O contexto: uma tendência contundente e irreversível
Em 28 de julho, viveram-se momentos de tensão em Caracas enquanto se aguardavam os resultados oficiais das eleições presidenciais para o mandato 2025-2031. No final da tarde, o Conselho Nacional Eleitoral anuncia que, com 80% das apurações transmitidas, há uma “tendência retumbante e irreversível” que dá a vitória a Nicolás Maduro, com 51,2% dos votos. O candidato mais votado da oposição, Edmundo González, obteve 44,2%. A gama de reações internacionais não se fez esperar: desde a aceitação e o apoio, passando por pedidos de transparência, imparcialidade e garantias nos resultados, bem como a busca de acordos que permitam uma solução política, até o questionamento dos resultados apresentados pelo Poder Eleitoral e o apoio expresso ao referido candidato da oposição.
No dia seguinte, o Uruguai, a Argentina, a Costa Rica, o Equador, a Guatemala, o Panamá, o Paraguai, o Peru e a República Dominicana emitiram um comunicado contundente: eles exigiram “uma revisão completa dos resultados com a presença de observadores eleitorais independentes para garantir o respeito à vontade do povo venezuelano que participou de forma massiva e pacífica”. Além disso, pedem uma reunião urgente do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos para discutir a questão. Na região, essas declarações foram acompanhadas pelas do presidente do Chile, Gabriel Boric, que afirma que seu país não reconhecerá “nenhum resultado que não seja verificável“
A partir desse momento, o cenário muda drasticamente em termos diplomáticos: o governo de Nicolás Maduro rejeita as “ações e declarações interferentes” e determina a retirada imediata do pessoal diplomático da Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai do território venezuelano. O que isso significa? Como essa questão é regulamentada internacionalmente? Como continua o vínculo entre os Estados envolvidos.
Relações diplomáticas
As relações diplomáticas entre os Estados são regulamentadas pela Convenção de Viena de 1961, um tratado que regulamenta as relações diplomáticas e a imunidade do pessoal diplomático, bem como a inviolabilidade dos locais da missão. Todos os 193 membros das Nações Unidas e seus observadores permanentes são partes da convenção. Em países como Palau ou Sudão do Sul, que não são signatários, suas disposições se aplicam como parte do costume internacional. Em 1963, esse tratado foi complementado pela Convenção sobre Relações Consulares, que regulamenta a proteção dos interesses do Estado que envia e de seus nacionais, a promoção de relações comerciais e culturais, a emissão de passaportes e documentos de viagem e a assistência aos nacionais, entre outras coisas.
Agora, voltando à situação na Venezuela e à notificação de retirada de funcionários diplomáticos, é importante ressaltar que, de acordo com o artigo 9 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, o Estado receptor “pode, a qualquer momento e sem ter que declarar as razões de sua decisão, comunicar ao Estado acreditante que o chefe ou outro membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata, ou que qualquer outro membro do pessoal da missão não é aceitável”. A urgência e a polêmica ocasião em que a decisão é comunicada é, sem dúvida, uma fonte de questionamento. De fato, ela foi descrita como “injustificada e desproporcional” pelo Uruguai e como uma demonstração de “profunda intolerância à divergência, essencial em uma democracia” pelo Chile.
Isso significa que as relações diplomáticas foram rompidas? O comunicado da Venezuela não contém uma declaração expressa nesse sentido, embora os funcionários diplomáticos venezuelanos também tenham sido retirados da Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai. Juridicamente, os laços são mantidos e a interrupção é temporária. Então, como continuam as relações entre as partes, especialmente em matéria diplomática e consular? Quem protegerá em território venezuelano os interesses dos nacionais dos estados mencionados ou os atenderá caso precisem de um passaporte, por exemplo?
A situação na Argentina é um exemplo ilustrativo. Em 1º de agosto, o Ministério das Relações Exteriores anunciou que o Brasil será responsável pela “custódia das instalações da missão argentina em Caracas, incluindo a Embaixada e a Residência Oficial, seus bens e arquivos, bem como a proteção de seus interesses e os dos cidadãos argentinos em território venezuelano”, de acordo com o artigo 45 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e os artigos 8 e 27 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares.
O Brasil também será responsável pela proteção dos solicitantes de asilo, um aspecto de particular relevância no contexto atual. Desde 20 de março, na Embaixada da Argentina em Caracas, seis membros da campanha dos opositores María Corina Machado e Edmundo González encontram-se asilados. No dia 29 de julho, um deles chegou a denunciar na rede social X que membros da Diretoria de Ações Estratégicas e Táticas estavam tentando ingressar à força nas dependências da missão, complementando com uma transmissão ao vivo no Instagram para documentar os momentos de tensão.
Embora até o momento não tenha havido nenhuma declaração do governo argentino, deve-se observar que a Convenção sobre Relações Diplomáticas também é aplicável, pois o artigo 22 afirma que os locais da missão são invioláveis, e os agentes do Estado receptor só podem entrar com a autorização do Chefe da Missão. Da mesma forma, o Estado receptor tem a obrigação de proteger os locais das missões diplomáticas acreditadas.
O futuro incerto
Uma semana depois das eleições, os questionamentos e as reações políticas continuam e os diplomatas retirados retornam aos seus países – no caso da Argentina, com dificuldades devido ao fechamento do espaço aéreo venezuelano para aeronaves com registro do país. No entanto, as dúvidas sobre como serão resolvidas as relações diplomáticas interrompidas aumentam. Quase dois milhões e meio de migrantes venezuelanos vivem na Argentina, no Chile, na Costa Rica, no Peru, no Panamá, na República Dominicana e no Uruguai, de acordo com dados da Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela. Para os venezuelanos exilados, a incerteza sobre o destino de seu país e o deles próprios é crescente.
Autor
Professora e pesquisador da Univ. de Monterrey (México). Profesora de Direito Internacional Público e Rel. Internacionales (em exercício de licença) da Univ. de la República (Uruguai). Doutora em Rel. Internacionais pela Univ. Nacional de La Plata (Argentina).
Advogado e doutorando especializado em Direito Internacional. Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos na Pontifícia Universidade Católica da Argentina. Concluiu estudos de pós-graduação em Direito Internacional na NYU, UCA e na Academia de Direito Internacional de Haia.