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O espinhoso regresso de Lula

Depois de segurar a respiração por 45 horas à espera do Presidente Bolsonaro aceitar publicamente a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que torna seu concorrente Lula da Silva presidente eleito da República, parece ter chegado a hora de confirmar a boa nova de que o bolsonarismo vai desocupar o palácio da Alvorada. Não importa que não tenha reconhecido explicitamente sua derrota eleitoral e que não tenha parabenizado o vencedor das eleições. Se honrar sua palavra de que “continuará cumprindo os mandamentos da Constituição”, há espaço para a esperança de que o Brasil produzirá uma mudança de governo pacífica.

Outra coisa é observar com realismo o cenário que se abre para o futuro governo de Lula da Silva. Tem sido repetido à saciedade que o Brasil que recebe não tem nada a ver com o Brasil que começou a governar em 1 de janeiro de 2003. Começava, então, o boom das commodities que aumentou os ingressos de toda a região e, no plano político, seu oponente tinha sido José Serra, o delfim de Fernando Henrique Cardoso do Partido da Social Democracia Brasileira. Além disso, Lula ganhou as eleições com 61% dos votos, ou seja, era evidente uma clara mudança do eleitorado para posições progressistas.

Nada disso está ocorrendo no Brasil atual. O clima econômico é de estagnação, estimulado pela inflação induzida e em meio a uma crise internacional. O clima político não oscila entre o centro e a esquerda, mas mostra uma profunda divisão entre uma esquerda contida e uma direita agressiva. Na verdade, a vitória de Lula é a mais estreita desde o retorno à democracia no gigante sul-americano. Apenas um ponto percentual (50,9% contra 49,1%).

Com uma diferença tão pequena, é um alívio que Bolsonaro não esteja contestando os resultados por vias legais. Ademais, o poder legislativo que foi constituído é majoritariamente favorável ao atual presidente e representará um poderoso flanco para as políticas do novo governo, sem mencionar a governança dos poderosos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, nas mãos de seguidores do presidente cessante.

Em seu discurso de vitória, Lula da Silva reconheceu que seu principal desafio consistirá em evitar a polarização e começar a unificar o país. Mas esta não será, de forma alguma, uma tarefa fácil. De fato, para enfrentá-la com sucesso, terá que partir de um diagnóstico preciso. E neste sentido, Lula não se mostrou muito realista quando negou que existiam “dois Brasis”. Isso é confundir os desejos com a realidade. Como assinalou acertadamente o ex-ministro boliviano do MAS, Manuel Canelas: “Bolsonaro foi derrotado nas urnas, mas é inegável que não perdeu culturalmente”.

O ressentimento social contra o progressismo das elites que Bolsonaro, como Trump nos Estados Unidos, têm conseguido amortecer, não é exatamente uma tempestade de verão. Na realidade, os resultados eleitorais no Brasil mostram uma situação semelhante à de Colômbia ou Chile. A divisão na Colômbia é histórica e recentemente ocorreu uma concentração multitudinária em Bogotá para dar início a uma marcha nacional contra o presidente Petro. Enquanto no Chile, o Presidente Boric pôde comprovar que a outra metade do país era capaz de derrotá-lo na consulta popular sobre a mudança constitucional.

Os resultados eleitorais do Brasil confirmam assim o diagnóstico da região. Não houve uma mudança do eleitorado para posições progressistas, como aconteceu no passado, incluindo a própria experiência de Lula no início deste século. O que é evidente é uma profunda divisão sociocultural nestes países, apesar da formação de governos progressistas. Nessas condições adversas, Lula da Silva tem uma margem de manobra estreita. Se quiser governar para todos os brasileiros, terá que se reconciliar com os representantes de Bolsonaro, mas isto pode causar desinteresse entre amplos setores do Partido dos Trabalhadores. De momento, terá que começar por pacificar o país. As ações violentas dos caminhoneiros e outros grupos bolsonaristas nesses primeiros dias após a eleição não são bons agouros.

Autor

Enrique Gomáriz Moraga ha sido investigador de FLACSO en Chile y otros países de la región. Fue consultor de agencias internacionales (PNUD, IDRC, BID). Estudió Sociología Política en la Univ. de Leeds (Inglaterra) con orientación de R. Miliband.

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