O pesadelo que manteve o presidente equatoriano Guillermo Lasso acordado à noite se materializou alguns dias após as avaliações do primeiro ano de sua administração. O risco de uma nova mobilização popular, semelhante a de outubro de 2019, parecia baixo porque o governo achava que o aumento do preço do combustível havia passado despercebido durante os anos da pandemia. Mas na quarta-feira (22 de junho) Leonidas Iza Salazar, o presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), repetiu serenamente, após recitar o Pai Nosso aos pés dos terrenos da Universidade Central em Quito, que “viemos por 10 pontos [da plataforma de greve] e partiremos com os 10 pontos”. Desta forma, a mobilização popular se transformou lentamente em uma autêntica rebelião popular.
Inicialmente, a resposta à greve convocada pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) no dia 13 de junho, à qual se juntaram outras organizações indígenas e rurais como a Organização dos Povos Indígenas Evangélicos do Equador (FEINE) e a Federação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras do Equador (Fenocin), parecia fraca.
Isto porque não havia um acordo prévio para convocar uma greve conjunta, já que as organizações da Frente Popular, com fortes raízes sindicais de estudantes e professores, haviam convocado uma mobilização separada para 16 de junho. Enquanto isso, a Frente Unitária de Trabalhadores, o principal agrupamento dos sindicatos de trabalhadores enfraquecidos, havia convocado uma mobilização nacional para 22 de junho.
Diante desta falta de coordenação, o governo pensou que poderia dar um golpe mortal na mobilização, e na madrugada de 14 de junho a polícia prendeu o líder indígena Leonidas Iza Salazar na província de Cotopaxi, ao sul de Quito. Nenhum governo havia tentado uma ação semelhante desde o nascimento da CONAIE em 1986. Somente Rafael Correa havia encarcerado o líder indígena da organização regional ECUARUNARI em quatro ocasiões, mas nunca o presidente da CONAIE. E ninguém jamais o havia feito no meio de uma greve nacional.
Desde então, a participação popular e a distribuição geográfica da mobilização continuou a crescer, com as massas se tornando cada vez mais enfurecidas. Um dia antes da prisão do líder Leonidas Iza, haviam sido relatados bloqueios de estradas em seis províncias. Entretanto, no dia seguinte, os fechamentos de estradas foram estendidos para 12 províncias. À meia-noite de 14 de junho Iza foi liberado, mas no dia seguinte os bloqueios de estrada foram estendidos para 15 províncias. Na segunda-feira, 20 de junho, foram relatados 93 fechamentos de estradas em 22 províncias.
A mobilização urbana tem aumentado à medida que a mobilização rural tem crescido. Quando os indígenas entraram em Quito vindos do sul e do norte da cidade na terça-feira 22, a greve tinha assumido as proporções de uma rebelião popular total e não parecia estar diminuindo o ritmo.
Como explicar a cegueira do governo e o poder da rebelião popular?
O pano de fundo é, sem dúvida, o desespero das maiorias empobrecidas do país. Este governo, formado por empresários e elites de mestiços brancos que vivem em bairros exclusivos e se socializam basicamente entre grupos privilegiados, não reagiu à frustração popular após dois anos de catástrofe econômica e social causada pela pandemia.
O aumento dos preços dos combustíveis é para os setores populares um fator tangível de responsabilidade governamental exclusiva que afeta diretamente a inflação, gerando sérias consequências sobre a renda das pessoas.
Na verdade, a revolta indígena e popular de outubro de 2019, que é o antecedente direto desta nova greve, foi precisamente devido ao aumento brutal do preço do diesel (também chamado gasóleo), que em pouco tempo passou de um dólar por galão para 2,30 dólares. O diesel no Equador é utilizado para o transporte público e o transporte de mercadorias pesadas.
Mas os economistas e funcionários governamentais ortodoxos, concentrados e cegos pelo impacto fiscal do custo do combustível, esquecem seu efeito na inflação, no aumento do custo da produção nacional, na perda de competitividade das exportações de um país dolarizado e no aumento das importações que se tornam mais baratas.
É por isso que a primeira, e sem dúvida a mais importante demanda desta rebelião popular, é justamente aquela que o governo se recusa a considerar: a redução dos preços dos combustíveis. Não seu congelamento, o que o governo já fez (embora com um aumento maior) antes de outra revolta em outubro de 2021, mas a redução de seu preço.
Mas, como em outubro de 2019, quando o governo afirmava que o país entraria em colapso se desistisse de US$ 1,5 bilhão dessas receitas (em um país com um orçamento estatal de US$ 30 bilhões), está agora reivindicando um desastre ainda maior se deixar de ganhar entre US$ 500 e US$ 600 milhões, com petróleo que o país exporta a US$ 100 por barril. A ortodoxia econômica fiscal carece de explicações racionais.
Em conclusão, das dez exigências da greve, a redução no preço do combustível é a única que poderia acalmar os espíritos de um povo empobrecido e indignado com um governo indolente. Mas infelizmente, somente uma rebelião popular de magnitude colossal, como a que mantém o governo atualmente encurralado, pode fazê-lo abrir seus olhos para a crise social.
Autor
Historiador. Doutor pelo Centro de Pesquisa e Documentação da América Latina (CEDLA) da Universidade de Amsterdã. Professor da Universidade Andina Simón Bolívar (UASB) e pesquisador do Instituto de Estudos Equatorianos.