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Os 100 dias do presidente Arévalo na Guatemala

A maioria dos países que enfrentaram processos de autocratização se tornaram autocracias apesar de episódios democráticos intermediários. É aí que reside a importância capital de o governo alcançar um consenso e permanecer próximo à população.

Bernardo Arévalo e Karin Herrera tomaram posse em 14 de janeiro deste ano, após ganhar surpreendentemente uma eleição que havia sido alterada no início, quando as Cortes impediram a participação de três candidatos principais, e após superarem a longa operação golpista que governo cessante de Alejandro Giammattei e Consuelo Porras, Procuradora Geral, liderou contra eles. Esse duo, utilizando as instituições judiciais, buscou evitar por cinco meses que os ganhadores legítimos se tornassem presidente e vice-presidente do país.

A alternância no poder não teria sido possível sem a rebelião do eleitorado, o apoio decisivo e coordenado de organizações internacionais, bem como a resistência em defesa da democracia liderada por autoridades ancestrais e povos indígenas, que durou mais de 100 dias e se estendeu pelos bairros populares da periferia da Cidade da Guatemala.

Assim, assumiu um governo com forte simpatia internacional e amplo apoio popular que, em 23 de abril, completou 100 dias enfrentando as contradições resultantes entre gerenciar instituições com estruturas autoritárias avessas ao seu mandato e o clamor por medidas enérgicas de quem defendeu a democracia guatemalteca. Levando em conta esse contexto, analisaremos cinco dimensões que nos permitem entender esses primeiros 100 dias de um governo que enfrenta a complexa tarefa de iniciar a recuperação de um país em ruínas.

1. A credibilidade internacional

A recuperação da reputação da Guatemala no mundo foi uma das conquistas mais notáveis do governo nestes primeiros 100 dias. Embora não ficou isento a críticas por seu estreito alinhamento com a política ocidental em temas polêmicos, como a relação com Israel e Ucrânia, esse reposicionamento permitiu que o governo se mostrasse confiável para captar investimentos estrangeiros e firmar acordos que melhoram a qualidade do país como sócio.

2. A confiança social

O governo transmitiu coerência com o discurso de transparência e anticorrupção e tem sido capaz de se autopoliciar de forma rápida e convincente diante de alegações de faltas éticas ou possíveis atos de corrupção. Isso contribuiu para manter a alta confiança da sociedade no governo. No entanto, ela vem diminuindo frente à crescente opinião pública de falta de decisão ao lidar com o procurador-geral e os funcionários dos dois últimos governos que saquearam recursos, minaram instituições e perseguiram ilegalmente uma centena de atores incômodos, de professores universitários a juízes anticorrupção.

3. A direção legítima da gestão pública

O governo está tendo enormes dificuldades para colocar funcionários de confiança compatíveis com seu projeto político em cargos da administração que são assumidos por indicação. Além das concessões, normais quando se governa sem maioria, o governo não conseguiu substituir funcionários nomeados por governos anteriores, seja por temor à judicialização dos processos administrativos ou pelos problemas financeiros que poderiam causar às instituições, devido à indenização que os tribunais instauraram para quem ocupou cargos de designação política.

Isso é relevante porque contraria tanto a harmonização quanto a capacidade de execução da administração pública. Mas também porque está no coração do que foi denominado de economia da captura. A isso, somam-se campanhas de desinformação para difamar o governo ou invisibilizar os avanços sociais, como a redução de 13% nos assaltos e homicídios durante o primeiro trimestre de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023.

4. As alianças políticas

Embora as alianças entre o executivo e o legislativo tenham permitido iniciar a construção da primeira linha do metrô da Cidade da Guatemala (executivo) e assegurar a posse e aprovar de cinco leis na agenda do governo (legislativo), projetam-se como a dimensão mais instável do governo devido ao passado questionável do legislativo na forma de fazer política. Isso levou a diferenças de opinião entre os principais setores do partido governista sobre a conveniência de mantê-las no futuro imediato.

De fato, antes da Semana Santa, os deputados do partido CABAL paralisaram a agenda legislativa em seu afã de ampliar os acordos inicialmente firmados e foram os arquitetos de duas derrotas consecutivas e significativas para a bancada oficial. Ademais, durante as primeiras semanas de abril, o prefeito, que recebeu o apoio do presidente para dirigir a Associação Nacional de Municípios, a usou para oxigenar politicamente a procuradora-geral, inventando linhas de cooperação entre municípios e o Ministério Público que não existiam antes. Isso fortalece a Procuradora-Geral frente aos prefeitos, permitindo condicionar suas posições a novas agressões contra a democracia e a vontade do povo. Isso, em um momento em que as maiorias sociais a querem isolada (no mínimo), devido às dificuldades para destituí-la.

O certo é que ambos os setores veem em suas alianças possibilidades de cumprir as promessas de campanha e garantir a governabilidade para neutralizar as instituições de veto político que buscam isolar ou destituir o governo. Ambas dependem de cumprir acordos, e é, nessas condições do jogo político, que as contradições podem ser mais agudas.

5. As instituições de veto político

O Ministério Público, a Suprema Corte de Justiça e o Tribunal Constitucional têm sido os principais obstáculos para o governo administrar e atingir seus objetivos, inclusive as demandas feitas e respaldadas pela sociedade civil. A tal ponto que mantiveram a suspensão da pessoa jurídica do partido do governo e intervieram deliberadamente no processo legislativo onde, inicialmente, a bancada oficial dirigia a Junta Diretiva, o que mudou como resultado de uma decisão controversa do Tribunal de Controle Constitucional.

Nessas instituições também reside o rumo que o país pode adotar a curto prazo. No Tribunal Constitucional há um referendo proposto pela Secretaria Geral no qual o caminho para a possível destituição do Procurador Geral poderia ser elucidado ou bloqueado, e nos próximos meses serão eleitos juízes e magistrados que decidirão o futuro legal do partido do governo e de seus principais líderes, bem como da centena de perseguidos políticos pelo Ministério Público.

Esses movimentos comprovarão a eficácia e a conveniência das alianças firmadas pelo governo, decisivas para o êxito do governo e o futuro da democracia na Guatemala. Isso em um contexto em que a maioria dos países que enfrentaram processos de autocratização se tornaram autocracias, apesar de episódios democráticos intermediários. Aí radica a importância capital de que o binômio conte com os seus, alcance consensos com os diferentes e, sobretudo, se mantenha próximo ao povo.

Autor

Doctorado en Estado de Derecho y Gobernanza Global Área de Ciencia Política y de la Administración Universidad de Salamanca.

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