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A incontornável convulsão social no Peru

Após quatro meses de um relativo apaziguamento dos ânimos dos milhares de cidadãos que protestavam por todo o território peruano, o país retoma, nesta semana, um quadro de grande preocupação com a sua segurança pública. Os discursos da presidente Dina Boluarte e os esforços por parte de sua equipe não foram suficientes para impedir a manifestação do descontentamento da população peruana com a política nacional.

O Peru é um país que enfrenta, nos últimos anos, uma série de episódios de instabilidade política marcada pela queda e ascensão de personalidades ao poder. Nos últimos cinco anos, o país teve seis chefes de Estado diferentes. A sexta figura a ocupar tal posição foi eleita em 2021 como vice-presidente do país. Após uma tentativa de golpe marcada pela ordem de dissolução do Congresso, o presidente Pedro Castillo foi demovido do cargo e preso diante de acusações que ainda recaem sobre o ex-presidente. Sua companheira de chapa, a atual presidente Dina Boluarte, foi a primeira mulher na história republicana do Peru a governar o país.

Advogada de formação e com experiência em distintos cargos da administração pública, Boluarte tomou posse em dezembro de 2022 e já em seus primeiros atos como presidente precisou enfrentar fortes contestações organizadas pelos diferentes setores da sociedade. Em um primeiro momento, um grupo reduzido de defensores do ex-presidente Castillo tomou as ruas do país. Aos poucos, os movimentos foram agregando estudantes, trabalhadores, mulheres e representantes de diversas minorias sociais em torno da contestação da legitimidade do governo de turno. Embora os protestos não sejam uníssonos em seus interesses, convergem diante do desejo de que a atual presidente antecipe as eleições que constitucionalmente deveriam acontecer em 2026.

A reação do poder público aos protestos foi bastante dura. Principalmente em Ayacucho e Juliaca, duas cidades peruanas, onde dezenas de pessoas foram violentadas – e algumas mortas – pelas Forças de Segurança Nacional que exigiam a imediata paralisação dos movimentos de contestação. Entre dezembro de 2022 e março de 2023, a violência urbana alcançou marcas que preocuparam inclusive a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que declarou observar com máxima atenção o cenário no país.

Em meados do mês de junho, depois de um período de negociações entre o governo e a população, os protestos voltaram a acontecer. No período que antecedeu a comemoração dos 202 anos da Independência do Peru, as ruas de Lima, bem como de outras localidades do país, voltaram a se encher de insatisfação.

A presidente que parecia negociar uma antecipação eleitoral passou a emitir sinais de que pretende manter-se no cargo até que se esgote o mandato no qual fora formalmente empossada a partir de 2022. Em suas falas oficiais, a presidente atribuiu ao Congresso a não resolução do impasse. Para que houvesse novas eleições, exigia-se a autorização por parte do Legislativo Nacional, o que não aconteceu. No recente levantamento de opinião pública divulgado pelo Latinobarômetro, a presidente peruana ostenta um dos mais baixos níveis de aprovação popular entre os mandatários da América Latina, perdendo apenas para o presidente do Equador, Guillermo Lasso.

Em um discurso que durou mais de três horas proferido diante do Congresso e das principais autoridades peruanas, a presidente Boluarte lamentou a violência ocorrida entre as forças de segurança e a população sem, entretanto, reconhecer-se como responsável por estes embates. Faltou em seu discurso um mea culpa aguardado por diversos setores da sociedade. A presidente defendeu ainda um “Pacto de reconciliação nacional” que visa retomar a ordem pública nacional que já apresenta perdas econômicas inesperadas.

Ao mesmo tempo em que a chefe de Estado estende a sua mão à população, solicita também a autorização do Congresso para ampliar as capacidades do Poder Executivo em termos de segurança. A justificativa recai sobre a possibilidade de que grupos criminosos, inclusive terroristas, estejam se beneficiando da debilidade social na qual o país se encontra para o cometimento de diversas infrações penais.    

Autor

Profesor de Relações Internacionales. Doctor en C. Políticas por la Univ. Federal de Minas Gerais (Brasil). Miembro de la Conferencia Americana de Organismos Electorales Subnacionales por la Transparencia Electoral (CAOESTE).

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