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A falsificação das pesquisas também é “fake news”

A América Latina realizará seis eleições presidenciais em 2024, um ano em que metade do mundo votará, em muitos casos, para presidente, já que um total de 80 eleições serão realizadas em todo o planeta. E, junto com os votos, vem o esforço legítimo de medi-los por meio de pesquisas… e os esforços ilegítimos para confundir ou desorientar esses votos com o uso de fake polls, as pesquisas falsas que fabricam resultados com a intenção de moldar o humor eleitoral dos cidadãos.

Essas manipulações, por meio da disseminação de resultados inventados que são impossíveis de verificar ou validar, ou utilizando abordagens não científicas para medir preferências, servem para gerar climas de opinião de modo artificial e, assim, alimentar polêmicas, debates e a intensificação de certos candidatos em desvantagem, especialmente nas redes sociais. Infelizmente, porém, elas também ganham repercussão nos meios de comunicação de maior prestígio sem uma equipe treinada para distinguir as pesquisas genuínas das fraudulentas. Pior ainda, acabam generalizando a imagem de que todas as pesquisas são iguais, independentemente da limpeza e do cuidado metodológico de algumas e da indiferença a esses cânones por parte das fake polls, dando oxigênio àqueles que buscam manter a população desinformada com embargos extensos à publicação de investigações bem feitas. 

Esse é um problema na América Latina, por exemplo, onde quinze dos dezoito países estudados pelo comitê da WAPOR/ESOMAR têm um período de bloqueio pré-eleitoral na difusão dos resultados das pesquisas, o que impede que os cidadãos conheçam as últimas tendências de votação, embora as empresas e os governos que as contratam tenham acesso privado a elas, criando uma situação de desigualdade e falta de informação. As exceções são o Brasil, a Guatemala e o Suriname. De fato, em nossa região, os embargos à divulgação de pesquisas eleitorais são mais longos do que nas democracias da Europa, América do Norte ou Ásia.

A ausência de restrições à publicação de pesquisas, como no Brasil, não isenta seus cidadãos de conviverem com fake polls ou com a forte suspeita de produção artificial de resultados de pesquisas. A regulamentação da prática profissional no campo das pesquisas eleitorais talvez seja uma das mais avançadas em termos de busca de garantias de transparência no processo competitivo, uma vez que é pré-condição para a publicação de qualquer pesquisa que ela seja registrada na Justiça Eleitoral cinco dias antes de ir ao ar. Caso contrário, são aplicadas multas pesadas e a proibição de sua divulgação. E o registro não deve incluir apenas os resultados, mas também outros detalhes, como a amostra (para indicar se é socialmente representativa ou não), as datas da pesquisa (para indicar sua validade), o método de coleta usado (para indicar se todos os eleitores tiveram a oportunidade de ser escolhidos ou se abrange apenas aqueles que têm uma conta on-line ou uma linha telefônica) e o questionário (para indicar possíveis vieses ou não na formulação das perguntas). Também é obrigatório indicar quem solicitou a pesquisa e o valor pago pela pesquisa com a fatura.

Essas exigências significam que somente empresas de consultoria e instituições com competências claras, profissionais sólidos e uma forte tradição na arte de realizar pesquisas eleitorais devem realizar essa prática, que se torna um barômetro do humor social quando seus resultados são divulgados pelos meios de comunicação. Naturalmente, esses pré-requisitos de competência profissional e histórico institucional no setor pressupõem a existência de contratos nítidos e relativamente volumosos para cobrir as demandas financeiras de uma boa pesquisa de opinião pública. 

No entanto, o que a eleição presidencial de 2022 no Brasil revelou foi que 4 de cada 10 pesquisas publicadas (de um total de quase 2.140 pesquisas registradas) foram financiadas com fundos próprios e sem nenhuma entidade (candidato, partido ou outra organização) contratante e demandante do estudo, um indicador de baixa transparência e potencial uso político discricionário de seus resultados. Em comparação com a eleição presidencial anterior (2018), houve um aumento fenomenal de pesquisas registradas (quase 60% a mais), em sua esmagadora maioria (80%) realizadas por empresas que não estão vinculadas às associações que estabelecem códigos de prática profissional ou ética no exercício da profissão, como a WAPOR ou a ABEP. Os antecedentes institucionais nada têm a ver com a pesquisa pública ou política, mas sim com agências de comunicação ou empresas de marketing, em vários casos sem existência prévia (ou posterior!) ao ano eleitoral.

Obviamente, não é crime autofinanciar estudos, mas na escala que ocorreu no Brasil (algo que pode ser parâmetro revelador do que está acontecendo em nossa região como um todo) levanta suspeitas sobre a verdadeira intenção e o conteúdo de tais pesquisas. No trabalho realizado pelo comitê de opinião pública da ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), chegou-se à conclusão de que, coincidentemente, a maior parte dos resultados reportados que se desviam fortemente dos números oficiais finais veio justamente das pesquisas declaradas como autofinanciadas.

Essas medições sob suspeita acabam por criar a impressão de que os desajustes devidos à relativa imprecisão das previsões em relação aos resultados finais são falhas congênitas das pesquisas, algo que multiplica a desconfiança quando não respalda as vozes que buscam suprimi-las. Essa absolutização de descompassos pontuais entre o que um candidato obteve e o que as pesquisas de entidades sérias e respeitáveis apontaram como se fossem fracassos absolutos (ainda que as pesquisas possam ter acertado a ordem dos candidatos, a diferença média entre o primeiro e o segundo e até mesmo o grau de abstenção ou voto nulo/branco) prejudica a profissão e a legítima informação da cidadania com dados confiáveis.  

As pesquisas de opinião pública são essenciais para o processo central das democracias, a eleição de autoridades e a indicação do tipo de mandato votado: para mudança ou continuidade, para recompensar o partido no poder, renovando seu apoio, ou puni-lo, retirando-o do poder em busca de novos caminhos e resultados. Elas conferem transparência ao processo, permitindo que os cidadãos acompanhem o pulso democrático, o impacto das campanhas sobre os eleitores e a agenda de prioridades dos cidadãos que os candidatos devem abordar ou a direção em que devem governar. As fake polls – assim como as fake news – burlam a vontade popular, obscurecendo-a, e, ao fazê-lo, revelam o desprezo de seus criadores pela democracia.

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Fabián Echegaray é diretor da Market Analysis, uma consultoria de opinião pública sediada no Brasil, e atual presidente da WAPOR Latin America, o capítulo regional da associação global de pesquisa de opinião pública: www.waporlatinoamerica.org.

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