Nos dias 29 e 30 de março está sendo celebrada de maneira virtual a Cúpula da Democracia 2023. Trata-se de sua segunda edição após a iniciativa de Joe Biden em sua campanha eleitoral de 2020. Além dos Estados Unidos, são co-patrocinadores os governos da Costa Rica, Holanda, Coréia do Sul e Zâmbia. Este é uma excelente pretexto para refletir sobre a situação da democracia na América Latina, especialmente quando durante as últimas semanas foram publicados diferentes relatórios acerca do estado da democracia no mundo com dados coletados ao longo de 2022. Estes são esforços consolidados que buscam medições para poder constatar avanços ou retrocessos dentro de cada país e estabelecer comparações entre estados. Através dos relatórios, as sociedades e elites políticas podem tomar consciência de sua situação e, se necessário, agir em conformidade, e através das medições é possível avançar no conhecimento da política.
Quantificar através de medições o estado desta é um inquestionável progresso do saber, uma prática que tem sido comum já há um século em diferentes disciplinas do âmbito das ciências sociais. Na economia atual, não existe dúvida alguma sobre a validade e utilidade dos índices que medem a riqueza de uma nação através do termo “produto interno bruto” ou daqueles que calculam o aumento dos preços e avaliam o custo de vida. Em sociologia, os índices de desigualdade, de natalidade ou de mortalidade são moeda corrente como o é em psicologia o coeficiente de inteligência. São aproximações necessárias para um melhor conhecimento da realidade que têm sido acompanhadas no campo da ciência política com esforços similares empregados nas últimas duas décadas.
Freedom House, The Economist Intelligence Unit (EIU), a Fundação Bertelsmann (BTI), o Projeto V-DEM, entre outras instâncias, são instituições que vêm se especializando na avaliação do desempenho democrático dos países. Partindo de um marco conceitual solidamente enraizado na academia em torno da sempre complexa noção de democracia, os estudos realizados a operacionalizam através de indicadores que são viáveis de serem avaliados em escala. Assim, os trabalhos de Norberto Bobbio, Hanna Arendt, Robert Dahl, Giovanni Sartori ou Juan J. Linz, entre um amplo grupo de intelectuais, são utilizados por especialistas para calibrar periodicamente o nível alcançado pelas distintas variáveis. Ao mesmo tempo, também são utilizados diferentes tipos de escalas de procedência variada, tais como porcentagens de participação eleitoral, as taxas oficiais de escolaridade e desemprego, dados de pesquisa que medem hábitos e valores, entre outros.
Tudo isso viabiliza abordagens bastante sofisticadas da democracia, concebida então como um tipo de regime baseado no Estado de Direito e no qual os titulares de cargos públicos ganham acesso ao poder como resultado de processos eleitorais periódicos, livres e justos. Mas a análise não para por aí, pois pode ser complementada por uma visão que valoriza, por sua vez, o nível de igualdade existente no país abordado, a participação real do povo nas decisões que afetam suas vidas e a possibilidade de alcançá-las através da deliberação, bem como a eficiência e eficácia em seus resultados das políticas implementadas.
Estes instrumentos chegam aos países latino-americanos, que são assim observados com um olhar desapaixonado e distante da militância ideológica de cada um. Sua análise minuciosamente comparada, de acordo com as instituições que publicaram seus trabalhos para 2022, permite realizar três tipos de enfoques que permitem abordar o estado da questão.
Em primeiro lugar, se constata mais uma vez a enorme heterogeneidade da região. Combinando os relatórios publicados, que têm um notável grau de congruência, os países podem enquadrar-se em cinco grupos em função de seu grau de democracia (outras fontes falam da qualidade de sua democracia). Uruguai, Costa Rica e Chile encontram-se no lugar mais alto; Panamá, Argentina, Brasil, Colômbia e República Dominicana estão no grau médio-alto; em uma posição intermediária estão Equador, México, Paraguai e Peru; enquanto que Bolívia, El Salvador, Guatemala e Honduras aparecem no grau médio-baixo; e em menor nível se situam Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Em segundo lugar, 2022 acaba sendo o pior ano da série de medições efetuadas na maioria dos países. Por exemplo, o índice BTI que se realiza desde 2008 indica que este foi o caso, exceto para a Colômbia, Cuba, Uruguai, Equador e Paraguai – seus melhores anos na série foram 2008 para os três primeiros, e 2012 e 2014, respectivamente. Para o índice EIU, os anos de 2021 e 2022 foram os piores anos desde 2004 para a maioria dos países, exceto Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Guatemala e Uruguai. A análise comparada longitudinal entre 2004 e 2022 mostra a suave evolução positiva da Colômbia e a gradual involução do México (para este último índice de 6,67 a 5,25), El Salvador (de 6,22 a 5,06), Guatemala (6,07 a 4,68), Honduras (6,25 a 5,15) e Bolívia (5,98 a 4,51). Por sua vez, Nicarágua e Venezuela caíram de 5,68 para 2,50 e de 5,42 para 2,23, respectivamente. Uruguai (8,91), Costa Rica (8,29) e Chile (8,22) alcançaram seus valores mais altos em 2022.
Por último, é preciso ressaltar que os estudos mostram um marcado decréscimo dos índices médios a nível mundial, mas também por regiões, algo que só reforça a ideia da fatiga que acomete a democracia no mundo e que sem dúvida deverá enfrentar a referida cúpula virtual. Entretanto, a região onde o índice médio de democracia mais diminuiu entre 1998 e 2022 foi a América Latina e o Caribe, caindo quase dez pontos percentuais, frente aos três pontos de decréscimo na Europa Ocidental, nos Estados Unidos e no Canadá, e os cinco pontos na Europa Oriental.
Autor
Diretor do CIEPS, Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros (2020): "El oficio de político" (2ª ed., Tecnos (Madri) e em coedição com Porfirio Cardona-Restrepo "Dilemas de representação democrática" (Tirant lo Blanch, Colômbia).