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Bolsonaro vai tentar dar um golpe

Jair Bolsonaro vai tentar dar um golpe de Estado. Sairá vitorioso? Provavelmente não. Mas é terrível termos chegado a este ponto. É fundamental que todos os democratas tenham clareza da iminência do golpe: visões do tipo “as instituições estão funcionando” (ainda alimentadas por alguns cientistas políticos) só nos aproximam de uma catástrofe. Bolsonaro vai tentar o golpe, e a prioridade agora é que seu plano dê errado.

Trata-se de um processo a ser concluído só em 2022, e uma data chave (mas não decisiva) é a manifestação programada para 7 de setembro, pela “liberdade”, “intervenção militar”, “contra o STF”, “pelo voto impresso” e sabe-se mais o que. Trata-se de um evento provocador e é importante que nós democratas não aceitemos provocações. Que gritem sozinhos. Segundo eles, é o “7 de setembro do povo”. E nós somos o quê? Acaso não fazemos parte desse povo, não temos direito de comemorar o Dia da Independência, nossa Festa Pátria? Evidente que temos, e somos maioria. Mas evitemos provocações: tudo que querem é encontrar justificativas para fechar o regime.

Por que e como o golpe será dado?

Remeto aqui ao maior cientista político brasileiro, Wanderley Guilherme dos Santos, e a seu clássico livreto de 1962 “Quem dará o golpe no Brasil?”, premonitório do golpe de 1964. O trabalho hoje é bem mais simples, por óbvio, e não precisa ser realizado por um Wanderley, pode ser por mim mesmo.

Bolsonaro dará o golpe porque sempre foi autoritário e sabe que suas chances eleitorais são reduzidas. Vem adotando comportamento histérico e paranoico, denotando seu isolamento político. Com o quadro de economia debilitada, desemprego, inflação e juros em alta, seca e crise energética à vista e pandemia de Covid-19 criminosamente gerida e ainda longe de um final, não é provável que Bolsonaro vença a eleição de 2022 (se houver). Lula se impõe como virtual eleito, catapultado pela retomada de seus direitos políticos, pela memória de tempos melhores e pelo escancaramento do viés persecutório da Operação Lava Jato.

Como o caminho eleitoral lhe parece bloqueado, Bolsonaro terá que encontrar outros caminhos (segundo sua expressão recorrente) “fora das quatro linhas da Constituição” para seguir em seu projeto regressista, de retorno a um Brasil imaginário harmonioso, cristão, no qual comunistas estavam pendurados no pau de arara, e mulheres, “pretos” e “bichas” aceitavam um lugar inferior na sociedade sem protestar. Um projeto centrado numa figura “messiânica”, convencida de sua predestinação, que mobiliza camadas médias ressentidas com sua perda de status, elites arrivistas, setores retrógrados do agro e da mineração e parte dos mais precarizados da sociedade. Parece fascismo, tem cheiro de fascismo, tem sabor de fascismo. E é fascismo mesmo.    

Bolsonaro dará o golpe da seguinte forma: seu modus operandi de sempre é produzir caos, eleger novos inimigos e polarizar. Vai, desse modo, mantendo seus apoiadores mobilizados e crescentemente armados. Vão acossando ministros do Supremo Tribunal Federal, senadores, jornalistas, as esquerdas, movimentos indígenas, negros e feministas. Enquanto isso, seguem se armando. 

Idealmente, Bolsonaro tentará evitar a eleição, produzindo caos como justificativa para uma “intervenção militar”. Mais provavelmente, Bolsonaro conseguirá produzir algo mais concreto após sua derrota eleitoral. Alegará fraude, falta de confiança nas urnas eletrônicas e é bem possível que resolva se encastelar no Palácio do Planalto. Apoiadores produzirão motins de policiais militares nos estados, eventualmente insubordinações de setores de baixa patente das Forças Armadas, no limite invasões do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.  

Tem tudo para dar errado: parece faltar base social. Mas o inferno está nos detalhes.

Por que o golpe pode dar certo?

Não há apoio popular majoritário para uma tentativa golpista. Não há maioria no Senado Federal (já daquela Câmara dos Deputados amorfa e conservadora pode-se esperar qualquer coisa), nem sustentação no Supremo Tribunal Federal ou entre os governadores de estado. A grande mídia se coloca dessa vez claramente contrária a uma aventura desse tipo, bem como a Igreja Católica, boa parte do empresariado e mesmo os banqueiros. Tem tudo para dar errado.

Porém, cabe mencionar que as instituições brasileiras estão despedaçadas e o Estado vem sendo crescentemente ocupado por militares desde o golpe de 2016. Ocorre também que Bolsonaro tem seus apoios: empresários aventureiros, parte do agro, associações de caminhoneiros, as cúpulas das igrejas evangélicas, clubes de tiro, paramilitares. E o principal: contingentes importantes das polícias militares (que podem resolver responder diretamente a ele e não mais aos governadores) e possivelmente das Forças Armadas e da Polícia Federal parecem dispostos a seguir Bolsonaro em seu putsch.

Quem detém as armas não é uma questão de pouca monta. Assim, se setores armados resolverem manter Bolsonaro no Palácio e ocupar o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal após a derrota nas eleições, cabe perguntar quem vai retirar o golpista e seus apoiadores dos palácios. Assim, dependemos mais uma vez dos chamados “militares legalistas”, ou seja, de uma parte do aparato repressivo do Estado que resolva garantir a posse do presidente eleito (supomos que será Lula). Considerando a trajetória autoritária, intervencionista e demofóbica de nossas Forças Armadas, depender apenas delas não é o melhor cenário. Melhor não se fiar apenas nisso.

O que os democratas devem fazer

É fundamental garantir a preservação física dos democratas e suas principais lideranças. Já passou da hora de redobrar cuidados nas manifestações oposicionistas (que têm que seguir ocorrendo), evitar provocações, e reforçar a segurança de figuras como Lula. Uma vitória retumbante do candidato opositor em 2022 será importante. Garantir a posse, ainda mais.

Não resta muito a fazer a não ser buscar uma “frente ampla”, procurando conversar com todos. Preservando, porém, o caráter de esquerda da candidatura e a agenda de retomada de direitos e da própria Constituição de 1988.

Um ambiente com tal nível de polarização como o brasileiro torna inviável qualquer pretensa “terceira via”. Assim, se terão que engolir Lula, o “sapo barbudo” mais uma vez, não há necessidade de que se ceda tudo nas negociações. Trata-se de um tênue caminho entre garantir a eleição, a posse e a governabilidade de um lado e manter uma agenda transformadora do outro.       

De todo modo, um ano na conjuntura conflagrada brasileira equivale a um século. É arriscado fazer qualquer previsão, mas me arrisco aqui a mais uma para concluir. Recentemente, Bolsonaro afirmou em evento evangélico visualizar três alternativas em seu futuro: “estar preso, morto ou a vitória”. Não há dúvida de que todos os democratas devem lutar pela derrota de Bolsonaro (de sua candidatura e de seu golpe), e desejar que se preserve bem e com saúde para quando finalmente for responsabilizado e preso por seus crimes. 

Foto de Palácio do Planalto en Foter.com

Autor

Profesor de Ciencia Política de la Univ. Fed. del Estado de Rio de Janeiro (UNIRIO). Vicedirector de Wirapuru, Revista Latinoamericana de Estudios de las Ideas. Postdoctorado en el Inst. de Est. Avanzados de la Univ. de Santiago de Chile.

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