de volta à mesa, tal como aconteceu nos dias imediatos que seguiram às eleições primárias de setembro. Hoje, quando a democracia argentina celebra 38 anos de existência ininterrupta -o período mais longo de estabilidade política desde 1916- a campanha eleitoral termino. A partir de agora começa uma nova etapa, a da Argentina numa campanha permanente.
Apesar de tudo, a democracia na Argentina parece ser “the only game in town”, para recordar aquela feliz expressão do cientista político americano Adam Przeworski, e isto é, sem dúvida, um motivo para celebrar.
Autor
Cientista político. Professor Associado da Universidade de Buenos Aires (UBA). Doutor em América Latina Contemporânea pelo Instituto Universitario de Investigación Ortega y Gasset (Espanha).