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Poderes judiciais sob ameaça

A América Latina vive uma erosão democrática veloz. Muitos presidentes da região lançaram ataques contra instituições que não se alinham à sua órbita de poder, e o Judiciário é uma delas.

Autores como Montesquieu e Madison disseram que o objetivo dos tribunais constitucionais é resguardar a Constituição e impartir justiça. Outros, como Alexander Bickel, consideram-no o poder mais fraco, já que não conta com o respaldo popular do poder executivo, nem com o fator econômico do poder legislativo. Entretanto, a realidade superou a teoria e já demonstrou que os juízes são garantidores do equilíbrio político quando são independentes, mas se cooptados, o autoritarismo avança. 

Países que são autocracias, como Venezuela, iniciaram a perseguição de juízes cedo. Em 2009, a juíza María Lourdes Afiuni foi uma das primeiras presas do regime depois de emitir uma medida de liberdade condicional para um banqueiro. Isso não agradou ao presidente Hugo Chávez, que disse: “A pena máxima para essa juíza, 30 anos de prisão, eu peço em nome da dignidade do país”.

Atualmente, a justiça venezuelana está alinhada ao chavismo, seja pela coesão ou por interesse, e os juízes não garantem a independência judicial. Outro caso é Nicarágua: a nação gozava de uma democracia incipiente e foi durante seu primeiro mandato que Daniel Ortega elevou o número de juízes para que, em 2009, o plenário da mais alta corte aprovasse sua reeleição indefinida.

Quatorze anos depois, Ortega segue no poder e deu outro golpe na justiça nicaraguense. Em 6 de novembro de 2023, a vice-presidente, primeira-dama e coordenadora de Comunicação Social, Rosario Murillo, se autoproclamou presidente do Judiciário. Com sua chegada, iniciou-se um expurgo neste poder, resultando em 150 renúncias e na nomeação de 10 novas magistraturas.

Como podemos ver, as autocracias moldam o regime à sua imagem e semelhança. Nesses casos, o judiciário está subordinado ao poder político. Esses são os casos mais extremos, mas não são os únicos, pois ao analisarmos as democracias híbridas, encontraremos outros.

No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador começou a atacar a Suprema Corte após eleger Norma Lucía Piña como sua presidente. A ministra tem se caracterizado por manter distância do poder e, sobretudo, por garantir o equilíbrio entre os poderes. Isso desencadeou o incômodo do executivo, a ponto de ela ter declarado que, para as eleições de 2024, quer que Morena ganhe a maioria no Congresso para realizar uma reforma para que juízes, ministros e magistrados sejam eleitos pelo voto popular.

Seus embates também se materializaram em desqualificações da conferência matutina, na redução do orçamento do judiciário e na aprovação de uma iniciativa que elimina 13 dos 14 fideicomissos desse poder, seis dos quais afetam diretamente os trabalhadores e não os altos escalões, como sustenta o poder executivo.

Na América Central, três países também protagonizaram ataques a juízes. Em 2021, a Assembleia Nacional de El Salvador destituiu 5 magistraturas da Câmara Constitucional e nomeou novos perfis próximos a Nayib Bukele. O objetivo era que os juízes aprovassem a reeleição presidencial, o que é proibido pela Carta Magna.

A Câmara determinou que a reeleição é um direito humano e um mecanismo para premiar bons governos. A única restrição imposta foi o fato de ele ter de renunciar seis meses antes de poder concorrer novamente. No próximo ano, Bukele estará em campanha para a reeleição.

Em fevereiro de 2023, a Assembleia Nacional de Honduras não reuniu os votos necessários para nomear 15 juízes da Suprema Corte, um evento que provocou desqualificações entre o partido governista e a oposição. Após chegar a acordos, os juízes puderam ser nomeados, mas isso não evitou que o partido governista desqualificasse alguns perfis.

A Suprema Corte de Justiça da Guatemala também está sob o cerco do governo: há 13 nomeações pendentes desde 2019. O processo foi interrompido porque um promotor realizou uma investigação contra Gustavo Alejos, que foi acusado de fazer acordos ilícitos para nomear juízes. Com essas nomeações, seriam escolhidos perfis parciais que responderiam a um acordo político e não à justiça ou à imparcialidade.

Mais ao sul, na Argentina, o peronismo iniciou uma série de ataques contra 4 juízes da Corte Suprema de Justiça da Nação. O presidente Alberto Fernández os acusou de serem parciais e de servirem à oposição, depois ordenar através de uma sentença que mais orçamento deveria ser dado à cidade de Buenos Aires. O partido governista na Câmara dos Deputados iniciou um juízo político contra os juízes, que só foi bem-sucedido nas comissões, pois não contou com a maioria qualificada para se concretizar. 

Por fim, a Bolívia é o único país que elege mediante voto popular os membros do Tribunal Supremo de Justiça. O método é questionado pela política e a academia, já que os juízes têm o apoio das urnas, mas isso não significa que garantam a independência judicial ou julguem com imparcialidade. Sobretudo em um país que tem sido governado desde 2006 por um único partido.

As eleições judiciais estavam previstas para dezembro de 2023. No entanto, as disputas entre o presidente Luis Arce, o ex-presidente Evo Morales e o partido Movimiento Al Socialismo fizeram com que a convocação e os registros não saíssem a tempo. Considero que teria sido um bom estudo de caso para acompanhar o processo e analisar os perfis que poderiam ter sido eleitos e, assim, sustentar a parcialidade dos juízes.

A exposição desses casos é uma mostra de que o judiciário está ameaçado pelo autoritarismo e populismo de alguns líderes. Esses não são fatos isolados, mas respondem a um fenômeno regional que deve ser analisado de forma conjunta. Para concluir este texto, gostaria de convidar os leitores a refletir sobre duas citações.

O juiz de circuito Learned Hand disse certa vez: “Nas sociedades em que se perde a moderação, nenhum tribunal pode ser salvo; nas sociedades em que a civilidade persiste, nenhum tribunal precisa ser salvo”.

A segunda pertence à juíza da Suprema Corte do México, Norma Lucía Piña, que disse: “Um tribunal é virtuoso na medida em que exerce sua independência quando é ameaçado. A missão dos tribunais constitucionais não é agradar às maiorias políticas no poder, mas fazer cumprir a Constituição”.

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Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.

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