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O Equador e suas pandemias

O Equador é um dos países latino-americanos mais afetados pela COVID-19. Além da morte e da desolação, a pandemia trouxe consigo a exposição gritante de outra das doenças crônicas do país, a corrupção pública. Assim, entre coronavírus e criminosos enraizados no governo central e subnacional, o país tem debatido longamente sobre os meios mais eficazes para combatê-los em unidade de ação. No entanto, embora os resultados finais ainda não tenham sido vistos, a notícia mais lisonjeira vem do lado da saúde: o Equador superou parcialmente o vírus e está em processo de retorno à nova vida cotidiana. Quanto à outra pandemia, teremos que esperar por uma ação judicial. Alguns passos foram dados, especialmente desde a ação da Procuradora-Geral da República, mas isso não é suficiente. O longo e tortuoso caminho dos tribunais de justiça acabou de começar e a população acredita que a vacina contra a COVID-19 chegará antes de uma firme condenação contra os corruptos. Enfim, questão de percepções.

Enquanto isso, a crise sanitária que o Equador enfrenta também tem servido para destacar a debilidade estrutural do Estado. O setor de saúde, por exemplo, carece de uma agenda e de políticas públicas específicas, no sentido de orientações articuladas e coerentes entre os diversos atores e instituições, são praticamente inexistentes. Ao contrário de outros legados fatais recebidos pelo presidente Moreno de seu antecessor, a situação precária da saúde pública é uma dívida social que se arrasta há pelo menos três ou quatro décadas. Algo similar acontece com o sistema de gestão de riscos. A pandemia tem servido para revelar que um setor tão importante como este, e que requer pessoal altamente especializado em sua gestão, tem sido entregue a pessoas que, embora tenham boas intenções, carecem de conhecimento científico para tal fim.

uma nova tentativa de reforma do Estado foi anunciada pelo governo. No entanto, se o presidente Moreno não fez nada em três anos de mandato, dificilmente conseguirá processar tal empreendimento nos meses que lhe restam antes de deixar o Palácio Carondelet.

Em meio a essas vicissitudes, uma nova tentativa de reforma do Estado foi anunciada pelo governo. No entanto, se o presidente Moreno não fez nada em três anos de mandato, dificilmente conseguirá processar tal empreendimento nos meses que lhe restam antes de deixar o Palácio Carondelet. Pior ainda, com uma emergência sanitária no horizonte e níveis de popularidade semelhantes aos dos presidentes Bucaram, Mahuad ou Gutiérrez nos dias anteriores às suas quedas. Em suma, o horizonte de curto prazo do Equador é marcado por um aumento do conflito social que ocorrerá como resposta não só ao descontentamento cidadão com um Chefe de Estado sem orientação política e sem capacidade de decisão sobre as questões mais importantes, mas também como reação às medidas de ajuste aplicadas pelo governo nos últimos dias. A redução de 16% no salário de todos os servidores públicos é apenas um exemplo disso.

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Assim, em um cenário que vincula a esperança gerada pela reabilitação das atividades econômicas e sociais com o mal-estar decorrente dos efeitos letais da COVID-19 e do crime organizado em torno de vários setores da administração pública, o país se prepara para um novo processo eleitoral no início de 2021. Difícil e desafiadora, portanto, é a situação que terão que enfrentar aqueles que concorrerão ao Legislativo e à Presidência, não só pela profunda crise econômica que o país enfrenta, esta sim herdada do governo de Rafael Correa, mas também porque as plataformas dos candidatos terão que ser inovadoras e aplicáveis a uma realidade turbulenta. O exercício à frente dos atores políticos do país é mais difícil porque eles gradualmente se acostumaram a dar menos tempo para a construção de ideias e mais, muito mais, para a geração de clientelas políticas financiadas ilegalmente. Em resumo, a COVID-19 em poucas semanas conseguiu revelar o que há muito permanece oculto: um Estado incompetente para resolver problemas básicos dos cidadãos e uma audácia sem limites para roubar os recursos públicos.

Foto de Asamblea Nacional de Ecuador em Foter.com / CC BY-SA

Autor

Cientista político. Decano do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, FLACSO-Equador. Georg Foster Fellow da Fundação Alexander von Humboldt. Doutor em Ciência Política por FLACSO-Equador.

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