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A hora da solidariedade estratégica com a América Latina

Durante e depois da Guerra Fria, os países nórdicos assumiram um papel de baluartes dos direitos humanos e da democracia na América Latina. Apesar de terem pertencido a diferentes constelações internacionais (Noruega e Dinamarca como membros da OTAN e Suécia, Finlândia e Dinamarca da UE), criaram sua própria projeção internacional, representando um “modelo nórdico, democrático, inclusivo e solidário”.

Agora que a Finlândia já é membro da OTAN e a Suécia avança em seu processo de adesão, essa projeção internacional é posta à prova. O mundo muda para novas constelações geopolíticas, marcadas pela rivalidade entre EUA e China e uma UE que busca se reposicionar por meio da chamada “autonomia estratégica”. Para os países nórdicos, a solução deve ser trabalhar em conjunto para que a democracia, o meio ambiente e os direitos humanos sejam levados em conta. Nesse sentido, poderiam retomar os elementos de projeção do “modelo nórdico” e atualizá-lo para o que chamaríamos de “solidariedade estratégica”.

Uma prioridade da “autonomia estratégica” é retomar o quanto antes a reconexão entre Europa e América Latina. Para isso, a UE fez uma nova estratégia para a América Latina e, recentemente, tanto Josep Borell quanto Ursula von der Leyen visitaram a região a fim de levar isso adiante, e em julho haverá uma cúpula birregional em Bruxelas. Não há dúvida de que a região é crucial para o equilíbrio ecológico do planeta. Com mais de 50% da biodiversidade mundial, representa 14% da produção global de alimentos, 45% do comércio internacional líquido de produtos agrícolas e alimentícios e tem a maior proporção de energia renovável do mundo (61% em 2021).

A América Latina também tem recursos essenciais para a transformação da UE em sua projeção do Green New Deal. Por meio deste ambicioso plano, as emissões líquidas de gases de efeito estufa reduzirão em pelo menos 55% até 2030. A região latino-americana tem cerca de 60% das reservas mundiais de lítio, 70% do cobre e reservas de níquel e cobalto. Tudo isso é fundamental para a mudança da matriz energética, onde um ponto-chave é a produção de baterias para veículos elétricos.

No topo da agenda da visita de Von der Leyen à América Latina estava a consolidação da relação com o Chile, com um papel fundamental na exportação de lítio e cobre, bem como a promoção do processo de ratificação do acordo comercial entre UE e Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai). Embora o acordo esteja em negociação desde 2002 e tenha sido assinado em 2019, ainda precisa ser aprovado nos Parlamentos dos países da UE e do Mercosul. A Comissão Europeia vê isso como prioridade, dada a perda de espaço econômico e político da UE na América Latina, onde EUA, China e outros países avançam rapidamente e adotam novas políticas para se vincular mais estreitamente com a região.

Enquanto alianças mais estreitas estão sendo construídas em torno das grandes potências mundiais, os principais políticos da América Latina têm, por sua vez, defendido o que é chamado de “não alinhamento ativo”. Na realidade, isso não é tão diferente da “autonomia estratégica” da UE. Ou seja, uma tentativa de atender aos interesses nacionais sem depender de outros Estados ou manipulá-los.

Entre os problemas que a UE tem para avançar nas negociações com o Mercosul estão as críticas de organizações ambientais que temem o aumento do desmatamento da floresta amazônica. O mesmo se aplica à extração mineral e suas consequências ao meio ambiente e aos direitos humanos, o que já criou importantes conflitos em grande parte da América Latina. O termo “colonialismo verde” com relação a investimentos “renováveis” é cada vez mais ouvido no exterior e na região.

Ao mesmo tempo, há quem chama os padrões socioambientais da UE para acesso ao seu mercado de “protecionismo disfarçado”. Essas preocupações devem ser levadas em conta, sem reduzir os padrões ambientais. Uma maneira de fazê-lo seria considerando dimensões “solidárias” que levem em conta a necessidade dos latino-americanos para assegurar o acesso à tecnologia e capital para construir sua própria indústria e se integrar a cadeias de valor mais avançadas. As empresas da UE têm na América Latina um parceiro ideal para atender aos critérios ESG (ambientais, sociais e governança corporativa, na sigla em inglês) e, ao mesmo tempo, podem desempenhar um papel fundamental no apoio ao processo de transformação da América Latina, de produtora de matéria-prima para provedor de alta tecnologia.

Os países nórdicos podem desempenhar um papel fundamental na aproximação entre Europa e América Latina. O contato com a região nórdica remonta às origens dos Estados nacionais latino-americanos. Os nórdicos não têm uma “carga colonial” direta e o “modelo nórdico” é bem-visto por amplos setores da sociedade latino-americana. A memória da solidariedade nórdica durante a Guerra Fria, quando estes exerceram um papel importante como mediadores da paz e receptores de milhares de refugiados políticos latino-americanos, ainda perdura na região.

A América Latina é, para a UE e para os nórdicos, uma das regiões mais próximas em termos de valores e sistema político, algo que reforça o que hoje é chamado de friendshoring. Os nórdicos deveriam agir em conjunto para promover a Europa como um parceiro atrativo para a América Latina, não só para investidores, mas também em termos de questões ambientais e sociais.

Portanto, propomos substituir a “autonomia estratégica” pelo conceito de “solidariedade estratégica”, a fim de promover a construção de uma política birregional que funcione como plataforma para que ambas as regiões alcancem uma projeção autônoma conjunta no novo contexto geopolítico global.

Autor

Cientista política. Profesora Titular del Centro para el Desarrollo y Medio Ambiente de la Universidad de Oslo. Presidenta del consejo directivo del Instituto Nórdico de Estudios Latinoamericanos de la Univ. de Estocolmo. Especializada en élites y economía política.

Historiador económico y profesor titular en Estudios Latinoamericanos en el Instituto Nórdico de Estudios Latinoamericanos de la Universidad de Estocolmo. Investiga en temas de geopolítica y desarrollo.

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