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Os sinais de mudança na oposição venezuelana

Uma das consequências mais profundas que a estratégia política de máxima pressão do governo Trump sobre o governo de Nicolás Maduro deixou foi o enfraquecimento da oposição venezuelana. O dano causado pelo outsourcing dos EUA não só contribuiu para frear a mobilização dos venezuelanos, mas debilitou ainda mais uma oposição seriamente afetada por divisões ideológicas e desacordos estratégicos.

A transferência da gestão de representação ao governo dos EUA deixou o país em uma espécie de orfandade política, tornando até suas decisões de política doméstica em um assunto existencial para alguns setores da sociedade venezuelana. Nesse plano doméstico, o tema foi utilizado pela administração anterior para captar e conservar o voto latino, especificamente nas comunidades cubanas e venezuelanas em exílio na Flórida, onde chegou a representar um assunto crítico por seu impacto eleitoral.

Entretanto, após as eleições de 2020, o debate político sobre a Venezuela tomou outro rumo com o governo entrante de Joe Biden. Considerando sua posição crítica à estratégia da administração passada, e vistos os resultados eleitorais na Flórida, o argumento de preservar o voto de cubano e venezuelanos perdeu força em sua agenda. Os resultados adversos do Partido Democrata liberaram o governo Biden, permitindo-lhe abordar o caso venezuelano de uma perspectiva mais pragmática.

Os primeiros indícios sobre a mudança na estratégia dos EUA vieram das negociações diretas com o regime venezuelano. A liberação dos sobrinhos políticos de Maduro em outubro de 2022 gerou ampla condenação na Venezuela. O que não recebeu grande atenção foi a reaproximação entre as duas partes, em meio à paralisação das conversas iniciadas em Barbados em 2019 e no México entre 2021 e 2022.

Na ausência de avanço nas conversas entre as partes, o governo Biden optou por uma via mais direta. A crise migratória os obrigou a retomar o tema, pois já não se tratava só das repercussões para os governos regionais nas mãos do Partido Republicano, mas o fluxo em massa de imigrantes também estava afetando os governos democratas graças à estratégia republicana de transferir imigrantes para cidades sob sua jurisdição.

Nesse contexto, produziu-se um novo intercâmbio de presos entre os dois governos, reavivando o amplo rechaço entra a opinião pública venezuelana à política do governo Biden para Maduro. A troca de dez presos de nacionalidade estadunidense por Alex Saab, um empresário colombiano-venezuelano processado por uma série de delitos pela administração da justiça dos EUA, foi produto de uma negociação paralela à de Barbados, sob a mediação do Ministério das Relações Exteriores do governo do Catar.

Esse novo episódio nos permitiu observar uma mudança qualitativa que pode se tornar crucial diante dos desafios eleitorais que a oposição venezuelana enfrentará em 2024. Após as eleições primárias da oposição em outubro, o desejo de mudança pelo qual mais de dois milhões de venezuelanos votaram parece estar tomando forma na liderança endossada pelo resultado da eleição. Diferente das críticas à libertação dos sobrinhos políticos de Nicolás Maduro, a candidata presidencial da oposição, María Corina Machado, em um comunicado emitido a propósito dessa transação, destacou que a medida faz parte do processo de construção de uma rota cívica rumo a uma solução eleitoral da crise política venezuelana.

A transição de Machado de aspirante a líder com propostas políticas sem concessões a um líder com posições mais moderadas (ou cautelosas) não deveria passar despercebida. Um primeiro indício da mudança de estratégia de Machado, que nem sempre apoiou o ir às urnas, foi sua participação na eleição primária. Uma mudança que, no entanto, não foi suficiente para superar as diferenças dentro da oposição. Outro sinal foi sua aproximação ao processo de negociação, que até pouco antes das primárias ainda era objeto de duras críticas de sua parte; agora o vê como mais uma etapa de um amplo programa político que vem desenvolvendo nos últimos dois anos.

As ações apontadas fazem parte do que Machado descreveu como “o novo despertar” da Venezuela. A partir dessa aproximação, a candidata opositora reconhece que a via eleitoral está cheia de incertezas e obstáculos, assumindo a participação no processo político a partir de uma posição mais pragmática, longe de sua demanda habitual sobre a saída incondicional de Maduro.

A janela de oportunidade que se apresenta à oposição nesse trecho da crise política venezuelana pode ser muito pequena se não for aproveitada para adotar uma estratégia unitária e efetiva de médio prazo. Após a eleição primária, Machado reconhece que recebeu um mandato. É possível que o desafio não se limite só em enfrentar as ameaças do chavismo e seus esforços para impedir que participe das eleições presidenciais de 2024 com a desqualificação política contra ela. Um primeiro desafio será vencer as forças opositoras que devoraram seus líderes antes do próprio chavismo. Convencer o país que votou em Machado, e contra uma liderança política que considera incapaz de enfrentar o chavismo, de que se trata de uma estratégia de longo prazo tem seus riscos nesse cenário.

O que está sendo proposto é uma mudança qualitativa que poderia levar a um repensar estratégico que, se concretizado com a ampliação das forças políticas respaldando Machado, seria a ameaça mais séria que se apresentou a Nicolás Maduro nos últimos anos.

Autor

Profesora adjunta de Ciencia Política en Valencia College (Orlando, Florida). Doctora en Ciencias Sociales por la Univ. de Carabobo (Venezuela). Chair de la Sección de Estudios Venezolanos de Latin American Studies Association (LASA).

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