Com a compra do Twitter, Musk tem dois grandes desafios a resolver: fazer com que esta plataforma seja finalmente rentável e estabelecer uma moderação de conteúdo que garanta a liberdade de expressão sem que isso alimente ainda mais a desinformação. Entretanto, estes desafios parecem ser incompatíveis, pois ao condicionar a verificação de uma conta de usuário ao pagamento de adesão de oito dólares, isto inevitavelmente levaria a que qualquer usuário pudesse ser verificado e assim disseminar qualquer tipo de informação. Desta maneira, minaria a legitimidade e a influência de “conteúdos e usuários” que esta rede social alcançou.
A incerteza que esta proposta de monetização gerou não é fortuita. Desde sua fundação, o Twitter conseguiu transformar a conversa política digital, já que facilitou a circulação de ideias e ações de diferentes atores sociais e políticos, entre outros, chegando a ser catalogada como a principal praça pública ou o esgoto digital do mundo. Não obstante, esta extensa circulação de informação verdadeira e imprecisa significou que esta plataforma viu, ao mesmo tempo, a necessidade de tornar-se um árbitro do comportamento de seus usuários, desenvolvendo limites ao fluxo de conteúdo violento e desinformativo que a tem atormentado.
Até agora, a eliminação da desinformação tem sido uma tarefa quixotesca para o Twitter. Houve duas estratégias principais de moderação de conteúdo, a primeira é etiqueta de conteúdo ou de usuários, como acontece com os meios de comunicação afiliados a países democráticos e não democráticos como Rússia (RT, Sputnik) ou China (CGTN), entre outros. A segunda, um tanto controversa, foi a suspensão das contas de meios de comunicação, jornalistas, usuários comuns ou líderes políticos como o ex-presidente Trump por disseminar informação inexata ou conteúdo que incita à violência. Embora ambas as estratégias sejam questionáveis em seus resultados, elas certamente mitigaram a desinformação e a violência na conversação digital, mas não conseguiram erradicá-las.
Renovação ou estagnação
Musk deixou relativamente claro o que deseja fazer com o Twitter. Antes de tudo, quer melhorar sua funcionalidade desenvolvendo algoritmos de código aberto que permitam, entre outras coisas, erradicar bots – contas automatizadas – e autenticar todos os humanos e, assim, aumentar a confiança dos usuários. Entretanto, suas primeiras decisões se afastaram deste objetivo, pois a compra de filiação resultou em perfis que não haviam alcançado a verificação desejada a obtivessem, apesar de já terem propagado desinformação e conteúdo de ódio para minorias e partidos políticos no passado.
Como consequência desta “verificação econômica”, os desinformadores e propagadores de mensagens de ódio obtiveram imediatamente mais visibilidade, o que é potencialmente perigoso. A pandemia, por exemplo, revelou que as contas sem verificação produzem mais conteúdo desinformativo e seu alcance depende do nível de coordenação para disseminá-lo. Entretanto, quando uma conta verificada produz um conteúdo impreciso, seu alcance é mais nocivo. Num relance, fica claro que a meta de aumentar a confiança nos usuários da plataforma não é uma tarefa simples e que, para acabar com a desinformação existente, a verificação de usuários não pode submeter-se simplesmente a uma rubrica econômica.
Ademais, se a proposta de verificação não conseguir contornar esta perspectiva econômica, é possível que a indústria privada de desinformação no mundo se fortaleça ainda mais, pois estes atores poderão influenciar na opinião pública a seu favor com muito mais facilidade, já que suas estratégias não se limitam ao uso de contas falsas e bots, mas também estão incursionando e sofisticando suas ações coordenadas na área de anúncios publicitários online. Desta última, Elon não mencionou muito até agora.
Tampouco mencionou sobre o acesso à API, sigla em inglês, ou Interface de Programação de Aplicações do Twitter. Este aspecto da plataforma não é tão conhecido pelos usuários comuns, pois está focado em pesquisadores e desenvolvedores, e seu objetivo é facilitar o acesso à informação especializada que, entre outras coisas, permite identificar o comportamento anômalo na plataforma. Por si só, o acesso a esses dados tornou-se limitado nos últimos anos, e a única opção para acessar um conjunto significativo de dados é pagando a filiação oferecida pela empresa, que certamente é alta e só grandes empresas de marketing digital são capazes de financiar.
O Twitter sobreviverá?
É irremediável, a praça pública digital está em crise por motivos econômicos e por tensões sobre a moderação do conteúdo. Felizmente, Elon recuou em relação à “verificação econômica”, pois seus efeitos prejudiciais na propagação do discurso do ódio e da desinformação, especialmente nos Estados Unidos, se manifestaram em poucas horas. A busca de Musk para tornar a plataforma mais confiável é razoável, mas não pode ser tomada de ânimo leve como estas e outras ações realizadas até o momento mostraram. Como resultado, milhares de usuários previram a morte do Twitter, que, embora seja muitas vezes uma posição fatalista, parece desconhecer que a empresa é financeiramente insustentável e as mudanças para que sobreviva são mais do que necessárias.Portanto, a temida renovação é inevitável. Mas como a empresa conseguirá lidar com os assuntos econômicos e de conteúdo? Essa é a incógnita que ainda está por responder. O certo é que para sobreviver, a “verificação de usuários” nesta plataforma é um estandarte de credibilidade que deve ser mantida, pois tem sido um dos poucos escudos mais consistentes contra surtos de desinformação. Entretanto, se o Twitter não conseguir se manter, em alguns anos veremos o surgimento de uma nova praça ou um esgoto digital como o Mastodon ou qualquer outro.
Autor
Professor adjunto da Universidad de la Salle (Bogotá). Mestre em Estudos Internacionais pela Universidad de los Andes. Membro do Programa de Treinamento 360/Digital Sherlocks Training Programme (DFRLab) para combater a desinformação.