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A pandemia fortalece as relações China-América Latina

Aproveitando-se do vácuo de políticas estratégicas para a América Latina por parte dos Estados Unidos, a China aprofundou as suas relações com a região durante a pandemia de Covid-19. A agenda tem crescido em torno de três eixos especialmente: comércio, investimentos e ações conjuntas contra a pandemia.

Nesta última, Pequim ampliou seu leque de ações políticas e econômicas, oferecendo aquilo que Washington se mostrou incapaz de fornecer: vacinas, respiradores e outros equipamentos médicos essenciais para combater o coronavírus. Diversos países latino-americanos recorreram ao governo e às empresas chinesas para obter esses materiais essenciais. No caso do Brasil, com um presidente muitas vezes crítico a Pequim, os governadores estaduais construíram essas pontes com a China, realizando seus próprios acordos à revelia de Brasília.

O crescimento da influência da China na América Latina ocorre em meio às crises nos Estados Unidos, com iniciativas diplomáticas erráticas para a região, que com frequência se destacaram mais pela hostilidade contra os regimes de Cuba, Nicarágua e Venezuela do que em uma agenda construtiva com os grandes parceiros regionais em questões como comércio e migrações. Ainda não há diretrizes claras sobre o que mudará com o governo do presidente Joe Biden, cuja política latino-americana tem sido guiada mais pela resposta a emergências do que por uma visão estratégica de longo prazo.

O aprofundamento também se deu por meio da expansão dos investimentos no setor-chave da tecnologia da informação. Em meio às disputas comerciais entre China e Estados Unidos, os países latino-americanos têm optado por manter as portas abertas para a atuação da Huawei, permitindo à gigante chinesa fornecer equipamentos para a implementação do padrão 5G de Internet. É um padrão diferente daquele que tem marcado a ação da Austrália, Canadá ou União Europeia, no qual prevalecem vetos ou outras restrições aos investimentos chineses.

Outra questão importante é o modo como a América Central se tornou um palco das disputas entre China, Estados Unidos e Taiwan. Desde 2008 diversos países da região deixaram de reconhecer diplomaticamente a ilha e estabeleceram relações com Pequim. Isso aconteceu com Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Panamá e República Dominicana. A presidente-eleita de Honduras anunciou que fará o mesmo, reduzindo ainda mais os 14 Estados que atualmente reconhecem Taiwan – menos da metade do que eram há 20 anos.

Pequim também preenche certo vácuo oriundo das dificuldades dos países da América Latina em promover a integração regional em meio à polarização ideológica e a disputas partidárias que ultrapassaram as fronteiras.

A região não conseguiu responder de forma efetiva à crise na Venezuela, por exemplo. O Brasil no governo Jair Bolsonaro se retirou de iniciativas de integração como a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a Unasul. A própria influência crescente da China tem dividido partidos e governos, indo da hostilidade de Bolsonaro ao entusiasmo das nações do Pacífico, que buscam acordos de livre comércio com Pequim. O Uruguai também quer firmar tratado semelhante, apesar das restrições do Mercosul.

Relações já crescentes nos últimos anos

Em meio a tudo isso, ocorreu em dezembro o fórum da CELAC com a China, um encontro que ressaltou a importância da organização como principal canal de diálogo e cooperação do país asiático com a região. Mas já desde antes, as relações de Pequim com os países latino-americanos vinham em uma crescente destacável.

Nas duas primeiras décadas do século XXI, o intercâmbio econômico entre a China e a América Latina saiu de patamares pequenos para se tornar uma força considerável. O comércio bilateral ultrapassou US$300 bilhões por ano, e o estoque de capital chinês na região supera US$110 bilhões.

O motor dessa expansão foi o crescimento acelerado da China e sua demanda pelas commodities agrícolas e minerais exportadas pela região, tais como carnes, cobre, minério de ferro, petróleo e soja. Com frequência o mercado chinês se tornou o maior ou segundo maior para o comércio exterior regional, em especial para os países da América do Sul – no México e América Central continua o predomínio econômico dos Estados Unidos.

Na esteira do comércio, vieram os investimentos chineses, em geral para facilitar a extração e transporte das commodities latino-americanas exportadas para o país asiático. Esses fluxos financeiros se concentram em setores como mineração e energia, financiando a construção de infraestrutura como estradas, ferrovias, minas e oleodutos. No Brasil há um padrão diferente, com os investimentos da China focados na geração, distribuição e transmissão de eletricidade para o mercado doméstico brasileiro.

Os laços econômicos mais fortes levaram também a mudanças na diplomacia, com a construção de um arcabouço político para ampliar canais de diálogo e cooperação. Desde o fim da década de 2000 a China tem dado mais atenção à América Latina, com a publicação de dois Livros Brancos com as diretrizes oficiais para esse relacionamento e a ampliação de suas parcerias estratégicas na região. A partir da articulação original com o Brasil, em 1993, Pequim formulou iniciativas semelhantes com outros oito países latino-americanos, além dos laços peculiares que desenvolve com Cuba, pela similaridade do sistema político.

A China passou também a ter presença oficial e permanente em espaços da integração regional latino-americana, como a CELAC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. São medidas que representam a consolidação de sua influência como ator local. Dezenove dos 33 países da região se juntaram à Iniciativa do Cinturão e Rota, o projeto chinês de investimentos globais em infraestrutura, mas até agora as maiores nações latino-americanas (Brasil, México, Argentina, Colômbia) optaram por ficar de fora.

As relações com a China representam boa oportunidade para a América Latina enfrentar problemas como a pandemia e o desafio de recuperar suas economias, mas a região precisa melhorar seus processos de integração de modo a extrair o máximo possível de seu diálogo com Pequim e obter mais recursos em suas negociações com Washington.

Autor

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi pesquisador visitante na New School (Nova York) e na Univ. Torcuato di Tella (Buenos Aires). Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ (atual IESP/UERJ).

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