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Cinturão e Rota dez anos depois, pouco a festejar

Este setembro comemora dez anos da apresentação de Xi Jinping diante a comunidade internacional do principal projeto da diplomacia chinesa: a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, sua sigla em inglês). A iniciativa propõe a integração econômica e comercial da China com o mundo através de corredores e infraestruturas terrestres e marítimas na Ásia Central, Europa, África e América Latina, financiados em sua maioria por Pequim.

O plano é sedutor. Na última década, ao menos 151 países assinaram memorandos de adesão, incluindo 22 latino-americanos e caribenhos.

O “Plano Marshall” chinês

Pequim encontra os argumentos de suas políticas atuais em sua própria civilização. A Rota da Seda, uma rede de rotas terrestres e marítimas que se estendia por diferentes regiões do mundo há dois mil anos, inspira o “projeto do século”, como rótulo da propaganda do regime. E acrescenta que sua vocação é “beneficiar toda a humanidade”. Mas os críticos do projeto o assemelham a um Plano Marshall chinês que permite que Pequim exerça influência internacional e construa sua liderança global. Define a agenda e estabelece as bases de uma nova ordem mundial.

O esquema do BRI já existia antes de 2013. A China lançou sua estratégia de ir para fora após entrar na Organização Mundial do Comércio em 2001. E, devido à sua necessidade de garantir o fornecimento de recursos naturais que deveriam alimentar a fábrica do mundo e a urbanização do país, suas empresas e bancos estatais começaram sua internacionalização. Com seu capitalismo de Estado, investiram em todos os tipos de projetos, construíram infraestrutura em meio mundo e financiaram em larga escala. Com a crise financeira de 2008, Pequim ganhou acesso a ativos, tecnologia e mercados estratégicos que antes eram vedados. 

Demanda chinesa na América Latina

Em 2013, esse modelo foi diplomaticamente embalado, adornado com slogans e recebeu um nome atraente. Até então, a América Latina havia se beneficiado da demanda chinesa e dos preços das matérias primas. Os fluxos comerciais cresciam exponencialmente e recebiam financiamento infinito em meio à relutância do Ocidente. Equador, Argentina, Venezuela e outros países se lançaram nos braços da China. Não só por ser uma fonte (quase) inesgotável de empréstimos, mas pela afinidade política e ideológica, incluindo um impulso anti-estadunidense. Assim, muitos desses governos aderiram ao BRI.

Tudo leva a Pequim?

O governo chinês anunciou em 2019 que mais de 3.100 projetos de conectividade foram realizados no âmbito do BRI. No entanto, é difícil saber quantos deles já existiam antes ou quantos teriam sido igualmente executados sem o BRI. De qualquer forma, uma década após o anúncio de Xi Jinping, o plano parece ter perdido força em meio ao novo mundo geopolítico que emerge da pandemia, do alcance da (in)sustentabilidade da dívida e da própria desaceleração econômica na China. Já não parece que todos os caminhos levam a Pequim.

Em cenário semelhante, surgem alternativas talvez menos ambiciosas do que o BRI. Uma das apostas é a dupla circulação, na qual a China busca reduzir sua dependência do comércio exterior. Ao mesmo tempo, pretende reforçar sua economia doméstica. Ainda assim, renova seus esforços no sudeste asiático, onde tem influência histórica. E nos países que compõem a Organização de Cooperação de Xangai, localizados em sua periferia. Embora o desenvolvimento e a prosperidade da China sejam muito dependentes do resto do mundo, e o isolamento não seja, em absoluto, uma opção, a América Latina poderia perder (por essas razões) parte de seu atrativo.

A desglobalização seletiva, incluindo a realocação de empresas antes instaladas na China para destinos mais confiáveis, obriga todos os jogadores a reajustar suas fichas no tabuleiro. Porém, mesmo que o BRI perca força economicamente, continuará sendo politicamente importante para Pequim dado sua pretensão em consolidar seu papel como potência emergente e, talvez mais tarde, hegemônica. Para isso, o BRI coexistirá e complementará outras iniciativas de segurança e desenvolvimento global impulsionados por Xi Jinping. Seu pano de fundo é o “destino comum para a humanidade” defendido pelo presidente chinês.

Subordinação

Segundo os críticos, isso contém uma pretensão perversa: uma ordem internacional baseada em uma unidade de nações economicamente dependentes da China e, portanto, subordinadas a ela. Além de sua vertente econômica, a ação do BRI tem se preocupado em reforçar a ideia da China como uma alternativa de poder. Defende o multilateralismo e busca se posicionar como o principal aliado para desenvolver o sul global, muitas vezes como um contrapeso aos interesses dos Estados Unidos. Por trás de tudo isso, a vontade de Xi Jinping é atrair o sul global para sua órbita e influenciar uma ordem mundial para torná-la mais segura para seus interesses.

*Publicado originalmente no Diálogo Político.

Autor

Director de ReporteAsia y colaborador del proyecto Análisis Sínico en CADAL - Centro para la Apertura y el Desarrollo de América Latina. Periodista y promotor del Consorcio Internacional de Comunicadores Especializados en Asia.

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