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Ações de influência russa na América Latina?

O que tem em comum o referendo de independência catalão de 2017, as eleições presidenciais de 2018 no México e os protestos sociais de 2019/2021 na Colômbia e no Chile? Segundo os governos e a mídia, a Rússia tem se envolvido neles influenciando o debate público sobre as mídias sociais através de bots -contas semi-automatizadas que reproduzem certos tipos de conteúdo- com o objetivo de desestabilizar essas democracias.

As acusações contra Moscou têm sido freqüentes desde 2012 quando afetaram os Estados Unidos na guerra da Síria, intensificadas após as eleições presidenciais de 2016 do Trump, e foram consolidadas com a infodemia sobre a Covid-19.

Estas campanhas de influência são empregadas com o objetivo de criar ou modificar as crenças da população sobre uma questão específica, geralmente favorecendo um ator político. Para isso, é utilizado um grande número de contas falsas de mídia social que não estão localizadas no país onde o debate está ocorrendo.

O caso russo mais emblemático é o das fazendas bot da Agência de Pesquisa da Internet (IRA), que, segundo especialistas, tem um alto grau de coordenação para reproduzir uma determinada narrativa e torná-la viral. Tal história é classificada como desinformação, pois é uma informação falsa espalhada com a intenção de induzir em erro.

Além das fazendas bot, a natureza dos meios de comunicação financiados pela Rússia, como RT em Espanhol ou Sputnik Mundo, também tem sido questionada. Estes, de acordo com o Global Engagement Center (GEC) do Departamento de Estado dos EUA, disseminaram desinformação política, social e sobre Covid-19 nos últimos anos em muitas partes do mundo.

Normalmente, os estados democráticos financiam a cobertura da mídia internacional com o objetivo de retratar uma perspectiva positiva desses países no exterior, conhecida como soft power. Entretanto, o caso russo é analisado sob o conceito de poder agudo, pois o país é questionado por suas práticas antidemocráticas, incluindo a fundação de tais empresas de mídia e sua utilização para distrair, dividir e manipular o público interno e externo.

Entretanto, as reivindicações feitas pelos governos e pela mídia dos respectivos países começaram a ser questionadas pelo meio acadêmico e pela opinião pública à medida que exageram a extensão de tais operações. Além disso, eles são considerados tendenciosos, seja por falta de clareza conceitual, pela origem das informações, pela metodologia utilizada ou pela interpretação dos dados.

Do cirílico ao alfabeto latino  

Segundo David Alandete, ex-editor do jornal El País, no referendo unilateral de 2017 sobre a independência da Catalunha, a mídia financiada pela Rússia era mais viral do que a espanhola, utilizando bots para reproduzir a narrativa pró-independência. Ele até sugeriu o possível apoio das contas venezuelanas nesta tarefa. Segundo Alandete, a mídia pró-Kremlin enfatizou a violência perpetrada pela polícia espanhola contra eleitores e ativistas catalães, mas essas críticas se baseiam em auto-referências e muitas das colunas do jornal são afirmações e não especificam a origem das contas analisadas ou seu comportamento supostamente desproporcional.

Nas eleições presidenciais mexicanas de 2018, o Conselho do Atlântico identificou em um relatório a existência de potenciais bots comerciais que parecem ter origem russa. No entanto, esta investigação não encontrou provas de que estas contas tenham sido financiadas ou coordenadas pelo governo de Putin. O mesmo grupo de reflexão também analisou publicações da mídia pró-Kremlin cobrindo a eleição e encontrou um claro preconceito anti-americano, mas sem posições pró-candidatas.   

Um artigo de Lara Jakes no New York Times revelou uma possível interferência russa nas mídias sociais durante os protestos sociais de 2019/2020 na Colômbia e no Chile. E a empresa espanhola Alto-Analytics (2020) sugeriu a existência de comportamentos anômalos por um número significativo de contas localizadas no exterior. No Chile, por exemplo, cerca de 135 protestos anti-governamentais foram identificados como tendo sido chamados do exterior em países como os Estados Unidos, Espanha e Venezuela via Facebook.

Na Colômbia, a mídia pró-russa se concentrou em mostrar a violência do Estado contra a população. A descoberta mais marcante para ambos os países foi a identificação de 175 contas com ritmos de lançamento possivelmente semi-automatizados, 58% das quais estavam localizadas na Venezuela.  

O estudo de Global Americans (2021) concorda com a preponderância da cobertura da violência policial na Colômbia pelos meios de comunicação pró-Kremlin durante os protestos, bem como com a existência de relatos desproporcionais que divulgam este tipo de conteúdo. Com relação à sua localização, um número significativo deles estava localizado na Venezuela. E o relatório publicado pelo Centro para uma Sociedade Segura e Livre (2021) detectou 7.000 contas anômalas operadas do exterior com servidores na Rússia e na China e identificou a geolocalização de 4.233 em Bangladesh; 1.500 no México; 900 na Venezuela e 600 em outros países do mundo. 

Rússia – bode expiatório na região?

De acordo com esses dados, ao contrário de outras partes do mundo, nenhuma influência russa desproporcional pode ser demonstrada na América Latina. O que pode ser identificado é um comportamento anômalo proveniente do exterior, especialmente da Venezuela, durante protestos sociais e campanhas eleitorais. Entretanto, o monitoramento constante do ecossistema da mídia russa na região por governos e organizações da sociedade civil é necessário, já que meios de comunicação como a RT em Espanhol têm uma audiência crescente em países como México, Venezuela, Argentina e Colômbia.

Entretanto, as acusações questionáveis dos governos e de grande parte da mídia tradicional também são perigosas porque incorporam na sociedade a idéia de que a influência estrangeira continua a definir eventos nacionais.

Autor

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Professor adjunto da Universidad de la Salle (Bogotá). Mestre em Estudos Internacionais pela Universidad de los Andes. Membro do Programa de Treinamento 360/Digital Sherlocks Training Programme (DFRLab) para combater a desinformação.

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