Co-autor Leonardo Stanley
O Pacto Verde Europeu estabelece objetivos ambiciosos para a luta contra as mudanças climáticas, tais como a redução das emissões de CO2 para alcançar a neutralidade climática até 2050. Neste contexto, no último fevereiro, a Comissão da União Europeia chegou a um acordo para incorporar o gás e a energia nuclear na taxonomia de verde sob certas condições. Trata-se de uma lista de atividades consideradas sustentáveis e para as quais a União Europeia procura orientar os investimentos do setor privado, evitando que as ações empresariais se tornem um mero greenwashing ou uma manobra de marketing verde com o fim de aumentar seus benefícios.
O acordo alcançado ainda não está em vigor. Uma vez que seja adotado formalmente, o texto será analisado pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, que podem se opor por maioria qualificada reforçada no primeiro caso (72% dos Estados que representem 65% da população) ou por maioria simples no segundo. Se não houver oposição, a entrada em vigor está prevista para 1 de janeiro de 2023.
O quadro regulamentar da União Europeia é complexo, mas a nível político e social a discussão não é isenta de controvérsia. Com as emissões de metano a níveis recordes, como indica o jornalista especializado em energia Jeff Tollefson salienta na Nature, a sua incorporação como energia verde gera grande rejeição.
Para além da rejeição ambiental gerada pela utilização de gás, soma-se a geopolítica. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia apenas alimenta o interesse da União Europeia em acelerar a transição para energias mais limpas. De fato, em 1 de março, o Alto Representante da União para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, no seu discurso ao Parlamento Europeu sobre a agressão da Rússia contra a Ucrânia, fez referência à dependência da Europa em relação ao fornecimento de gás russo.
A dependência europeia do gás proveniente da Rússia tem vindo aumentando nos últimos 20 anos, embora as instituições comunitárias alertaram para a necessidade de reduzi-la. Mas “de agora em diante, vamos pôr as nossas ações em conformidade com as nossas palavras”, afirmou Borrel. A decisão que finalmente se adote pode acabar influenciando o destino dos projetos gasíferos que atualmente se discutem na América Latina.
Por outro lado, a energia nuclear também está em debate. Os sinos de alarme estão tocando tanto devido aos resíduos tóxicos como pelos antecedentes em outras partes do mundo. O acidente na fábrica de Fukushima em 2011 é um exemplo ilustrativo dos riscos envolvidos. De fato, a política de “apagão nuclear” da Alemanha baseou-se no acidente de Fukushima e determinou que a última central nuclear irá funcionar até 31 de dezembro deste ano.
Esta decisão gerou reações no âmbito corporativo. Empresas como a sueca Vattenfall iniciaram arbitragem investidor-Estado, bem como processos nos tribunais nacionais. Em março de 2021, a Alemanha concordou com uma indenização de 2,438 mil milhões de euros para terminar com os litígios.
Mesmo que os projetos nucleares sejam limitados, em alguns países se discute avançar na construção de novas centrais. É o caso da Argentina, que, associada a China, decidiu iniciar a construção de uma quarta central nuclear (Atucha III). Embora o projeto tenha gerado rejeição por vários setores da sociedade, ainda está em curso. Em última análise, a decisão que UE finalmente adote sobre esta questão parece irrelevante para a região.
O lado B
O debate sobre as inconsistências da nova taxonomia verde mascara o seu lado B, que é a modernização do Tratado sobre la Carta de la Energía de 1994, do qual tanto a UE como a maioria dos seus membros são parte. As negociações estão em curso e a polêmica está também está sobre a mesa. O mecanismo de solução de controvérsias investidor e Estado, contido no tratado original, formou a base legal para 135 demandas de investidores estrangeiros.
De acordo com dados do Policy Investment Hub da UNCTAD, o Tratado da Carta da Energia é o acordo internacional com base no qual foi registrado o maior número de demandas a nível global. Inclusive, as demandas registradas envolvem investidores da nacionalidade de um Estado membro da UE contra outro Estado membro.
Luta contra as mudanças climáticas
Em tempos de luta contra as mudanças climáticas, o caminho não deveria ser marcado pela inclusão da energia nuclear e do gás na taxonomia verde nem pelos mecanismos de resolução de controvérsias investidores-Estados do Tratado da Carta da Energia. Caso contrário, o Estado acaba por questionar se deve ou não alterar uma decisão, mesmo que isso agrave a crise climática, situação que está arrastando a humanidade para a sua extinção.
A inclusão do gás e da energia nuclear não minimiza os riscos, mas agrava a incerteza que as nossas sociedades enfrentam no momento da transição.
Leonardo Stanley é Pesquisador Associado do Centro de Estudos de Estado e Sociedade – CEDES (Buenos Aires). Autor de “Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development”, Cambridge University Press, 2020.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Professor Associado de Direito Internacional Público da Universidade da República e Pesquisador do Sistema Nacional de Pesquisadores (Uruguai). Professor da Universidade de Monterrey (México). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade Nacional de La Plata (Argentina).