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Do quarto escuro à entrada no túnel

A humanidade enfrenta a emergência climática, que é a crise mais perturbadora de todas. Precisamos parar de pensar no problema a partir de uma perspectiva intergeracional; o problema está entre nós e a ciência nos incentiva a tomar medidas contundentes. Mas muitos políticos enterram suas cabeças na areia como avestruzes. Outros negam completamente o fenômeno. Esse último tipo de comportamento não opera em um vazio, nem se limita a um grupo de países. O negacionismo é um fenômeno que envolve milhões de pessoas em todo o mundo. Trata-se de uma guinada para a extrema direita que está empurrando o planeta para uma catástrofe anunciada.

O que explica esse comportamento?

Em vez de pensar no longo prazo, a complexidade do momento leva os agentes econômicos a privilegiar o curto prazo. Isso é exacerbado em contextos como o que se observa atualmente na Argentina, onde a corrida cambial e o medo da hiperinflação nos precipitam para o ” salve-se quem puder”, uma premissa que não só contrasta com a ideia de preservar uma sociedade democrática, mas também elimina qualquer possibilidade de resolver a emergência climática.

Ao mesmo tempo, o slogan se transforma em uma aceleração do extrativismo: a necessidade de moeda estrangeira impõe o “explore o que for preciso”. A renda que implica deixar o petróleo no subsolo se evapora e ocorre uma corrida para vender o recurso nos mercados. Essa ideia está por trás do célebre modelo de Harold Hotelling, que vincula a taxa de extração e a renda resultante gerada pela atividade, mas à taxa de juros que evidenciam os mercados financeiros. Em um contexto de alta inflação, acelerar a taxa de extração representa um comportamento racional. Em um mundo que está passando por uma transição energética e que apresenta grande probabilidade de que os ativos fiquem estagnados, esse comportamento torna-se certamente pouco convincente.

Entretanto, a taxa de extração não é influenciada apenas pela taxa de juros, mas também por quaisquer impostos ou taxas que eventualmente possam ser impostos sobre o carbono. Aqui nos referimos à taxa pigouviana, que, ao internalizar os custos, afeta a rentabilidade da produção. Embora possa parecer paradoxal, a crise do petróleo da década de 1970 coexistiu com o surgimento de uma maior consciência ambiental que, com o passar dos anos, se tornaria uma demanda por um plano de transição energética.

O reconhecimento da crise climática nos níveis mais altos do poder político (recordemos o manifesto do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore) coincidiu com uma era de baixa inflação e mercados financeiros estáveis. No entanto, mesmo quando a denominada “divina coincidência” estourou em 2007, as baixas taxas de juros perduraram durante a década seguinte para evitar mais estagnação. Tal situação ocorreu simultaneamente a uma queda substancial no custo dos equipamentos renováveis: a mudança tecnológica estava mandando sinais.

A consciência ecológica também está crescendo entre alguns grupos de consumidores, enquanto se propagam leis e normas que condenam o uso de carbono. Em termos de modelo, em uma era de impostos baixos (nulos) e maior conscientização ambiental, retarda-se a busca de renda das empresas de petróleo.

Mas primeiro a pandemia e depois a invasão da Ucrânia marcariam o fim do “reinado” da política monetária. Em um contexto de alta incerteza, o imediatismo do “salve-se quem puder” torna as ideias ambientais menos relevantes, enquanto os governos e as empresas buscam agora obter a renda: Hotelling prevalece sobre Pigou. De repente, o preço do barril encontra-se acima de 100 dólares e os projetos de prospecção de petróleo se multiplicam em todo o mundo. A voracidade pelo petróleo não se explica apenas pelas baixas taxas: a geopolítica é importante, mas também os interesses corporativos.

Todos parecem estar olhando para o curto prazo, embora essa leitura esteja equivocada, pelo menos em alguns casos. A guerra acelerou o plano de transição na União Europeia, enquanto a introdução da lei anti-inflacionária nos EUA marcou o retorno da política industrial. Além disso, soma-se a China, cujo domínio industrial se estende a importantes setores verdes (eólico, solar, baterias e carros elétricos).

Tudo o que foi dito acima não diminui o fato de que, para manter seus negócios, alguns empresários, então financiadores da extrema direita, estão defendendo o negacionismo. Esse é o caso dos irmãos Koch, cujos fundos alimentam as carteiras dos libertários em todo o Ocidente, com o objetivo de desmantelar qualquer política climática, como a proposta pelo Partido Republicano, caso chegue à Casa Branca, ou a emenda ao Projeto de Lei de Mudanças Climáticas e Transição Energética apresentada pelo Vox em 2020 no Parlamento espanhol. Esse tipo de postura não é incomum para nós que vivemos na região. Basta lembrar os anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Mas agora isso está aparecendo na Argentina. Muitos eleitores, ao chegarem ao “quarto escuro” (cabine de votação), sentiram-se encorajados a expressar sua raiva contra a classe política “tradicional”. Independentemente de seus motivos, o apoio a Javier Milei nas eleições primárias de 13 de agosto alterou a agenda política. A “máquina negacionista”, que foi impulsionada pela extrema direita, é respaldada por empresários, pelos meios de comunicação, por fundações conservadoras e, nesse caso, pelo setor petrolífero.

Agora teremos que esperar para ver o que acontecerá nas eleições presidenciais. Entretanto, não podemos nos esquecer de que não existe casta mais perigosa do que aquela que ataca a democracia e o próprio futuro do planeta.

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Investigador Asociado del Centro de Estudios de Estado y Sociedad - CEDES (Buenos Aires). Autor de “Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.

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