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Depois da tempestade: os desafios econômicos do Brasil

Coautor Claudio Andrés Téllez Zepeda

Há apenas três semanas, em 8 de janeiro, o mundo assistiu horrorizado como os defensores do presidente de saída Jair Bolsonaro invadiram os edifícios do governo federal do Brasil. A quarta maior democracia do mundo foi refém de ativistas neo-trumpistas e houveram denúncias que contou com a possível conivência de seções das forças militares e de segurança.

No entanto, apesar da passagem desta tempestade, a economia do Brasil, que está com problemas, continua sendo a décima maior do planeta e a maior da América Latina e Caribe. Como resultado, a sua evolução ao longo do mandato presidencial de 2023-2026 terá ramificações com impactos para além das fronteiras do país.

Os desafios que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pela frente são realmente assustadores: uma taxa de juros fixada pelo banco central que chega a 13,75% e uma inflação elevada no meio de uma recessão mundial. O desemprego atingiu um pico de 14,1% no primeiro trimestre de 2021, mas teve uma modesta recuperação marcada pelo aumento do trabalho informal e pela precariedade da economia do mesmo tipo.

A proporção de jovens brasileiros que não trabalham nem estudam subiu para pouco menos de dois em cada dez em 2011, para 23,5%. Uma década mais tarde, o número de famílias com uma renda per capita inferior a 497 reais por mês (cerca de 96 dólares) aumentou para 62,9 milhões de pessoas em 2021. O mais alarmante, especialmente para uma potência agro-exportadora como o Brasil, é que pouco mais da metade da população tem enfrentado algum grau de incerteza alimentar nos últimos anos e, desde o início do ano passado, 33,1 milhões de brasileiros estão sofrendo de fome imediata.

Efetivamente, o limite de despesas da era de Michel Temer congelou as despesas públicas em termos reais por até vinte anos a partir de dezembro de 2016. No entanto, o Congresso respondeu à derrota eleitoral de Bolsonaro mediante a aprovação de um incremento do limite de despesas por um ano. Assim, elevou o teto de gastos para 145 bilhões de reais (27,95 bilhões de dólares) e retirou da camisa de força discal um montante de 23 bilhões de reais (4,43 mil milhões de dólares) para investimentos públicos.

A intenção era (isto estava alinhado com as promessas de campanha de Lula) permitir a manutenção do programa Bolsa Família (eliminado em dezembro de 2021 e substituído pelo Auxílio Brasil) e recompor as despesas com a Farmácia Popular e a alimentação escolar, entre outros programas. No entanto, dado que se prevê que o gasto público se incremente, existe uma necessidade urgente de criar uma nova âncora fiscal, a fim de tranquilizar os mercados e evitar que a inflação regresse aos altos e voláteis  níveis do tumultuoso passado do Brasil.

Devido às elevadas (e crescentes) taxas de juros globais e ao esgotamento da liquidez, há muita pressão sobre a taxa de câmbio. Ao mesmo tempo, os preços internacionais das matérias primas, excepcionalmente voláteis desde a invasão russa à Ucrânia em 2022, fizeram com que o agronegócio brasileiro (especialmente no que diz respeito às perspectivas de exportação de soja) enfrente um risco significativo de queda.

Por outro lado, se espera que, com a nomeação do economista Bernard Appy para a Secretaria Especial do Ministério da Fazenda, o governo Lula dê prioridade à reforma tributária. De fato, Appy é o mentor da proposta atual no Congresso, a PEC 45/2019, que envolve a substituição dos impostos federais e estaduais por um tributo único chamado imposto sobre bens e serviços (IBS), similar ao imposto sobre o valor agregado (IVA) utilizado em vários países.

Simplificar o código tributário poderia levar a grandes ganhos em eficiência e produtividade para a economia do país. O governo progressista do Partido dos Trabalhadores (PT) também está estudando a tributação de dividendos acima de R$1 milhão (US$194.600)ao ano e uma redução nos impostos sobre a folha de pagamentos das empresas. Além disso, outra via poderia também ser explorada para resolver o déficit de receitas fiscais: a revisão dos subsídios federais e a reintrodução do código federal, os impostos PIS e Cofins sobre combustíveis que a administração de saída eliminou em um ano eleitoral. O recente ministro da Economia, Fernando Haddad prometeu também uma proposta-quadro para uma nova âncora fiscal para abril de 2023.

A República Popular da China continua sendo o maior parceiro comercial do Brasil. No entanto, não se pode contar com a China para impulsionar a economia brasileira tanto como antes. As exportações mineiras do Brasil (em particular o minério de ferro, que representou 70% das exportações mineiras totais) sofreram com a queda da demanda desde que começou a desaceleração do setor imobiliário da China devido à crise da Evergrande e aos bloqueios prolongados na busca de uma estratégia de “COVID zero”.

No entanto, a China tem pivotado da iniciativa do Cinturão e Rota, a qual o Brasil pretende aderir. Depois que mutuários como a Venezuela e o Equador não terem pagado seus empréstimos, Pequim busca agora um modelo de assistência para o desenvolvimento mais padrão que esteja centrado na construção de infraestrutura básica e na obtenção de acordos petrolíferos de empresas estatais. No entanto, uma economia de rendimento médio-alto como o Brasil não pode ganhar muito com isto. De fato, a dependência excessiva das exportações de produtos básicos (tanto minérios como agrícolas) de uma China cada vez mais orientada para a tecnologia poderia conduzir a uma reprimarização e desindustrialização da economia brasileira.

Em contraste, o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, especialmente graças às prioridades ambientais do presidente Lula, se alinha com as de Bruxelas. Em janeiro de 2022, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também decidiu abrir as discussões para a adesão: Brasília deve prosseguir isto de maneira pró-ativa. 

Os resultados das eleições de 2022 foram celebrados em todo o mundo por parte de ambientalistas, ativistas de direitos humanos e vozes a favor da democracia. Juntamente com o Chile e a Colômbia, o Brasil, por sua vez, deu início a uma nova maré rosa de progressismo sul-americano com lições potenciais para todos nós. No entanto, como em todas as revoluções político-idealistas, o verdadeiro teste da sua eficácia residirá na gestão económica e numa governação tangível e competente.

Lula da Silva tem os seus desafios pela frente e teremos que estar atentos. Por agora, boa sorte Brasil!

Claudio Andrés Téllez Zepeda é matemático aplicado e cientista político chileno com doutorado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Autor

Investigador asociado en el South Asia Institute of Research and Development, (Katmandú, Nepal). Econmetrista. Consultor de análisis de riesgos, inteligencia empresarial, análisis de la cadena de valor y precios de transferencia.

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