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Mais um ano de democracia fatigada

O panorama eleitoral em 2023 é um fraco indicador para medir o pulso político da América Latina, se levarmos em conta que somente quatro países da região realizaram eleições presidenciais: Paraguai, Guatemala, Equador e Argentina. Embora a geografia permita concebê-los como uma amostra representativa, parece evidente que, por sua demografia e pelo peso de suas economias, não podem fornecer indicadores generalizáveis ao restante do continente.

Os resultados eleitorais foram vitórias de candidatos com margens claras de êxito frente aos segundos. Salvo no Paraguai, as relações entre o Executivo e o Legislativo sugerem um panorama muito complicado de confronto e pouca colaboração, e os governos serão liderados por presidentes (todos homens) com reduzida experiência política e partidos pequenos com escassa trajetória. Por outro lado, a alternância da oposição ocorreu em três dos quatro países (a exceção também é o Paraguai), algo já habitual no caso da Guatemala, como sempre ocorreu nos últimos quarenta anos; por último, a orientação ideológica dos ganhadores é dispersa, pois abrange grande parte do espectro programático.

Em relação ao desenvolvimento dessas eleições, cabe registrar três notas compartilhadas nos quatro casos: a manutenção de padrões tradicionais de participação eleitoral, a desorientação dos pesquisadores na hora de fazer suas previsões e o ativismo nas redes sociais. Por outro lado, o Equador registrou a maior presença de violência no processo, com assassinatos de candidatos, e Guatemala, onde a reviravolta política foi maior pelo triunfo de uma opção política, o Movimiento Semilla, que defende postulados contrários à tradição conservadora e oligárquica das últimas décadas, contempla como o processo foi judicializado enquanto o candidato vencedor, Bernardo Arévalo, ainda precisa assumir a presidência em janeiro.

Em termos regionais, aumentou a tendência à fragmentação, tornando ainda mais difícil a existência de uma só voz com a qual os países latino-americanos possam ter um diálogo internacional. O Grupo de Puebla, que inclui os chamados governos progressistas, perdeu a Argentina como um parceiro valioso. A tendência gradual em direção à China em termos de investimento e comércio exterior também pode ser desacelerada pela possível posição contrária adotada pelo novo governo argentino. 

No entanto, os acontecimentos em conjunto com outros processos eleitorais – notadamente no âmbito municipal colombiano e com relação ao plebiscito constitucional chileno –, com os precedentes de 2002 e as projeções para o ciclo eleitoral de 2024, nos permitem reconsiderar quatro assuntos que definem um perfil de comportamento político que parece se consolidar.

Em primeiro lugar, a presença de líderes com uma bagagem extremamente diversa, mas dotados do impulso institucional que lhes brinda o presidencialismo, tem como urgência de primeira magnitude a construção e a consolidação de uma base social que permita a sustentabilidade do projeto político em curso. Isso ocorre em um cenário de sociedades líquidas em que a articulação de um propósito coletivo é muito complexa. Os 55,7% do eleitorado argentino que apoiaram Javier Milei são um contingente desprovido de qualquer identidade comum, como é o caso da maioria dos países latino-americanos. No entanto, sua simpatia pela causa pela qual votaram requer continuidade para que não entrar de imediato no canal da desilusão que contribui tão rapidamente ao descontentamento político, acelerando uma democracia fatigada. O fenômeno mexicano por trás de Andrés Manuel López Obrador é um caso excepcional.

Em segundo lugar, a já mencionada bagagem com a qual os presidentes latino-americanos e a presidente hondurenha Xiomara Castro se movem é cada vez mais alimentada por figuras marcadas por um profundo individualismo e, em sua maioria, alheias a qualquer tradição partidária. Ademais, seu desconhecimento da política prática é comum. Sem experiência prévia, são catapultados em seu ofício por assessores profissionais que não só dominam a arte de escrever discursos e orientar as principais estratégias comunicacionais da campanha eleitoral, mas também são mestres no uso de mecanismos de inteligência artificial e no manejo de redes sociais, que é o principal meio de construir uma carreira política. Um processo criado com pés de barro que exige a satisfação do ponto anterior para seu êxito em sua continuidade.

Em terceiro lugar, a chamada frente ideológica ou, se preferir, programática, está embaçada porque os velhos padrões articulados no eixo esquerda-direita foram desfigurados. Se a localização da política latino-americana nesse eixo sempre foi complicada, hoje é ainda mais. Diferentes questões contribuem para seu imbróglio: o florescimento de múltiplas identidades que se sobrepõem e o confuso panorama internacional com uma lógica avassaladora de relações amigo-inimigo articuladas em diferentes frentes configuram um mapa no qual é muito difícil se situar e no qual, consequentemente, a confusão toma conta dos atores.

Isso não significa, entretanto, que a polarização não esteja presente, mas seu contorno é criado por uma combinação de três fatores que são insuportavelmente recorrentes: o jogo de soma zero imposto pelo presidencialismo em torno da personalização das eleições, em que as candidaturas individuais são o fator preponderante; a articulação das campanhas eleitorais por consultores profissionais que exacerbam os aspectos emocionais diferenciais mais relevantes para torná-los no eixo central da política; e a existência de sociedades mais desarticuladas, desconfiadas e alienadas diante de uma política que mostra seu lado sombrio de corrupção e sua incapacidade de abordar os problemas mais urgentes e imediatos das pessoas.

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Diretor do CIEPS – Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais, AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros (2020): “O gabinete do político” (Tecnos Madrid) e em coedição “Dilemas da representação democrática” (Tirant lo Blanch, Colômbia).

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