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O campeão da Libertadores e o bolsonarismo

Existe um ditado que diz que futebol e política não se discutem. Para além de ser uma máxima questionável, eles frequentemente se misturam. Foi assim na utilização do futebol pela Itália fascista nas Copas do Mundo de 1934 e 1938, pela ditadura militar argentina na Copa de 1978 e pelo governo militar brasileiro na Copa de 1970, no momento de maior violência do regime autoritário. Silvio Berlusconi foi presidente do Milan antes de ser primeiro-ministro da Itália, Mauricio Macri presidiu o Boca Juniors antes de se eleger presidente argentino, e Sebastián Piñera foi dono do Colo-Colo antes de ser presidente do Chile. O Flamengo, tricampeão da Taça Libertadores da América, não é exceção. Time de maior torcida no continente e provavelmente no mundo, é a equipe do coração de 21,8% dos brasileiros, segundo pesquisa do instituto Ipec de julho de 2022. Essa popularidade é explorada pelos políticos. O atual presidente do Flamengo Rodolfo Landim apoia Jair Bolsonaro e utilizou o clube inúmeras vezes para ajudar o aliado em sua tentativa de reeleição à presidência da República.

Entretanto, no dia seguinte à vitória do Flamengo sobre o Athletico Paranaense na final da Libertadores, disputada no Equador, Lula derrotou Bolsonaro. O voto do Nordeste do Brasil foi decisivo, pois Lula recebeu 69,3% da votação na região. A esposa de Landim, Angela Machado, que ocupa o cargo de diretora de responsabilidade social do clube, reagiu à derrota de Bolsonaro atacando os nordestinos em suas redes sociais: “Ganhamos onde se produz, perdemos onde se passa férias. Vamos trabalhar, porque, se o gado morrer, o carrapato passa fome.”

Ataques xenófobos aos nordestinos são recorrentes entre eleitores de Bolsonaro. Para além da gravidade do preconceito, ele foi direcionado a uma região com grande torcida do time: segundo a mencionada pesquisa Ipec, o clube é o preferido de 25,2% das pessoas no Nordeste. Perguntado se o Flamengo deveria se desculpar, Landim negou: “Isso não foi uma ação do Flamengo. Foi uma pessoa. Ela é uma pessoa física e tem o direito de se posicionar. É uma decisão íntima dela. Cada um tem o direito de agir e pensar como quiser.”

Na véspera da eleição presidencial, ainda no Estádio Monumental de Guayaquil, Landim e outros diretores do Flamengo comemoraram o título da Libertadores posando para fotos com a camisa do time e fazendo o número da candidatura de Bolsonaro, 22, com as mãos. A chegada da equipe ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro foi recepcionada por Bolsonaro enquanto era realizada a votação em todo o país. Em clara tentativa de aproveitar eleitoralmente o momento, Bolsonaro, que sequer é torcedor do time, chegou a erguer o troféu. Em seguida, passeou de helicóptero com os jogadores Pedro, Santos, Thiago Maia, Everton Cebolinha, Marinho e Diego Alves.

O juiz Siro Darlan, benemérito do clube, pediu o impeachment de Landim e a destituição de Angela Machado em função do suposto crime eleitoral do primeiro e das declarações preconceituosas da última. O grupo de oposição dentro do clube chamado Flamengo da Gente também emitiu nota, dizendo: “Desde 2019 o Flamengo tem sido usado como instrumento do Bolsonarismo e trampolim para obtenção de benefícios pessoais por membros de sua diretoria. Hoje, em violenta manifestação política, a Diretora Ângela Landim, esposa do atual presidente do clube, destilou xenofobia contra os nordestinos. Ao discordar da opção de voto da esmagadora maioria dos eleitores do nordeste, a dirigente agrediu e desrespeitou nossa torcida revelando mais uma vez a face preconceituosa e anti-popular da atual gestão do Flamengo.”

De fato, a utilização do clube para beneficiar Bolsonaro ocorreu ao longo de todo o mandato. Apesar de ser torcedor do Palmeiras, Bolsonaro esteve em vários jogos do Flamengo no Rio de Janeiro ou em Brasília. Quando era seu ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, torcedor do Athletico Paranaense, foi convidado para, com a camisa do Flamengo, assistir a um jogo em Brasília. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a ser homenageado pelo clube com título honorífico.

Durante momento ainda agudo da pandemia de Covid, a diretoria do Flamengo e Bolsonaro, que sempre minimizou a gravidade da doença, convergiam na defesa da abertura imediata dos estádios, contrariando as medidas de distanciamento. Landim recorria à relação com Bolsonaro para alterar a legislação sobre a transmissão das partidas na televisão. Essa proximidade entre os dois era apresentada por ambos também como uma oportunidade de o presidente da República interceder para que o banco público Caixa Econômica Federal, administrador de um terreno no centro do Rio de Janeiro, o negociasse com o Flamengo para a construção de um novo estádio de futebol do clube.

Em 2021, Landim foi cogitado por Bolsonaro para ser seu candidato a vice-presidente. O general Braga Netto, no entanto, foi o escolhido. Em março de 2022, Bolsonaro indicou Landim para o cargo de diretor-geral do Conselho de Administração da Petrobras, mas este recusou o convite poucos dias depois.

Antes mesmo da posse, a visibilidade de Lula dentro e fora do Brasil após ser eleito presidente já supera a do atual mandatário. Justamente quando a imagem do clube mais popular do Brasil poderia ser valorizada a partir da repercussão da vitória na Libertadores, Landim e a diretoria do Flamengo o atrelam ao candidato que não apenas foi rejeitado pela maioria do eleitorado, como ainda flerta com a não aceitação de sua derrota. Além de um desrespeito com a maioria da torcida do clube, é uma mancha na sua reputação em um dos momentos mais gloriosos da sua história.

Autor

Professor da Escola de Ciência Política da Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Doutor em C. Política pelo IESP/UERJ. Coord. do Centro de Análise de Instit., Políticas e Reflexões da América, África e Ásia(CAIPORA / UNIRIO). Dirigente sindical.

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