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O governo de Maduro intervém até no Partido Comunista da Venezuela

Em 11 de agosto, o governo de Nicolás Maduro interveio no Partido Comunista da Venezuela (PCV). Através de uma decisão judicial, os comunistas perderam a propriedade do partido histórico (de quase 100 anos, o mais antigo do país), que agora tem uma diretoria composta por pessoas leais a Maduro.

O fato pode surpreender. A verdade é que, embora aliado do governo desde a ascensão de Hugo Chávez, o PCV sempre demonstrou um nível de autonomia que não coincide com o projeto do governo Maduro, que, às vezes, flerta com o totalitarismo e a eliminação de qualquer forma de expressão política autônoma.

Sempre houve discordâncias entre o PCV e o governo, inclusive com Chávez, que chegou a ameaçá-los. Mas foi com Maduro que a relação parece ter chegado a um ponto de não retorno.

A ruptura se deve às mudanças na política econômica do país. Desde 2019, Maduro introduziu pequenas mudanças no modelo, criando uma espécie de capitalismo de compadres no país e relaxando (de facto, não de iure) alguns dos controles sobre a economia venezuelana.

Essas mudanças permitiram uma certa estabilização e um crescimento fraco. Essa situação se sustentou, em parte, pelo congelamento dos salários e aumentou a pobreza e a desigualdade na Venezuela, o que irritou alguns dos aliados de Maduro.

Assim, seja porque o capitalismo de compadres de Maduro não incluía os comunistas, seja porque seus princípios ideológicos não coincidem com as mudanças econômicas, ou uma combinação de ambos, a relação entre o PCV e Maduro (a quem acusam de “neoliberal”), ao que parece, se rompeu definitivamente.

Um novo sistema partidário na Venezuela

A mudança no pensamento econômico teve um impacto na política do país, mas as mudanças no sistema partidário são mais radicais.

Com a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), o chavismo dissidente (que insiste em reivindicar o falecido líder esquerdista, mas não apoia Maduro) ficou sem nenhum partido relevante para registrar candidatos em eleições futuras.

O problema é grave porque reduz a possibilidade de um setor político do país se expressar. Mas quando analisamos as decisões do TSJ sobre os partidos venezuelanos como um todo, o quadro é muito mais sombrio.

Durante os últimos dez anos, os tribunais (altamente politizados a favor do governo) tomaram decisões que transformaram o sistema partidário com uma estratégia simples: sequestrar o status legal dos partidos ou desqualificá-los para impedir sua participação nas eleições.

A prática começou com Chávez, que em 2012 interveio nos partidos Pátria Para Todos (PPT) e Por la Democracia Social (Podemos), dois ex-aliados do governo que, nas eleições presidenciais, decidiram se juntar à campanha do candidato opositor Henrique Capriles Radonski.

Em 2015, com Maduro como presidente, a estratégia foi usada novamente, dessa vez para intervir em quatro partidos de oposição: MIN-Unidad, MEP, Bandera Roja e Copei, um dos mais antigos da Venezuela. Em 2017, a Acción Democrática (AD), que foi a fundadora da democracia no país, a Un Nuevo Tiempo (UNT), a Nuvipa e a Independientes por el Progreso foram proscritas.

Em 2020, o TSJ interveio e impôs diretorias ad hoc à AD, Primero Justicia (PJ) e Voluntad Popular (VP). E nas eleições presidenciais de 2018, nenhum dos partidos de oposição conhecidos nacionalmente pode registrar candidatos para participar.

Para entender o efeito das intervenções judiciais, basta olhar o que resta dos partidos que ganharam as eleições legislativas de 2015, as últimas consideradas minimamente competitivas para permitir a vitória da oposição.

Hoje, a maioria dos partidos de oposição sofreu intervenção ou foi desqualificada, e alguns candidatos nem sequer têm um partido habilitado pelo órgão eleitoral para registrar sua candidatura (entre eles, María Corina Machado).

Embora a oposição venezuelana tenha sido a principal vítima das intervenções judiciais, setores considerados pró-Chávez, mas que não apoiam Maduro, como o Tupamaro (2020) e o Marea Socialista, uma facção separada do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), também sofreram intervenções ou foram desqualificados.

Maduro, com pouco apoio eleitoral, segue uma estratégia simples: dividir o voto da oposição e evitar a concorrência de outros atores de esquerda.

Sem liberdade de associação

Através de um controle institucional total, Maduro transformou o sistema político venezuelano e, com ele, eliminou efetivamente a possibilidade de grupos com ideologias diferentes competirem pelas preferências dos eleitores.

Entretanto, as limitações aos direitos de reunião e associação não ocorrem só no mundo político. Entre julho e agosto de 2023, seis sindicalistas foram condenados a 16 anos de prisão por reivindicar direitos, ocorreu uma intervenção judicial contra a Cruz Vermelha venezuelana e inclusive violaram o direito à privacidade em um caso que se tornou internacionalmente famoso por terem prendido sob acusações falsas um grupo de homens gays em uma sauna.

Chávez chegou à presidência prometendo a democracia participativa como cura dos fracassos do sistema bipartidário venezuelano na segunda metade do século XX, mas a principal vítima do sistema político que ele criou foi justamente a participação.

Com partidos e políticos excluídos, sem liberdade de associação ou direitos sindicais e com organizações não governamentais constantemente assediadas, a sociedade civil venezuelana se vê obrigada a seguir um caminho econômico que a empobrece e só beneficia a elite no poder e seus amigos, sem poder escolher qualquer alternativa, seja de direita ou de esquerda.

Autor

Sociólogo por la Universidad Central de Venezuela. Especializado en Políticas Públicas para la Igualdad por CLACSO. Magíster en Ciencias Sociales por la Universidad Federal de Santa Maria (Brasil).

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