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Brasil e México: distância e desencontros

Co-autor Álvaro Costa Silva

Os dois países com as economias mais avançadas da América Latina e com maior capacidade de implementar iniciativas regionais, Brasil e México, pouco interagem desde a ascensão de Jair Bolsonaro ao governo. No passado, Brasil e México, embora geograficamente longe, interagiram em iniciativas regionais relevantes: foram parceiros na criação da ALALC, em 1960; da ALADI, em 1980 e do Grupo do Rio, em 1986. Mas o distanciamento começou antes e os desencontros se seguiram. Por quê?

Em 1990, o México formou o Grupo dos Três com Colômbia e Venezuela, e assinou acordo com o Chile; ambos baseados no regionalismo aberto. O Brasil, em 1991, formou o MERCOSUL, também orientado pelo regionalismo aberto, porém com restrições. O MERCOSUL seria um ensaio geral para uma abertura futura para o exterior.

1994 foi um ano marcante. O México ingressou no NAFTA, diminuindo sua autonomia frente aos Estados Unidos. A diplomacia brasileira, por sua vez, acenava para a América do Sul com a criação de uma área de livre comércio sul-americana. Com esse reenquadramento regional o Brasil adaptou sua política externa em discursos e ações para a América do Sul. Foi o ano de lançamento das negociações para formação da ALCA da qual o México seria parte integrante e o Brasil apresentou resistências ao avanço das negociações. Embora a área de livre comércio sul-americana não tenha tido êxito, a ideia de América do Sul se fortaleceu progressivamente no comportamento diplomático brasileiro levando até às iniciativas de Lula, com vistas a estruturar uma governança sul-americana sob a liderança brasileira. América Central e Caribe, por sua vez, foram vistos como países na órbita dos Estados Unidos.

Diversos motivos contribuíram para esse quadro. No regional, nos anos 2000 a onda rosa marcou os mapas cognitivos predominantes na América do Sul e incentivou um projeto de coesão regional. Na dimensão doméstica brasileira, a aproximação com América do Sul apoiou-se em articulação entre desenvolvimentistas, diplomatas autonomistas e uma comunidade epistêmica pró-integração que incluiu atores políticos e acadêmicos. Essa iniciativa tomou forma com o regionalismo pós-liberal e sua principal organização, a UNASUL. Na política externa brasileira a UNASUL e os países sul-americanos alavancariam os esforços do país de se projetar fortemente na arena internacional, além de serem receptores do desenvolvimento brasileiro. Nesse período, México chegou a solicitar a entrada no MERCOSUL como membro associado, o que lhe foi negado.

O México, na contramão da onda rosa, foi governado na década pelo Partido de Ação Nacional, conservador e liberal na economia. Trilhou outro caminho para ascender como ator global, aproximando-se dos Estados Unidos e partilhando votos com países europeus nos foros multilaterais. E sempre buscando neutralizar uma projeção brasileira que incomodava o governo mexicano. A oposição mexicana à candidatura brasileira a assento permanente no Conselho de Segurança da ONU foi um exemplo. Outro desencontro foi a suspensão, em 2005, do Acordo de Isenção de Vistos de curta duração por parte do México (restabelecido posteriormente em 2013), tentando coibir a entrada de brasileiros que passavam pelo país para entrar nos Estados Unidos.  

Houve também iniciativas de aproximação, mas tênues. Foi criada uma Comissão Binacional para facilitar negociações econômicas entre ambos. No apagar das luzes da gestão de Lula, ambos países colaboraram para a criação da CELAC, como parte do esforço do governo de Felipe Calderón de reaproximar-se da América Latina.

No campo econômico, a assinatura por ambos os países de acordo de complementação econômica (ECA 55), no quadro da ALADI, visava liberalizar o comércio e integrar o setor automobilístico. Proposto pelo presidente mexicano, em 2009, ambos iniciaram conversas sobre futuro comercial abrangente. De todo modo, o comércio entre ambos não era (e segue não sendo) relevante para nenhum dos dois: distância geográfica; pouca complementariedade entre suas economias; preferências comerciais condicionadas por MERCOSUL, NAFTA e China.

No início da década de 2010 houve mudanças nos dois governos: Dilma Rousseff, no Brasil, e o retorno do PRI ao poder, com Peña Nieto. Porém, o governo de Rousseff não foi contemplado com as circunstâncias favoráveis da década anterior. A crise econômica internacional interrompeu o período de bonança. No âmbito regional, foram eleitos diversos governos liberais e/ou conservadores e o regionalismo pós-liberal declinou. Internamente, crise econômica, crise política e uma política externa pouco ativa foram marcas da gestão de Rousseff. O papel do Brasil de estruturador da agenda sul-americana perdeu consistência, dando lugar a um comportamento de perfil baixo. No mesmo período, o México ingressou na Aliança do Pacífico, inspirado nos preceitos do regionalismo aberto, se rearticulando com países sul-americanos.

Em 2012 o governo brasileiro decide renunciar ao ECA 55, por conta do déficit brasileiro no comércio automotivo. Para evitar o colapso, os governos assinaram um protocolo que estabelecia cotas anuais de importação, mas negociações do acordo binacional foram interrompidas. Dilma Rousseff realizou uma visita de estado ao México em 2015, mas com parcos resultados.

Depois de duro processo de impeachment, o governo Temer adotou uma política externa avessa a tudo que lembrasse a onda rosa. E uma de suas principais bandeiras foi a revitalização da política comercial. Um acordo MERCOSUL-Aliança do Pacífico passou a ser visto com bons olhos. No final de seu governo, ocorreu uma cúpula de governantes dos dois arranjos integracionistas, sendo concebido o Plano de Ação de Puerto Vallarta, para a facilitação do comércio entre países dos dois blocos. A questão venezuelana foi outro ponto de convergência entre Temer e Peña Nieto: ambos os governos integraram o Grupo de Lima, e condenaram o regime de Nicolás Maduro.

Entretanto, com a ascensão de Jair Bolsonaro no Brasil e de Andrés López Obrador no México um novo afastamento ocorreu. Embora tenham coincidências quanto à forma de abordar a questão da pandemia – um negacionismo de partida – suas posições políticas expressaram grande desencontro. Enquanto Bolsonaro adotou uma retórica crítica à Venezuela; López Obrador adotou a defesa de uma saída negociada para a crise. O Brasil reconheceu a Juan Guaidó através de Declaração do Grupo de Lima, e o México não subscreveu a declaração. Ao contrário, compôs com a Argentina o Grupo de Puebla. Enquanto Bolsonaro apoiou o governo de Jeanine Áñez na Bolívia, o México deu asilo ao ex-presidente Evo Morales. O Brasil suspendeu sua participação na CELAC quando o México estava na presidência da organização – ex-chanceler Ernesto Araújo acusou-a, via Twitter, de dar “palco a regimes não-democráticos”. E está no PROSUL, que não inclui o México.

Assim, distanciamento e desencontros, não se devem somente à geografia. As divergências político-ideológicas de turno, as diferentes prioridades e interesses de política externa e os desencontros em matéria comercial limitaram o potencial de uma relação bilateral. Uma articulação harmoniosa entre os dois maiores estados de uma região nem sempre é fácil.

Álvaro Costa Silva é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2016), Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2019), e doutorando em Relações Internacionais na mesma instituição. É pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa (Lerpe-UERJ).

Autor

Profesora e investigadora del Programa de Postgrado en Rel. Internacionales de la Univ. del Estado de Río de Janeiro (UERJ). Doctora en C. Política por la Univ. Complutense de Madrid. Postdoctorado en el Inst. Universitario Europeo (Florencia, Italia).

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