Desde a imposição das primeiras sanções em 2017, a estrutura dominante do regime chavista na Venezuela soube ler o contexto internacional desfavorável e resolveu utilizar os recursos que tinha a seu favor: se entrincheirar ao poder internamente, procurar ajuda de aliados internacionais também engajados em derrubar a liderança norte-americana no mundo e aguardar por melhores condições no futuro.
As condições hoje parecem melhores. Nos últimos anos, o regime chavista avançou na consolidação do autoritarismo e hoje se vê fortalecido frente a uma oposição dividida e exausta. Em termos econômicos, a liberalização desordenada, impulsionada pelo governo, de fato deu alguns resultados mesmo com a Venezuela no fosso e níveis de pobreza e desigualdade recordes. No final de 2021, a economia venezuelana voltou a crescer após sete anos de redução do PIB em mais de 80%, e, no início de 2022, o país deu sinais de ter saído da hiperinflação.
No plano externo, desde 2021, Maduro vem trabalhando para melhorar sua imagem de ditador e tentando recuperar o reconhecimento perdido desde a questionada eleição presidencial de 2018. Também em 2021, a posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos veio com novas prioridades de política exterior, como a estrepitosa saída do Afeganistão, as consequências da diplomacia de Trump, as tensões políticas em distintas partes do mundo – Irã, Coreia no Norte, Cuba e Venezuela -, e a reformulação da estratégia para conter o avanço chinês na disputa pela liderança global.
Em nível regional, a virada do pêndulo ideológico nos governos da região, durante os últimos anos veio acompanhada de posições de distanciamento com os Estados Unidos e suas políticas para o hemisfério, e de maior tolerância com os autoritarismos de esquerda na Venezuela, Nicarágua e Cuba.
A invasão russa à Ucrânia como divisor de águas
A invasão russa à Ucrânia demandou atenção e prioridade na agenda dos Estados Unidos e da Europa. Contrário a muitos prognósticos, os aliados reagiram à invasão russa com a imposição de um regime de sanções, que inclui, entre outras medidas, o fim das importações de petróleo e gás natural da Rússia.
As medidas ocorrem em meio a uma lenta recuperação da oferta de petróleo e gás natural, decorrente do impacto econômico da pandemia. Nesse sentido, as sanções pressionaram a cotação dos preços internacionais e regionais desses recursos ainda mais, gerando impactos econômicos em escala global e sérios desafios para a segurança energética da Europa.
Visando conter o impacto das sanções, em março passado, os Estados Unidos e outros países membros da Agência Internacional da Energia acordaram a liberação de parte de suas reservas estratégicas. Contudo, essa decisão não é uma solução sustentável no tempo e corre o risco de não impactar na cotação do preço do barril como desejado.
Nesse contexto, a Venezuela voltou a aparecer no tabuleiro geopolítico como uma opção para contribuir na substituição de uma parte das exportações russas de petróleo. A ideia coloca Biden em uma disjuntiva.
Do ponto de vista estratégico, Putin é um adversário muito mais perigoso do que Maduro. Sob esta lógica, o levantamento das sanções ao país sul-americano permitiria ajudar a reduzir a pressão interna decorrente, em parte, do aumento dos preços do combustível, e a pressão externa dos aliados europeus preocupados com a segurança no abastecimento de hidrocarbonetos. No entanto, o levantamento das sanções resultou problemático para a administração democrata com as eleições legislativas se aproximando, principalmente, no estado pêndulo da Flórida.
Analisando as decisões recentes, o governo Biden parece ter optado por reduzir as expectativas referente a grandes mudanças políticas na Venezuela e tomar a iniciativa de lançar a cenoura. A proposta, ainda simbólica, de levantar as sanções contra um sobrinho de Nicolás Maduro e permitir à Chevron negociar os termos de possíveis atividades futuras na Venezuela, busca persuadir o regime de que é possível chegar a acordos com Maduro e seus colaboradores, sempre que haja concessões para permitir uma reinstitucionalização do país e uma transição ordenada para a democracia. Em troca, o levantamento progressivo das sanções permitiria melhorar as condições econômicas de uma Venezuela em ruínas, principalmente, a partir da entrada de empresas operadoras estrangeiras para propiciar uma recuperação da indústria petrolífera.
A iniciativa também busca reverter a influência russa na Venezuela, e, inclusive, teria o potencial de gerar atrito entre Maduro e Putin. Desde a entrada em vigor das sanções, a Rússia começou a competir com a Venezuela por fatias no mercado chinês, vendendo petróleo com mais desconto do que o país sul-americano. As medidas coercitivas também dificultam a capacidade do regime chavista para movimentar os fundos depositados nos bancos russos sancionados.
Questões em aberto sobre a nova aproximação
Apesar da política de máxima pressão não ter sido suficiente para produzir uma transição política para a democracia na Venezuela, as sanções continuam sendo uma das poucas coisas que incentivam o chavismo a conversar. No entanto, essas medidas parecem insuficientes para conseguir uma mudança de comportamento de um regime que continua avançando no aprofundamento de seu projeto autoritário, mesmo após o inesperado recebimento dos funcionários da Casa Branca em Caracas em março passado.
O chavismo tampouco oculta seu desinteresse nas negociações com a oposição. Ao saber da possibilidade do levantamento das sanções, foi anunciada a retomada das conversas para reativar as negociações no México. De forma quase imediata aos anúncios, Jorge Rodríguez reafirmou a exigência de liberar Alex Saab para conformar a delegação chavista. Somado ao anterior, há poucos dias, Maduro manifestou rejeição em retomar as negociações tendo a Noruega como país facilitador, em um claro gesto para a Rússia, que se soma à recente designação do ex-embaixador da Venezuela no país eurasiano como Ministro das Relações Exteriores.
Em caso de serem retomadas, as conversas do México também partem com novas dificuldades para trabalhar em pontos do memorando definido no ano passado, tais como, a restauração do Estado de direito, uma vez que o parlamento eleito em 2020 já renovou os magistrados do TSJ com pessoas da confiança de Maduro. Outras ações que vão em sentido contrário ao “espírito do México” é um projeto de lei que o Parlamento está discutindo para controlar os fundos recebidos pelas ONGs desde o exterior, com o claro objetivo de estrangulá-las financeiramente e fechar ainda mais o espaço cívico no país.
No médio prazo, a experiência recente das eleições para governadores gera sérias dúvidas sobre a possibilidade de que em 2024 o chavismo permita condições de integridade suficientes para realizar uma eleição presidencial competitiva que seja capaz de ameaçar o controle que Maduro exerce sobre o poder executivo, e, com isso, a unidade da constelação de atores-chave ao redor dele.
Por último, importa indagar a sustentabilidade da estratégia com visão de médio e longo prazo que se busca com esta iniciativa do governo Biden. A polarização política interna e o contexto econômico atual nos Estados Unidos abrem a possibilidade de que um republicano possa chegar à Casa Branca em 2024, acompanhado de novas diretrizes de política exterior para a Venezuela.
Autor
Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorando no Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (PRH / ANP).