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Caminhantes e balseiros: a solidão da migração venezuelana

A migração venezuelana começou a ocupar um lugar na agenda regional a partir de 2015, quando o êxodo começou a ter uma nuance diferente do que nos anos anteriores. Foi então que principalmente os países vizinhos fixaram seus olhos neste fenômeno migratório que exigiu atenção especial, já que não foi nada parecido com aquela migração recebida nos primeiros anos da revolução bolivariana.

Era de se esperar que, enquanto a situação econômica e social na Venezuela não melhorasse, a migração aumentaria. Com o passar do tempo, aqueles que fugiam da crise partiriam em piores condições e com maiores necessidades a serem atendidas pelos países de acolhida. Entretanto, devido à rapidez da deterioração, a região não teve tempo suficiente para se preparar institucional e socialmente para o que estava por vir.

Uma grande migração em um curto período de tempo

Este não é o primeiro movimento migratório de grande impacto na América Latina, mas é o primeiro a se desenvolver em grande escala em um curto período de tempo. Mais de cinco milhões e meio de pessoas já migraram desde 2015. Esta última onda é a que requer mais atenção devido às precárias condições de deslocamento e ao fato de que os locais de recepção não tiveram assistência mínima, o que gerou dificuldades no atendimento aos migrantes.

Estas deficiências estão entrelaçadas com as necessidades históricas das populações anfitriãs que, em certos casos, reivindicam sua prioridade como nacionais. Isto acentuou um aumento das expressões xenófobas e, em alguns casos, os migrantes foram responsabilizados por suas próprias misérias. Durante o ano de 2020, mais de 400 venezuelanos foram assassinados somente na Colômbia, e vários desses casos foram relacionados a expressões de discriminação.

Neste contexto, não é raro que os migrantes sejam responsabilizados por sua situação e pelos perigos que tiveram de enfrentar em suas rotas de fuga. Quer sejam “caminhantes” que fizeram viagens de um dia a pé através das montanhas enfrentando baixas temperaturas e pressão de grupos armados, ou “balseros” que decidem fugir por mar em barcos precários.

O dilema de migrar

Embora a perseguição política tenha ocorrido desde a chegada da revolução, a deterioração das condições de vida tornou-se visível para a comunidade internacional com a chegada de Nicolas Maduro ao poder. Entretanto, a crise é meramente a consequência de um projeto destinado a controlar a população através do empobrecimento e dependência absoluta do regime, ao qual se somou um aumento geral da violência.

Mas migrar não é fácil. Com pobreza extrema próxima a 90%, depreciação cambial, baixos rendimentos cobrindo apenas 0,4% da cesta básica, um ciclo hiperinflacionário e, além disso, a impossibilidade de obter documentos de identificação, iniciar a viagem é cada vez mais difícil.

Portanto, a migração venezuelana não tem sido homogênea e fala-se de várias ondas com características diferentes. O empobrecimento marcou a tendência dos migrantes nos últimos anos, o que somado à inflação desenfreada e à dolarização de fato da economia que tornou as remessas insuficientes, prevê para este 2021 um aumento significativo da migração com a partida de famílias inteiras.

Questão de normas e de humanidade

Aqueles que finalmente embarcam em sua viagem enfrentam uma jornada cheia de dificuldades e riscos. Embora a vulnerabilidade dos migrantes venezuelanos tenha sido reconhecida internacionalmente, eles nem sempre recebem proteção adequada e, em muitos casos, também são violados nos países de trânsito e de recebimento. Por essa razão, muitas instituições internacionais estão pedindo urgentemente a proteção dos migrantes e a imposição de obrigações e responsabilidades tanto para a Venezuela quanto para os outros países da região.

Especial atenção deve ser dada ao caso da migração entre Venezuela e Trinidad e Tobago, onde mais de 100 pessoas atravessando em barcos morreram no último ano ao tentarem chegar à ilha. Em certos casos, os migrantes, ao invés de serem devolvidos, são abandonados à sua sorte no meio do mar, independentemente de sua condição ou idade. Em outros casos, eles são privados de sua liberdade e sujeitos a tratamento desumano em violação às disposições internacionais, ou são submetidos a redes de tráfico e exploração sexual, sendo particularmente vulneráveis as mulheres e as crianças.

Entretanto, até agora os governantes desses dois países parecem não levar isso em consideração e utilizam a violação de direitos e razões políticas como justificativas. De fato, para o Primeiro Ministro de Trinidad e Tobago, a entrada irregular de um migrante no país o torna automaticamente uma pessoa indesejável, o que não só limita suas próprias possibilidades, mas também coloca em risco a situação migratória de qualquer outro venezuelano que o ajude.

Migração antes do Covid-19

Como se a crise venezuelana não fosse suficiente, em março a pandemia e seus ataques econômicos foram acrescentados. Para aqueles que tentam sobreviver no país bolivariano, a Covid-19 é uma preocupação menor. Mas, para os migrantes, a chegada do vírus tornou suas condições mais complexas, com um aumento significativo das expressões xenófobas. A associação do fluxo migratório com a expansão da doença deixou os migrantes ainda mais desamparados, além de serem os primeiros a serem afetados em seu trabalho, uma vez que são, em sua maioria, parte da economia informal.

Diante desta situação, quase 100.000 migrantes tentaram voltar à Venezuela, em muitos casos a pé, chocando-se com um novo muro, o de seu próprio país. O regime bolivariano havia impedido a reentrada de seus próprios cidadãos, acusando-os de serem armas biológicas.

Esta situação tem incentivado o uso de travessias de fronteira irregulares, somente no departamento de Norte de Santander, mais de 80 cruzamentos desse tipo já foram identificados. Conhecidos como “trochas”, eles se encontram controlados por grupos ilegais que controlam a travessia e fazem parte de redes de tráfico e de exploração.

Portanto, embora ainda seja necessário muito esforço em nível regional para combater a pandemia e suas consequências, a gestão coordenada da migração não deve ser abandonada. Países fronteiriços como a Colômbia e o Brasil não têm capacidade institucional para apoiar sozinho o cuidado dos migrantes, um fluxo que certamente aumentará este ano e que, dadas suas novas características, representa novos desafios na atenção diferenciada.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de Cristal Montanez Venezuela em Foter.com / CC BY-SA

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Professora na Pontificia Universidad Javeriana (Bogotá) e doutorando em Direito na Universidade Nacional da Colômbia. Especializada em movimentos migratórios, estudos de género e política venezuelana.

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