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A política externa de Lula e o futuro do regionalismo sul-americano

Coautor Francisco Denis Pereira

Em 1º de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva foi empossado como presidente em seu terceiro mandato. Após quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, há grandes expectativas para o terceiro mandato de Lula. O Brasil é ao mesmo tempo um ator mundial e regional importante, com uma das maiores economias do mundo e uma potência líder em muitos assuntos. Durante os mandatos presidenciais anteriores de Lula, o Brasil assumiu um papel proeminente na política global, o regionalismo sul-americano foi impulsionado e as agendas sociais e de mobilidade para a cooperação regional foram priorizadas, criando um dos regimes de migração regional mais liberais do mundo. Como será a agenda de política externa de Lula durante este terceiro mandato? Como isso afetará a integração regional na América do Sul? E quais são os desafios que a agenda regional de Lula irá enfrentar?

Política Externa e relações com a vizinhança sul-americana

O governo de Jair Bolsonaro foi caracterizado pelo isolamento internacional relativo do Brasil, particularmente em relação à América do Sul. Esta foi uma ruptura brusca com o passado, já que o Brasil esteve envolvido na criação, organização, financiamento e liderança de algumas das principais organizações regionais, incluindo a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). De fato, durante seus dois primeiros mandatos, a política externa de Lula priorizou a construção de mecanismos de governança regional sul-americanos, nos quais o Brasil desempenhou um papel decisivo como forma de posicionar o país como um líder regional. O governo Bolsonaro quebrou a tradição diplomática brasileira de priorizar a integração regional sul-americana, adotando uma nova retórica nos fóruns internacionais que colocava o Brasil mais alinhado com os governos de extrema-direita e iliberais, como os de Donald Trump, Victor Orban e Benjamin Netanyahu.

Após vencer as eleições em outubro de 2022, Lula e sua equipe de governo deram o tom de como será a política externa do novo governo. A nova estratégia de política externa foi delineada por um Grupo de Trabalho sobre Relações Exteriores, integrado por diplomatas, acadêmicos, consultores e representantes de diferentes partidos políticos e da sociedade civil, que elaboraram um relatório cujas principais recomendações estão sendo implementadas. A estratégia global e regional renovada do Brasil pode ser testemunhada pela estrutura da burocracia nacional. Uma das principais mudanças é a criação de uma Secretaria para a América Latina dentro do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), que anteriormente fazia parte da Secretaria para as Américas. Além disso, foram criadas outras duas Secretarias separadas para África e Oriente Médio. Para ampliar ainda mais o escopo da política externa brasileira, a nova administração criou outras Secretarias de Meio Ambiente e Clima, Ciência e Tecnologia e a “Comunidade Brasileira Internacional” (brasileiros no exterior).

Lula demonstrou sinais desta mudança de política externa no início de seu mandato em janeiro de 2023, em sua primeira viagem internacional à Argentina, tradicional aliado na região e para participar da Cúpula Presidencial da CELAC. A presença de um presidente brasileiro foi altamente simbólica, especialmente após três anos de ausência durante o governo Bolsonaro. Lula também visitou o Uruguai durante essa viagem. Seguindo esta linha, a principal mudança que provavelmente será observada durante o governo Lula é uma maior visibilidade do Brasil nos fóruns regionais e a promoção de soluções regionais e multilaterais para desafios comuns na área de migração, de acordo com as prioridades da política externa brasileira. Para tanto, sua primeira ação de política externa foi a de reingressar no PGM. Em resumo, a política externa do terceiro mandato de Lula coloca a América do Sul no centro da reconfiguração da estratégia global do Brasil.

Desafios do terceiro mandato de Lula

Desta vez, o âmbito de ação de Lula é limitado e as chances de desenvolver uma agenda tão ambiciosa de reformas, crescimento econômico e justiça social são limitadas por vários fatores. A nova administração está enfrentando um cenário muito diferente do que enfrentou nos anos 2000. A nível doméstico, a última eleição foi a mais polarizada da história brasileira recente. Isto significa que há muito mais agentes de veto, acrescentando à polarização ideológica e à instabilidade econômica. Por exemplo, a governança migratória brasileira, tradicionalmente caracterizada por seu caráter liberal e progressivo, ficou cada vez mais securitizada devido a uma mudança na configuração dos principais atores de governança. Os militares foram designados em posições-chave, como na gestão e coordenação da Operação Welcome, uma operação multiagência na fronteira com a Venezuela, destinada a receber, abrigar e ‘interiorizar’, ou seja, transferir os migrantes entrantes para outros estados brasileiros. Portanto, um dos principais desafios que a política migratória de Lula enfrentará é a desexecutização da governança migratória brasileira, o que poderia ser feito retirando algumas responsabilidades da Polícia Federal ̶ a atual agência estatal responsável pelas regularizações e pedidos de asilo. No entanto, isso seria um enorme desafio.

Além disso, a coalizão de Lula não controla o Congresso, e 14 dos 27 estados brasileiros são governados pela oposição. No nível internacional, o cenário é igualmente desafiador. O Brasil é membro dos BRICS em um momento de guerra na Ucrânia e de crescente rivalidade entre EUA e China, o que coloca o Brasil em um lugar difícil para encontrar um meio-termo e coordenar posições com o resto dos membros do BRICS. Lula provavelmente construirá a partir da experiência de longo prazo da diplomacia brasileira e sua reputação de conciliar posições e unir ideias e forças conflitantes ao redor do mundo. Isto reforçará bastante o pragmatismo e a busca por cooperação e soluções multilaterais do terceiro mandato de Lula.

O retorno de Lula ao Planalto e a participação renovada do Brasil em organizações regionais pinta um cenário otimista para o regionalismo sul-americano, mesmo que seja desafiador. O Brasil provavelmente buscará uma liderança consensual com seus vizinhos e uma coordenação econômica e política mais forte para fortalecer projetos regionais, como  CELAC e UNASUL. Esta é uma oportunidade para revisitar e aprofundar a integração regional sul-americana além do comércio, enquanto aborda temas como identidade regional, educação e cultura em um contexto de crescente mobilidade humana.

Francisco Denis Pereira é mestre e doutorando em Ciências da Integração no Programa de Integração Latino-Americana da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP). Atualmente exerce o cargo de assessor internacional da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República Federativa do Brasil.

Autor

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Internationalist e pesquisadora sênior da Eurac Research (Bolzano, Itália) e pesquisadora associada do Instituto Universitário Europeu (Florença, Itália). É doutora em Ciências Sociais pela FLACSO-Argentina.

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