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Eleições em El Salvador: experiências e desafios

A certeza de um processo eleitoral se baseia em gerar insumos que contribuem para a integridade eleitoral, em que as autoridades, membros da sociedade civil e comunidade internacional podem garantir a transparência do processo. Mas esse é somente um dos requisitos de uma democracia.

As eleições de domingo, 4 de fevereiro, marcaram um antes e um depois na vida política de El Salvador. Por um lado, com a chegada do presidente Nayib Bukele ao poder em 2019, o país experimentou uma série de mudanças profundas que sugerem uma mudança de rumo diante do esgotamento social devido à insegurança e à pobreza.

Medidas amplamente criticadas por organizações internacionais como Anistia Internacional, o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) apontaram o enfraquecimento do Estado de Direito, violações sistemáticas de direitos humanos, que qualificam de graves no cumprimento da estratégia de medidas de prevenção, controle e resposta à criminalidade, mas, em contraste, resultaram em alta aceitação pela população e, sem dúvida, marcaram uma nova configuração de poder, em que ampliaram as capacidades do Ministério Público, a tolerância zero para o crime e o estabelecimento de medidas de centralização do poder nas decisões públicas.

Essas decisões passaram por uma reconfiguração estrutural que propõe modificar o status quo das forças políticas tradicionais do país centro-americano. Acusações que apontam a violação de direitos humanos, perseguição aos meios de comunicação e a algumas organizações da sociedade civil são uma constante na agenda pública.

Após os acordos de paz de 1992, esta é a primeira vez que uma eleição é realizada em meio às restrições do regime de exceção, que até o momento reserva-se à ampliação do prazo de detenção administrativa e à intervenção de comunicações de quem está em processo de prisão e julgamento.

Outra razão para questionar o processo eleitoral é que, desde a vigência da atual Constituição de 1983, um presidente em exercício é inscrito como candidato a eleições consecutivas para o mesmo cargo. A esse respeito, a nova Câmara Constitucional da Suprema Corte de Justiça fez uma interpretação do texto constitucional que permitiu a reeleição presidencial imediata em só uma ocasião, embora a Carta Magna a proíba expressamente. 

É importante mencionar que a Assembleia Nacional destituiu cinco juízes da Câmara Constitucional, o que permitiu que a nova composição recebesse a petição que possibilitou o registro de Bukele para um novo mandato, uma questão que claramente complicou o processo eleitoral, já que essa ação constitui uma séria ameaça ao marco de certeza do processo, que tanto a Organização dos Estados Americanos (OEA) quanto várias organizações internacionais apontaram.

Diante desse cenário, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatou a decisão, registrou as candidaturas e organizou uma eleição, à qual foi adicionada uma nova reconfiguração legislativa, que reduz de 84 para 60 os assentos na Assembleia Nacional e que adota o sistema D’Hont em vez do Hare. O sistema D’Hont aloca assentos através da média mais alta no registro de listas dos partidos políticos. O sistema anterior utiliza um procedimento de dividir o número de votos válidos pelos assentos a distribuir. No caso dos municípios, a reorganização administrativa reduz os municípios de 262 para 44. Aprovou-se a Lei Especial para o Exercício do Voto no Exterior, que regulamenta a participação da diáspora salvadorenha que vive no exterior.

Assim,  em 4 de fevereiro, domingo, foi realizada a eleição em que se apresentaram candidatos dos partidos Alianza Republicana Nacionalista (ARENA), Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN) e Nuevas Ideas (NI), entre outros. O processo eleitoral transcorreu em paz tanto no interior quanto nas juntas eleitorais instaladas em 81 centros distribuídos em 29 países, onde, após o encerramento às 17 horas, Nayib Bukele se proclamou vencedor e, mais tarde, o TSE o faria com a informação captada em pouco mais de 70% dos votos.

Entre os incidentes que a oposição ao presidente Nayib Bukele, candidato da NI, manifestou, estavam as condições díspares de acesso aos recursos públicos para o financiamento das campanhas, onde também se pôde observar que a maioria delas foi realizada através de redes sociais.

Por outro lado, o TSE enfrentou uma problemática que consistiu em falhas de conectividade nos centros de votação para a transmissão e publicação dos resultados. Apesar dessa situação, o TSE decidiu prosseguir com o escrutínio dos pacotes faltantes da eleição presidencial e a totalidade dos votos para deputados da Assembleia Nacional. Sob a premissa de garantir o princípio da certeza sobre os resultados eleitorais, a Procuradoria Geral, a Defensoria dos Direitos Humanos e os monitores dos partidos políticos acompanharam a transferência das urnas para o Ginásio Nacional em San Salvador para a instalação de 300 mesas de escrutínio.

Ao anunciar os resultados, pôde-se observar que 57,2% da lista eleitoral participou. O candidato e presidente Nayib Bukele, do partido Nuevas Ideas, obteve 82,6% dos votos, enquanto seu opositor mais próximo foi o esquerdista Manuel Flores, de FMLN, com 6,2% dos votos, e o direitista Joel Sánchez, da Arena, obteve 5,4% dos votos. Para a legislatura, o Nuevas Ideas obteve 54 assentos, o Partido Concertación Nacional (PCN) 2 assentos, o Partido Demócrata Cristiano (PDC) um assento, dois assentos para a ARENA e um assento para o Partido Vamos (PV). Portanto, o partido que indicar Nayib Bukele terá uma grande maioria qualificada.

Ao declarar como finalizada a contagem de votos tanto para o candidato presidencial quanto para os deputados da Assembleia Nacional, o TSE informou que forneceu as garantias necessárias para realizar o processo de contagem, onde os partidos políticos e as missões internacionais de observação, como a Transparência Eleitoral (TE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), estavam cientes do processo, onde, mesmo com o problema causado pelas constantes reformas legislativas e decisões judiciais, a vontade das urnas foi garantida.

No domingo, 3 de março, foram eleitos conselheiros municipais e representantes para o Parlamento Centro-Americano, com uma participação menor do que na eleição de fevereiro.

O partido de Bukele ganhou 13 assentos, enquanto a oposição obteve sete, e para prefeito, o partido governista e seus aliados ganharam 28 assentos, enquanto 16 foram para a oposição.

É importante mencionar que a certeza de um processo eleitoral se baseia em gerar insumos que contribuem para a integridade eleitoral, em que atores políticos, autoridades, membros da sociedade civil e comunidade internacional podem fornecer aos cidadãos cenários de confiança nos processos.

Embora seja verdade que El Salvador está vivendo uma etapa de mudanças de longo alcance, é importante dotar a autoridade eleitoral de autonomia suficiente para realizar suas tarefas de logística eleitoral, onde as regras são especificamente definidas e um processo íntegro e competitivo seja garantido. O método de eleição de deputados para a Assembleia Nacional deve ter limites para a sub e sobre-representação e favorecer a integração das minorias no Congresso.

Por fim, é importante garantir que a mídia e a sociedade civil organizada possam desempenhar seu trabalho com as garantias de qualquer sistema democrático, já que durante o processo foram notórias as reclamações de assédio por parte das autoridades.

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Coordenador Nacional de Transparência Eleitoral para México e América Central. Mestre em Governança, Marketing Político e Comunicação Estratégica pela Univ. Rei Juan Carlos (Espanha). Professor universitário.

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