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A crise política no Equador e seus líderes

A eliminação do subsídio à gasolina e ao diesel é a primeira decisão econômica de grande importância tomada pelo governo de Lenín Moreno no Equador. A crise econômica que o país vive exigia essa medida, e ainda outras, já há bastante tempo, e agora elas estão em vigor. Mesmo assim, como toda a decisão que afeta o bolso dos cidadãos, isso gera conflito, e é dessa forma que o governo precisa compreender a situação. Infelizmente, a impressão é que no Palácio do Carondolet não existia um plano de contingência para enfrentar a resistência de diferente setores sociais. Outra impressão é a de que a notícia sobre o fim dos subsídios era conhecida com muitíssima antecedência fora do palácio do governo. Não há como compreender de outro modo o fato de que os protestos dos trabalhadores dos transportes e dos indígenas tenham começado poucas horas depois do anúncio da decisão de eliminar o subsídio. Qualquer mobilização desse tipo requer tempo para sua articulação correta.

Não se trata apenas de falta de previsão para desenvolver uma estratégia de resposta política, e nem apenas de omissão quanto ao devido controle da lealdade daqueles que cercam o presidente. Trata-se também de uma estratégia deficiente de divulgação pública da medida adotada. Na prática, quando o tema do subsídio foi colocado em companhia das demais propostas de reforma que iriam à Assembleia Nacional do Equador, a ideia que surgiu entre os cidadãos foi a de que, da mesma forma que a eliminação dos subsídios entrou em vigor imediatamente, as demais medidas seguiram caminho semelhante, como a redução nas férias dos funcionários públicos ou as modificações do regime trabalhista. Por isso é que agora as demandas dos diferentes setores se referem ao “pacotaço” econômico, quando na verdade a única coisa que entrou em vigor foi a eliminação do subsídio à gasolina e diesel. Se a aplicação dessas medidas aconteceria em velocidades diferentes, uma opção talvez tivesse sido divulgá-las aos cidadãos em momentos separados.

Não resta outra alternativa ao governo que não manter sua posição em defesa da eliminação do subsídio, pois vacilar implicaria em não só afetar o processo de reestruturação da economia do Equador como em perder força política”

Mas o que foi feito está feito. Agora não resta outra alternativa ao governo que não manter sua posição em defesa da eliminação do subsídio, pois vacilar implicaria em não só afetar o processo de reestruturação da economia do Equador como em perder força política a tal ponto que uma decisão como essa deveria vir acompanhada pela renúncia do presidente Moreno. Já que ninguém no Equador deseja instabilidade e caos, exceto os reincidentes e exploradores de recursos públicos que nos governaram por 10 anos, é necessária uma atitude conciliadora de parte a parte. Ainda assim, essa não parece ser a lógica que orienta as organizações indígenas no momento. Posicionadas de forma extremista e solicitando a revogação do decreto que elimina o subsídio como ponto de partida para qualquer reaproximação, a posição delas não parece indicar intenção de ceder e negociar, mas sim a intransigência de alguém que deseja para si tudo que está em disputa. E não é só isso. Horas atrás, elas detiveram vários policiais e ameaçam lhes aplicar a justiça indígena. Dos protestos e reclamações, as ações dos indígenas se tornaram conduta criminosa.

Em um cenário como o descrito, o governo deve não só buscar a mediação de organismos como a ONU ou as universidades como também desenvolver uma estratégia política fina no interior da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Em uma operação como essa é preciso avaliar se realmente todos os setores ali reunidos adotam posições francamente extremistas, pouco cívicas e que comprometem os interesses de todo o país, ou se pelo contrário a atitude intransigente corresponde somente a alguns poucos líderes com pretensões eleitorais. Tendo em vista a evolução das organizações indígenas nos últimos anos, a impressão é de que o segundo cenário se aproxima mais da realidade. De toda maneira, para essa operação política o governo é favorecido não só pela chegada de um feriado nacional como pelo respaldo de diferentes setores sociais, e pelo das forças armadas. De fato, a posição sólida assumida pelos militares nos últimos dias deve ser entendida como forma de provar ao país que eles são efetivamente democratas e respeitam a ordem constituída.

Em meio ao conflito desatado e às condenáveis violações dos direitos humanos que aconteceram, para que surja um acordo o mais rápido possível o governo necessariamente terá de ampliar o escopo dos temas a negociar com as organizações sociais. Quanto a isso, certamente muitas das propostas de reforma que seriam submetidas à Assembleia Nacional do Equador terminarão truncadas ou ao menos modificadas de maneira que pode torná-las inviáveis na prática. Talvez as cabeças de alguns ministros precisem rolar. Esse é o custo que o presidente Moreno terá de pagar, em parte por suas deficiências de comunicação, em parte pela intransigência dos mobilizados. Pior ainda, esse é o custo que o país terá de pagar pela década de desgoverno das mentes lúcidas e mãos limpas. Sim as mentes lúcidas que destruíram a economia nacional. Sim, as mãos limpas que agora estão atrás das grades ou buscando o caos para evitar a possibilidade de terminarem no presídio.

Foto de  germunchis em Foter.com / CC BY-NC-SA

Autor

Cientista político. Decano del Departamento de Estudios Políticos de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, FLACSO-Ecuador. Georg Foster Fellow en la Fundación Alexander von Humboldt. Doctor en Ciencia Política por FLACSO-Ecuador.

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