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O “Trump dos Pampas”: Argentina soma mais um risco

Coautor Eduardo Ryo Tamaki

Os contextos de crise são campo fértil para candidatos antissistema. Em 13 de agosto, na Argentina, durante as primárias obrigatórias (PASO), Javier Milei, um candidato populista de extrema direita, ficou em primeiro lugar com 30% dos votos, deixando a coalizão de oposição Juntos por el Cambio em segundo lugar e o governo em terceiro. Em um contexto de inflação galopante, disparidade cambial e aumento da pobreza, os 7 milhões que apoiaram Milei expressaram, sobretudo, a frustração e raiva com a oferta política tradicional frente a situação econômica que obviamente o governo em curso, assim como seu antecessor, não conseguiu resolver. Para enfrentar o que define como “populismo kirchnerista” ou “zurderío”, Milei propõe um programa econômico liberal nos antípodas, baseado no Estado mínimo e no déficit zero, fingindo que a “casta política” é quem pagará o custo da mudança, e não o povo. Sua proposta é bastante populista.

De fato, até agora, Milei mostrou ser um exemplo clássico de populismo. Consideremos que o populismo não tem a ver com políticas econômicas, mesmo que seja tradicionalmente associado a governos fiscalmente irresponsáveis. Para os novos enfoques, o populismo é mais bem definido como uma ideologia, embora fraca ou incompleta, como um conjunto de ideias vagamente articuladas sobre o mundo e a política que se expressam e sustentam através de discursos. Trata-se de um mundo preto e branco que combina a noção de um “nós” ou “povo” moralmente bom e homogêneo contra um “eles”, uma “elite” malévola, corrupta e egocêntrica que se aproveitou do “povo”, usurpando seu “poder” para buscar seus interesses. O populista busca mobilizar a população para enfrentar as elites (econômicas, científicas, políticas ou até mesmo transnacionais) enquanto promete devolver o poder ao povo.

Milei é tudo isso, ele tem 1.400.000 seguidores no Tik Tok, que captura com sua narrativa de “nós” contra “eles”, os ladrões que saquearam o sistema e, consequentemente, são responsáveis pelos 40 anos de fracasso da Argentina. Se assumir o governo, promete erradicar os privilégios dos políticos e pôr fim à casta política parasitária, corrupta e inútil. Só então o povo argentino poderá ser livre, só então os argentinos poderão ser os arquitetos de seu próprio destino.

Milei não é um fenômeno novo nem isolado. O “Trump dos Pampas” equivale ao “Trump dos trópicos”, como Bolsonaro foi repetidamente chamado. E, de fato, esses três líderes compartilham muitas semelhanças: Milei também trava uma cruzada moral contra valores progressistas e liberais que, em sua opinião, buscam subverter e destruir o conceito de família e, nesse sentido, compartilha a agenda anticomunismo/socialismo de Bolsonaro. Exibindo seu negacionismo, Milei afirma que a mudança climática é uma mentira socialista e acredita que a educação sexual é uma agenda pós-marxista com o objetivo de exterminar a população. E ainda mais. Seguindo os passos de Trump e Bolsonaro, Milei também prometeu transferir a embaixada argentina em Israel para Jerusalém. Na América Latina, Milei é mais uma expressão do giro à direita que deu origem a populistas como Rodolfo Hernández na Colômbia, Keiko Fujimori no Peru e Nayib Bukele em El Salvador, entre outros.

Por que deveríamos nos preocupar com Milei presidente?

Uma semana antes da PASO, foram registrados saques e vandalismo em distintos pontos do país, uma história conhecida na Argentina. Se a situação econômica não melhorar e a social piorar, Milei presidente não é um cenário improvável. Aqui vemos outro problema, que vai além da ideologia: o populista, também outsider ou rebelde, que traria “ar fresco” à política, não tem estrutura política própria e também é hostil à cooperação, às coalizões e às concessões.

Para ilustrar, talvez vale contrastar com um caso do passado argentino recente, o de Carlos Menem, presidente entre 1989 e 1999, que chegou ao poder prometendo aumento salarial e revolução produtiva, para abraçar o neoliberalismo após a eleição. Milei não só afirma que o primeiro governo de Menem foi o melhor da história, mas também que já foi abençoado pelo ex-presidente como seu sucessor. Além de agendas similares de controle da inflação (para o primeiro, a conversibilidade; para Milei, a dolarização) e de redução do Estado, Menem se destacou por ter implementado a maior política de privatização da região. Se apresentou como a opção outsider para chegar ao poder, quando na realidade era o líder legítimo do tradicional e majoritário Partido Justicialista, que não só conseguiu a presidência, mas também amplas maiorias em ambas as câmaras legislativas, o que lhe garantiu duas leis fundamentais de delegação legislativa em 1990 e muitas outras ao longo de seu primeiro mandato.

Não se governa na democracia só com a opinião pública. Para aprovar reformas importantes, como privatizações ou o fechamento do banco central, é necessário apoio institucional. Os apoios de Milei presidente serão escassos e será inevitável compor com a “casta”. Vemos duas possibilidades aqui. A primeira, ao estilo Bolsonaro, que chegou à presidência com notável minoria parlamentar, mas com promessas grandiloquentes de se livrar da “velha política” e não “fazer política” com o establishment corrupto e, uma vez no poder, sobrecarregado por sua má condução da pandemia e centenas de pedidos de impeachment, acabou fazendo um pacto com o centrão, ou seja, entregando ministérios e recursos a esse grupo de partidos oportunistas. Lembremos que Bolsonaro deixou o poder com um alto custo para a democracia, questionando as instituições eleitorais e, como Trump, com um ataque aos três poderes em 8 de janeiro em Brasília.

A outra alternativa é familiar à Argentina. Um presidente radical ou intransigente será confrontado pelo congresso e haverá um choque de poderes. Em um contexto de crise, as ruas ficarão ainda mais agitadas e teremos outra presidência interrompida. As perspectivas são incertas até para as eleições de 22 de outubro. Entre as ameaças à democracia e o risco econômico, a oferta populista de Milei trouxe um horizonte sombrio para o que deveria ser um ano festivo, aquele em que a Argentina comemora quarenta anos de democracia.

Eduardo Ryo Tamaki é pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área (GIGA) e membro da Equipe Populismo.

Autor

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Cientista política. Pesquisadora Sênior no German Institute of Global and Area Studies - GIGA (Hamburgo, Alemanha). Foi Secretária Geral da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Especializada em instituições políticas comparadas na América Latina.

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