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A pós-democracia frente ao auge autoritário populista

“Paradoxo dos tempos: quanto mais a decepção cresce, mais se consolida o apoio massivo aos valores democráticos”. Queremos democracia, mas sem paixão. E a amamos acima de tudo quando temos a sensação de que ela está em perigo”. Gilles Lipovetsky

A sociedade atual, independentemente da geografia, está abalada pela intensidade do debate sobre a erosão democrática e os cenários futuros. A crise da democracia se tornou um desafio que transcende as democracias em construção, ameaçando a estabilidade das democracias consolidadas em todo o mundo.

O livro Crisis de la democracia: ¿en el umbral de la postdemocracia? apresenta uma visão teórica da noção de crise a partir da experiência democrática. Ele mostra que o desenvolvimento da democracia representativa e suas contradições com o modelo capitalista são o pano de fundo de grande parte da disfuncionalidade que a democracia moderna tem experimentado. A crise de representatividade transferiu seus problemas de eficiência para a própria democracia, tornando-a vulnerável à ameaça do autoritarismo, especialmente em sociedades com profundas desigualdades. A etapa de consolidação democrática foi seguida pela promessa do populismo como alternativa às fraquezas dos sistemas políticos, dando lugar a uma autocratização crescente que abala os alicerces da democracia contemporânea.

No debate acadêmico sobre o retrocesso democrático, o tema tem sido abordado a partir de perspectivas como o autoritarismo competitivo, a democracia deficiente, o autoritarismo eleitoral, a desdemocratização, o autoritarismo populista e o backsliding, oferecendo uma diversidade de pontos de vista para explicar os casos de deterioração das democracias fracas (Venezuela e Nicarágua), bem como aqueles considerados estáveis ou consolidados (Hungria, Polônia e Estados Unidos), na chamada terceira onda de autocratização.

A democracia representativa não responde às exigências contemporâneas

No centro da discussão sobre a retirada democrática estão os valores implícitos de um modo de vida associado à própria democracia, que é questionada pelas próprias contradições da modernidade em que ela nasceu. A crise da modernidade se reflete na própria crise da democracia, considerando que há uma ruptura epocal, de acordo com o historiador alemão Reinhart Koselleck. A democracia representativa não responde mais às exigências de uma sociedade que desconfia daqueles que foram os garantes de seu exercício soberano.

A democracia participativa foi uma das consequências mais importantes das disfunções da democracia representativa, mas não foi o suficiente para repensar a democracia. A aspiração de participação era resgatar alguns dos fundamentos da democracia grega original, mas ficou claro que era processualmente impraticável. Portanto, sua reconstrução deve ser abordada a partir dos espaços de uma nova relação Estado-sociedade, marcada pelo impacto da globalização e pela extensão dos efeitos do modelo econômico capitalista.

O processo de autocratização que tem sido estudado por renomados analistas e acadêmicos (de O’Donnell a Levitsky e Wey) deu origem a experiências com outros modelos de democracia nos quais existem variações significativas em questões processuais e, fundamentalmente, em questões constitucionais e eleitorais. A adoção de mecanismos de participação direta, tais como consultas e o instituto do recall, também foi acompanhada pela prorrogação indefinida dos mandatos presidenciais (Bolívia, Nicarágua e Venezuela), todos baseados na percepção da vontade popular quando, na realidade, se trata de um ataque autocrático por meios eleitorais.

As condições estruturais – políticas, econômicas, sociais e culturais – que acompanharam a consolidação democrática foram transformadas, com o resultado de que a natureza da democracia não corresponde ao modelo de sociedade vigente. Os níveis de ação tiveram que se ajustar às exigências de maior participação, o que tem sido insuficiente para recuperar a confiança, pois às vezes é visto como um obstáculo ao exercício da soberania (estrutura).

Os fundamentos da democracia são questionados

Os elementos fundamentais da democracia, como sistemas eleitorais, legislativos ou judiciais (componentes), são questionados quando ela perde legitimidade. E os valores (princípios) associados à democracia, as instituições que os representam como o Estado de direito, a liberdade, a equidade ou a justiça, são os pilares sobre os quais repousa a legitimidade democrática. Se algum desses valores for minado, a democracia perde terreno como modelo de vida. Neste sentido, a crise da democracia não é uma crise de seu nome, mas de sua natureza, sua estrutura, seus componentes e seus princípios, ou seja, sua metafísica.

A democracia tentou se reinventar através da participação, da ciberdemocracia ou da democracia globalizada. No entanto, as mudanças em seu nome não são suficientes para levar à sua renovação, pois os grandes desafios democráticos ainda permanecem no que diz respeito à concepção do Estado e sua relação com a sociedade; os vínculos com a economia; a corresponsabilidade com as demandas sociais; a abertura de espaços públicos transparentes de tomada de decisão; o reconhecimento de mecanismos de vigilância e monitoramento; a responsabilidade na gestão pública; e a participação nas decisões públicas.

Estamos diante de uma mudança de paradigma? Por um lado, a democracia não conseguiu satisfazer as exigências de renovação, enquanto, por outro, deixou o caminho aberto para a autocratização, encontrando terreno fértil naqueles sistemas com problemas de legitimidade e iniquidade. A pós-democracia enfrenta o desafio de adotar medidas de exclusão para se proteger da apropriação de seus próprios meios diante da ascensão de lideranças autoritárias por meios eleitorais, como vimos na Venezuela, Nicarágua e, mais recentemente, em El Salvador.

Finalmente, em democracia, a tensão entre individualismo e equidade foi deslocada por um desafio autoritário. A pós-democracia pode ser uma oportunidade para a reinvenção da aliança entre liberdade e igualdade. Entretanto, se não houver consenso sobre a necessidade de medidas fortes para garantir isso, pode ser a transição para uma fórmula de opressão na qual o egoísmo minoritário predomine sobre o bem-estar coletivo majoritário.

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Professora Associada de Ciência Política no Valencia College (Orlando, Flórida). Doutora em Ciências Sociais pela Univ. de Carabobo (Venezuela). Presidente da Seção de Estudos Venezuelanos da Latin American Sutdies Association (LASA).

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