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Os guatemaltecos e seu sistema político disfuncional se enfrentam no segundo turno

O resultado – provisório de momento – das recentes eleições gerais na Guatemala foi insólito, se não se tratasse, precisamente, da Guatemala. Esse belo país centro-americano tem sido arrastado por uma crise após a outra, não só econômica, mas fundamentalmente social e política. Isso se deve, em parte, ao fato de que, nos últimos tempos, todos os governos representaram, em maior ou menor medida, os interesses de uma classe privilegiada de empresários e políticos corruptos. Esse setor devastou os recursos estatais e subjugou a população, mediante a violação sistemática de seus direitos humanos e econômicos.

Bloqueios e perseguições

Durante o período prévio às eleições, esse setor se encarregou de bloquear todas as opções que poderiam pôr em risco o sistema de corrupção e impunidade existente no país. O Tribunal Eleitoral, por exemplo, negou o registro para participar das eleições presidenciais a candidatos críticos ao Governo, entre eles a conhecida líder aborígine Thelma Cabrera, do Movimento pela Libertação dos Povos (MLP).

Ademais, as ameaças e ações contra jornalistas e dirigentes de oposição não cessaram, como no caso do jornalista José Rubén Zamora, fundador do jornal El Periódico, que era um forte crítico do governo do presidente Alejandro Giammattei. Em seu jornal, o jornalista denunciou importantes casos de corrupção na política nacional, envolvendo funcionários de alto escalão e empresários.

Zamora foi recentemente condenado por um tribunal a seis anos de prisão “incontornável” por lavagem de dinheiro. A perseguição de líderes como Zamora por crimes comuns, evitando vinculá-los a temas políticos, tem sido a estratégia preferida dos círculos do poder.

Mas as cifras da recente eleição descrevem nitidamente a situação do país: um elevado índice de abstenção e votos nulos com dois “ganhadores” que possuem, juntos, cerca de 30% dos votos. Insólito, mas uma declaração política dos cidadãos.

A ex-primeira-dama Sandra Torres, candidata da Unidade Nacional de Esperança (UNE), que obteve 15% dos votos, e Bernardo Arévalo de León, do Movimento Semente, que alcançou 12%, disputarão o segundo turno em 20 de agosto. O segundo lugar de Arévalo, que foi muito baixo segundo as pesquisas anteriores, é explicado por diferentes fatores, desde a exclusão de candidatos antissistema até o desencanto gerado por algumas alianças antes das eleições. Refletindo o desinteresse e, sobretudo, a desconfiança no processo eleitoral, houve um alto número de votos inválidos (17,41%), quatro vezes mais do que em 2019, e em branco (6,98%).

Um dos problemas da política guatemalteca é a ausência de partidos fortes. O sistema político é composto por um punhado de pequenos grupos que concorrem com novos lemas a cada eleição, o que confunde o eleitorado.

Oposição proscrita

A líder indígena proscrita, Thelma Cabrera Pérez de Sánchez, líder nacional do CODECA (Comités de Desarrollo Campesino), de ascendência maia Mam, foi candidata à presidência em 2019 pelo partido Movimiento para la Liberación de los Pueblos (MLP), obtendo um excelente quarto lugar com 10,3% dos votos.

Para essas eleições, o “sistema” viu nela um risco inaceitável, pelo qual, com diferentes desculpas, tanto ela quanto seu candidato a vice-presidente, o ex-Procurador de Direitos Humanos, Jordán Rodas, foram desqualificados como candidatos. Dessa forma, o MLP, que tem uma militância alinhada com os CODECA, não conseguiu nem mesmo um deputado, nem alcançou 5% dos votos, o que o eliminaria dos registros oficiais como partido político, de acordo com a lei eleitoral.

O artigo 93 da atual Lei Eleitoral diz que, se um partido político não atingir 5% dos votos válidos emitidos em uma eleição presidencial ou se não conseguir obter pelo menos um deputado para o Congresso, deve ser cancelado como tal. Assim, após as recentes eleições, doze partidos políticos estariam em vias de extinção, cinco dos quais estão representados na atual legislatura. Os outros nasceram para as eleições deste ano, mas é evidente que sua proposta não convenceu um número suficiente de eleitores.

Além do caso do MLP, o histórico Partido de Avanzada Nacional (PAN), criado em 1989 e que fez do falecido Álvaro Arzú presidente da república, também desaparecerá, pois não teve candidato à presidência, nem obteve um único deputado.

Outros partidos que receberão a extrema unção são a Frente de Convergência Nacional (FCN – Nación), o Partido Popular Guatemalteco, Podemos e o Partido Humanista da Guatemala e Prosperidade Cidadã (PC), bem como cinco outros partidos políticos que foram criados para o recente processo eleitoral: Mi Familia, Unión Republicana, Partido Republicano, Poder e o Partido da Integridade Nacional (PIN).

O analista e pesquisador estadunidense-guatemalteco Matthew Creelman descreveu a situação da Guatemala em poucas palavras: “o cachorro abana o rabo, mas quando as coisas estão de cabeça para baixo, diz-se que: ‘o rabo abana o cachorro’. As eleições, em vez de medir o pulso das pessoas, tornam-se eventos que buscam convencer, comprar e incentivar vontades”. Isso é o que vem acontecendo na Guatemala há algum tempo.

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Analista, comunicador e consultor independente de agências e organizações internacionais. Diretor nacional da Presagio Consulting Honduras.

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