Até agora, El Salvador tem sido conhecido no exterior principalmente pela guerra civil e pelas gangues brutais. Durante os últimos anos, não exportou muito mais do que migrantes. Mas agora está em andamento um experimento político que poderia dar ao país um “poder brando” a nível internacional que nunca teve antes.
O experimento foi iniciado pelo presidente Nayib Bukele utilizando o que se denomina “bukelismo”. Embora seja conhecido como um -ismo, não é uma ideologia política, mas sim um método político. Tornou-se muito popular em seu país e políticos de outros países estão tentando copiá-lo. Na verdade, este método pode se tornar mais importante para compreender a política latino-americana do que o tradicional eixo direita-esquerda. E talvez, também possa gerar influência fora da América Latina.
O método é simples e, ao mesmo tempo, tecnicamente avançado. Não se trata de visões de desenvolvimento social com objetivos, princípios e planos. O princípio orientador é reter e fortalecer o poder do presidente Nayib Bukele e seu círculo íntimo, assegurando, em todo momento, que sua popularidade se manterá em alta.
O bukelismo incorpora estratégias de populistas autoritários latino-americanos, de Hugo Chávez a Jair Bolsonaro, e tem traços de Donald Trump, Vladimir Putin, Xi Jinping e Rodrigo Duterte. Ao mesmo tempo, o bukelismo desenvolveu estratégias de comunicação muito mais sofisticadas e levou a política mais longe no mundo da mídia virtual do que qualquer outro. Lá, a tropa de “Nayibeliebers” (inspirada nos “beliebers” de Justin Bieber) é alimentada com mensagens finamente polidas que descrevem um Bukele genial, juvenil, moderno, bem-humorado e relaxado, que atrai uma população jovem, muitos dos quais têm um pé nos Estados Unidos e outro em El Salvador.
Desde a guerra civil, a média anual de assassinatos em El Salvador tem sido de cerca de 4.000. Mas no ano passado, foram registrados 496 assassinatos e a tendência continua caindo. Os casos de extorsão reduziram em 70-90% (dependendo da zona) e as pessoas voltaram a sair nas ruas, crianças e jovens jogam futebol, os pequenos negócios ressurgiram e o centro da cidade ganhou vida. Os salvadorenhos agradecem a Bukele por sua nova paz e liberdade.
Como ele conseguiu isso? O método pode ser descrito em quatro pontos que vão muito além do combate ao crime.
Em primeiro lugar, centralizou o poder. Bukele tomou o controle, tanto da Assembleia Nacional quanto do poder judiciário, rompendo as regras e assegurando um maior apoio nas eleições parciais. Nem ministros nem prefeitos do partido Novas Ideias de Bukele podem ter diálogo direto com empresários ou outros atores políticos. Tudo passa por Bukele e seus três irmãos. Ignora-se os orçamentos e aprova-se, cada vez mais, leis que outorgam ao presidente o controle direto sobre os gastos, e ignora-se as convenções internacionais e os direitos humanos. Desta maneira, o presidente assegurou uma liberdade de ação quase completa.
Em segundo lugar, monopolizou-se o poder. Qualquer um que desafie o poder de Bukele corre o risco de ser objeto de campanhas de difamação conduzidas por um exército de assessores de comunicação e trolls. E em vez de contratar funcionários de El Salvador, contratou “mercenários políticos” venezuelanos. Em 2024, Bukele buscará a reeleição, embora seja proibida pela Constituição e mais de 90% dos salvadorenhos dizem que votarão nele.
Em terceiro lugar, qualquer organização social pode ser atacada. As ONGs são frequentemente denominadas pelo governo como “fachadas para a intervenção estrangeira”. Estas medidas não são novas, mas o que torna o bukelismo especial é o quarto elemento: a gestão baseada no monitoramento da opinião.
O bukelismo governa pela popularidade através do monitoramento constante das opiniões dos salvadorenhos, tanto dos que vivem em El Salvador como dos que vivem nos Estados Unidos e que têm o direito ao voto. A estratégia de comunicação se ajusta continuamente em função das tendências nas redes sociais e pesquisas de opinião. Assegurar o apoio e melhorar a imagem de El Salvador no exterior são os objetivos centrais.
A introdução do Bitcoin por Bukele como meio de pagamento obrigatório em 2021 deve ser entendida como parte desta construção de imagem. O Bitcoin tem duas funções centrais para o bukelismo. Primeiro, deu a El Salvador uma nova imagem entre os entusiastas da criptomoeda e da tecnologia, o que pôs o país no mapa e o turismo começou a se recuperar após anos de declínio. Segundo, o Bitcoin dá ao próprio Bukele, ao governo e aos atores criminais uma forma de movimentar dinheiro fora do controle institucional. Bitcoin se tornou o mecanismo favorito para lavagem de dinheiro, mas também é usado para migrantes enviarem dinheiro dos EUA para casa, embora não se aplique às empresas locais. Assim, o Bitcoin, embora não funcione realmente como meio de pagamento, também não cria razão para que as pessoas se oponham a tal.
Com uma popularidade crescente e o controle sobre todas as instituições, Bukele conseguiu lançar uma grande ofensiva contra as gangues no ano passado. Isto ocorreu depois que 87 pessoas foram mortas em um fim de semana de março, rompendo o que provavelmente foi um pacto com Bukele. A partir de então, foi imposto um estado de emergência.
Sem limites ao poder da polícia e do exército, começou uma campanha de prisões em massa que o mundo mal viu. Desde março de 2023, deteve 64.700 pessoas e o número de reclusos nos cárceres aumentou para quase 100.000. El Salvador tem agora o maior número de presos por 100.000 habitantes do mundo e, recentemente, Bukele inaugurou a nova prisão gigante do país, com capacidade para 40.000.
O lado obscuro é que muitas pessoas inocentes foram presas. Tornou-se uma prática comum nos bairros pobres que os homens, particularmente os jovens, sejam presos apesar de não estarem filiados a gangues. E embora Bukele tenha perdoado até agora 3.745 condenados inocentes, o número de presos sem direitos ou oportunidades de se comunicar com suas famílias é muito maior.
No momento, a maioria dos salvadorenhos aceita o argumento de que os encarceramentos irregulares são um “dano colateral”. Mas alguns se perguntam por quanto tempo poderão manter encarcerada 2% da população. A economia vai mal e a pobreza está aumentando. Mesmo assim, a popularidade do Bukele parece seguir aumentando. Seu partido, Nuevas Ideas, já estabeleceu escritórios em Guatemala e Honduras e na região estão aparecendo políticos interessados em sua estratégia. A pergunta é se a estratégia pode ser reproduzida.
El Salvador tem algumas condições particulares que permitiram que fosse controlado tão rápido pelo bukelismo. É um país pequeno que estava ameaçado por gangues hierárquicas que se podia negociar e cujos membros poderiam ser identificados com relativa facilidade devido às tatuagens e roupas. As remessas dos EUA, que representam cerca de 25% da economia e dão ar aos mais pobres, reduzem os impactos dos acontecimentos, diferente do que ocorre em outros países.
Mas o fator mais importante para que El Salvador se tornasse um país de “Nayibeliebers” era um povo inseguro e esgotado que havia perdido a fé nos políticos e nas instituições, e que fazia uso extensivo das redes sociais. Infelizmente, El Salvador tem muito em comum com muitos outros países, portanto o “bukelismo” pode rapidamente se tornar um artigo de exportação que devemos nos atentar.
Autor
Cientista política. Professora no Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo. Presidenta do conselho diretivo do Instituto Nórdico de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Estocolmo. Especializada em elites e economia política.