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As respostas à Covid-19 não devem esquecer as mulheres

A pandemia tem tido um efeito devastador na América Latina. O Brasil e o México estão entre os três países com o maior número de mortes per capita por Covid-19 no mundo, depois dos Estados Unidos, enquanto a atividade econômica na região diminuiu em 8% em 2020, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). O número de pessoas que vivem na pobreza aumentou em mais de 45 milhões – semelhante à população da Argentina – para 231 milhões, e atinge agora 4 em cada 10 latino-americanos. A pobreza extrema, por sua vez, aumentou em quase 15 milhões de pessoas e afeta particularmente as mulheres migrantes, afrodescendentes e indígenas, mulheres em comunidades rurais, mães solteiras e mulheres com deficiências.

A gestão das crises econômicas e sanitárias é apenas uma parte do problema. A outra parte é a deterioração da igualdade de gênero e da autonomia das mulheres, como ficou demonstrado em crises anteriores como a Ébola, o Zika ou a gripe aviária. A atual pandemia trouxe à tona desigualdades de gênero que não podem ser ignoradas.

Covid-19 e as injustiças de gênero

As emergências sanitárias reforçam os papéis sociais de gênero e exacerbam os preconceitos e práticas patriarcais em torno do papel da mulher na família e na sociedade. E na América Latina, isto é particularmente problemático.

Ao longo da pandemia, a região relatou um aumento da violência doméstica e de gênero, e uma diminuição do acesso a serviços básicos de saúde reprodutiva, materna e infantil, e a serviços humanitários e de apoio à quarentena. O Fundo de População das Nações Unidas advertiu que a pandemia poderia deixar 47 milhões de mulheres – em países de renda baixa e média – sem acesso a contraceptivos, resultando em um adicional de aproximadamente sete milhões de gravidezes não desejadas, um número equivalente à população de El Salvador.

Este problema já era uma realidade prévia à pandemia. A taxa média anual de gravidezes involuntárias na região entre 2015 e 2019 foi de 69 gravidezes a cada 1000 mulheres, das quais pouco menos de metade resultou em abortos clandestinos e inseguros. Houve avanços específicos como a legalização do aborto na Argentina, mas na região o que prevalece é o fracasso geral em abordar problemas de violência sexual, autonomia de decisão e igualdade de gênero.

A Covid-19 também afetou seriamente a participação das mulheres em atividades econômicas. Elas representam quase 40% dos empregos no comércio, restaurantes e hotéis, todos os setores duramente afetados pela crise e com elevados níveis de informalidade. De acordo com números da Organização Internacional do Trabalho, 126 milhões, quase metade das mulheres da região, são trabalhadoras assalariadas informais ou autônomas sem um título universitário.

Na Bolívia, Guatemala e Peru, oito em cada dez mulheres têm trabalhos informais, o que as coloca em risco de perder o seu emprego ou adoecer, já que apesar das quarentenas, muitas continuam trabalhando por necessidade. Além disso, não têm a possibilidade de associar e exigir direitos laborais, o que os expõe a abusos por parte dos seus empregadores e com acesso limitado à segurança social.

Por último, a crise da Covid-19 também agravou a crise migratória. Entre 2016 e 2020, cerca de 5,4 milhões de venezuelanos deixaram o país. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas fugiram da Guatemala, Honduras e El Salvador para o México e os Estados Unidos. Para as mulheres e crianças, que constituem cerca de metade dos migrantes e refugiados, e cujas necessidades são frequentemente invisíveis mesmo em tempos “normais”, os riscos de segurança, saúde e pobreza tornaram-se mais agudos.

Um novo pacto social que inclua as mulheres

Embora vários países latino-americanos tenham assinado e ratificado a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, a região está longe de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5, que garante a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e crianças.

Com a crise, muitos governos introduziram pacotes de emergência, subsídios salariais, seguro desemprego, e proibições de despejo. As novas políticas sociais centraram-se nas populações desprotegidas, mas a maioria dos trabalhadores informais ainda carece de proteção. Além disso, estas medidas têm sido respostas de emergência a curto prazo e estão longe de proporcionar uma abordagem transformadora em termos de gênero.

A CEPAL tem pedido um “novo pacto social“, enquanto que o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) encorajam os governos a aumentar as despesas com a saúde e a fortalecer as redes de segurança social. No entanto, a organização não governamental Oxfam advertiu que estes organismos estão também encorajando os países a retomar o caminho da consolidação fiscal, o que poderia conduzir a uma nova era de austeridade.

Ademais, os programas de financiamento não beneficiam necessariamente as mulheres ou grupos particulares de mulheres. De acordo com a ONU Mulheres, a América Latina adotou cerca de 340 medidas de proteção social em resposta à pandemia, mas apenas uma fração dessas medidas visam a segurança econômica das mulheres, e apenas 7% se concentram diretamente nos cuidados não remunerados.

Apesar do panorama sombrio, a crise provocada pela pandemia é uma oportunidade para “reconstruir melhor”. Os governos devem garantir a segurança econômica, a subsistência e a saúde das mulheres, bem como o seu direito e a sua capacidade de acessar oportunidades de trabalho decentes e de viver uma vida digna. Isto requer compromisso político e financiamento internacional inabalável e solidário.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto por alice_bag em Foter.com / CC BY-NC

Autor

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Profesora de Política Internacional de la Universidad de Southampton. Doctora en Política y Relaciones Internacionales por la Univ. de Warwick. Máster en Relaciones Internacionales por la Univ. de Miami y FLACSO-Argentina.

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