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Que mudanças precisam ser feitas na Constituição da Venezuela?

A pergunta sobre por que mudar uma Constituição que foi construída pelo mesmo sistema político que prevalece hoje é fácil de responder: a lei e a democracia são incômodas para quem está no poder.

Diante da proposta de reforma constitucional na Venezuela promovida pelo presidente do país, Nicolás Maduro, e liderada pelo procurador-geral, Tarek William Saab, a opinião pública identificada com a oposição expressou a necessidade de organizar uma frente unida em defesa da Constituição Nacional, promulgada sob a presidência de Hugo Chávez em 1999 e da qual, ironicamente considerando o contexto atual, tanto Maduro quanto William Saab foram constituintes.

A pergunta sobre por que mudar uma Constituição que foi construída pelo mesmo sistema político que prevalece hoje é fácil de responder. A lei e a democracia são incômodas para quem está no poder. O “modelo de Estado burguês”, afirma o partido no poder, deve ser “superado”. 

Infelizmente, esse comportamento não é novo na tradição republicana da Venezuela. Durante sua existência, desde 1811, esse país teve 25 Constituições, muitas delas apenas para garantir a permanência no poder do caudilho do momento. 

No entanto, considerando as mudanças geopolíticas e tecnológicas pelas quais o sistema global está passando, é pertinente oferecer uma discussão mais aprofundada, mas sem querer entrar na narrativa do governo. É necessário perguntar quais são as mudanças necessárias na Constituição venezuelana para o retorno à democracia plena no país e que, por sua vez, também podem responder aos desafios atuais exigidos pela sociedade como um todo.

Sob essa premissa a seguir, são mencionados pelo menos seis elementos relevantes para o debate constitucional:

  • Sobre a proteção dos direitos humanos e as novas dimensões digitais

No que diz respeito ao conteúdo dos direitos humanos, a Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV) tem uma série de artigos que devem permanecer os mesmos para garantir a proteção da dignidade humana diante de qualquer possível ação do Estado e daqueles que possam estar lidando com intuições em um determinado momento. Entretanto, há certos aspectos que merecem ser modificados para incluir a dimensão digital. 

Esse pode ser o caso do Artigo 28 da CRBV, que estabelece: “Toda pessoa tem direito de acesso às informações e aos dados a seu respeito ou sobre seus bens, contidos em registros oficiais…”. Dado o contexto digital e o uso de dados por terceiros (muitas vezes sem consentimento prévio), é necessário atualizar esse artigo para incluir os dados usados digitalmente, a fim de garantir sua proteção e até mesmo estabelecer o direito ao esquecimento, como existe na legislação europeia. 

Por outro lado, o artigo 29 da CRBV estabelece: “O Estado é obrigado a investigar e sancionar legalmente os delitos contra os direitos humanos cometidos por suas autoridades… As violações dos direitos humanos e os delitos de lesa humanidade serão investigados e julgados pelos tribunais ordinários”. Embora esse aspecto não deva ter modificações regressivas, ele merece uma modificação que incorpore mecanismos de justiça transicional, pois, em um possível cenário de transição democrática, é muito provável que sejam necessários tribunais extraordinários ou até mesmo tribunais com jurisdição internacional para garantir o devido processo de justiça e reparação para as milhares de vítimas de direitos humanos dos últimos anos na Venezuela.

  • Sobre a nacionalidade e a cidadania 

Essa dimensão é um dos pontos nevrálgicos do conceito de nação e coesão social. No entanto, após uma complexa crise humanitária e uma crise migratória na América Latina, sendo a Venezuela um dos países de origem dos fluxos migratórios, é necessário examinar o conceito em maior profundidade a partir de um ponto de vista mais flexível.

Por exemplo, o artigo 41 da CRBV estabelece que somente venezuelanos e venezuelanas de nascimento e sem outra nacionalidade podem exercer cargos de alto nível. No entanto, considerando a migração da população venezuelana nos últimos anos, muitos venezuelanos terão duas ou mais nacionalidades no futuro, portanto, é necessário eliminar esse aspecto em nível constitucional para incluir todos os venezuelanos de nascimento para ocupar cargos políticos sem restrições.

Nessa mesma linha, considerando a composição das famílias binacionais resultantes da migração venezuelana, também seria necessário refletir sobre uma modificação do artigo 33, que estabelece a forma de acesso à nacionalidade por naturalização. Nesse sentido, a espera de cinco anos para os estrangeiros casados com venezuelanos deveria ser reduzida e proporcionar-lhes acesso imediato, se solicitado. O mesmo se aplica à limitação do acesso à nacionalidade, após pelo menos 5 anos de residência, apenas para habitantes de determinados países (Espanha, Portugal, Itália, países da América Latina e do Caribe). Essa preferência deve ser eliminada e ter um critério mais geral para incluir famílias binacionais, além dos países mencionados, que desejem permanecer na Venezuela.

  • Sobre os direitos políticos 

Os direitos políticos são a dimensão com as maiores violações por parte do Estado venezuelano. Nesse sentido, esse aspecto merece uma reflexão profunda para que sejam feitas as modificações necessárias para evitar abusos por parte de certas instituições, especialmente nos casos em que elas são administradas por figuras autoritárias.

Entretanto, outros aspectos relevantes podem ser mencionados para discussão. Por exemplo, o Artigo 62 estabelece que: “Todos os cidadãos têm o direito de participar livremente dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de seus representantes eleitos”. Considerando a realidade migratória, alguma modificação deve ser estabelecida para garantir que esse direito de participação possa ser exercido além do fato de não estarem residindo no território nacional.

Da mesma forma, o artigo 63, que estabelece que o sufrágio é um direito, também deve ser considerado para que esse direito seja assegurado a todos os venezuelanos que residem fora do território nacional.

  • Sobre o reconhecimento de outros grupos étnicos (afrodescendentes)

A CRBV foi uma das primeiras Cartas Magnas desta última geração na região a reconhecer a existência e o acesso aos direitos de grupos tradicionalmente excluídos, como os povos indígenas. Entretanto, há uma dívida pendente com relação ao reconhecimento de outros grupos étnicos. 

Um desses grupos são as comunidades afrodescendentes. Seguindo o exemplo da Colômbia, um país vizinho cuja composição social e história são muito semelhantes às da Venezuela, deve ser criada uma seção para as comunidades afrodescendentes que reconheça sua existência e sua necessidade de justiça e reparação, bem como seu acesso à participação política em órgãos legislativos.

  • Sobre a composição da Assembleia Nacional e a representação da diáspora

Na Venezuela, o Poder Legislativo é representado pela Assembleia Nacional, cuja composição é unicameral. Considerando a experiência dos últimos 26 anos com a CRBV, um debate aprofundado deve ser realizado para determinar se o sistema unicameral ainda é adequado para a organização política nacional ou se é necessário retornar ao bicameralismo, como foi nos últimos 40 anos, antes da chegada do chavismo. 

Por outro lado, no artigo 186, que estabelece a composição proporcional da Assembleia Nacional, pelo menos duas modificações devem ser consideradas. A primeira é que esse princípio de proporcionalidade deve representar também a diáspora venezuelana, espalhada em vários países. Em outras palavras, a Constituição deve garantir que os migrantes venezuelanos tenham representação no nível legislativo, assim como ocorre em outros países, como o Equador ou a República Dominicana.

Um segundo aspecto, intimamente vinculado ao ponto anterior, é a representação de grupos étnicos. Nesse sentido, o artigo 186 estabelece que os povos indígenas terão três representantes na Assembleia Nacional, e esse mesmo princípio de inclusão deve ser aplicado às comunidades afrodescendentes com base em algum critério de proporcionalidade e correspondência geográfica.

  • Sobre os contrapesos institucionais

Além dos poderes Executivo e Legislativo, a Constituição venezuelana prevê a existência de uma Suprema Corte de Justiça, um Conselho Nacional Eleitoral, uma Procuradoria Geral, uma Controladoria Geral, uma Procuradoria Geral e uma Ouvidoria. Entretanto, considerando a realidade do atual regime venezuelano e a história dos últimos anos, esses contrapesos institucionais são insuficientes.

As instituições criadas pelo Estado de um país são determinadas por uma dinâmica política particular, bem como por uma matriz cultural específica. No atual debate constitucional, a criação de outras instituições deve ser considerada, tomando o exemplo de outros países. Por exemplo, no Chile existe o Conselho de Transparência, cujo trabalho é fundamental para garantir o direito de acesso à informação para os cidadãos. Também no Chile existe o Consejo de Defensa del Estado (CDE), um órgão autônomo encarregado de representar e defender os interesses do Estado em questões judiciais e extrajudiciais. Essa instituição poderia ser útil, considerando as disputas territoriais, os níveis de endividamento e os processos judiciais que o Estado venezuelano mantém.

Redefinindo a agenda

Embora essas propostas sejam formuladas com o objetivo de gerar um debate em nível de conteúdo, não é intenção desta reflexão negar a realidade. A maioria da população venezuelana não está preocupada com a reforma constitucional; há uma série de necessidades econômicas a serem atendidas, bem como questões políticas que ainda não foram resolvidas.

Os resultados das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024 ainda definem a agenda política do país. Além disso, a recente crise gerada pela deportação de venezuelanos dos Estados Unidos provocou indignação nacional transversal.  Por outro lado, também há o debate sobre a participação da oposição nas próximas eleições de 25 de maio, enquanto ainda há mais de 1.000 presos políticos, de acordo com a ONG Foro Penal.

Diante dessa realidade, é preciso fazer esforços para ser eficiente no uso dos recursos políticos. Um debate em nível constitucional pode incluir muitas das questões pendentes e mais importantes exigidas pela sociedade venezuelana. Entretanto, se a agenda continuar a ser definida apenas pelo partido governista, será uma oportunidade perdida que apenas consolidará um regime cada vez mais autoritário. É importante que aqueles que acreditam na democracia definam a agenda novamente.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.

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