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TikTok e as novas crônicas de Índias

O que têm em comum os milhares de migrantes venezuelanos e o fidalgo espanhol Vasco Núñez de Balboa? Ambos foram passageiros clandestinos na selva de Darien, entre a Colômbia e o Panamá (uma das áreas mais perigosas do mundo), com o objetivo de melhorar suas vidas. Enquanto Balboa é apreciado nos livros de história por escapar de suas dívidas em Santo Domingo e buscar ressarcir-se economicamente, os migrantes são estigmatizados por deixarem seus países de origem em busca de um futuro melhor para suas famílias. Do fidalgo, conhecemos suas ousadias pelas crônicas de Índias, e dos migrantes, a vivemos através de seus vídeos na plataforma TikTok. Esta rede social de origem asiática facilitou conhecer em primeira mão como é a travessia diária destes novos fidalgos para cruzar o Tampão de Darién em busca do sonho americano. 

TikTok, além de viralizar coreografias e duetos ou reações de centennials, também ganhou popularidade entre os migrantes da região e do mundo para relatar suas histórias sobrevivendo ao Darién. Seja devido à sua facilidade de edição de vídeos ou por sua curta duração, este tipo de conteúdo é preponderante no TikTok, e escasso em outras redes sociais, tais como Instagram, Twitter, YouTube ou Facebook. Este fenômeno social e digital é relevante para a região, pois as hashtags #selvadarien #selva #darien foram utilizadas umas 1.900 vezes na Colômbia, 1.737 no Chile, 1.368 no Peru, 312 no México e 280 na Espanha nos últimos 120 dias, de acordo com o centro de criatividade do TikTok.

O fenômeno global do TikTok tem despertado todo tipo de controvérsias. Entre elas, a tensão tecnológica e legal entre esta empresa de origem chinesa e os Estados Unidos,  sobre o suposto roubo de dados pessoais de usuários norte-americanos, assim como a natureza e o funcionamento do algoritmo junto a seus moderadores de conteúdo, os quais supostamente discriminavam certos grupos minoritários. Na América Latina, a discussão tem sido matizada, pois não se concentrou exclusivamente em assuntos de segurança nacional ou no algoritmo, mas sim cobriu o fenômeno da desinformação, entretenimento dos jovens, a pandemia, comunicação política, particularmente no período das eleições presidenciais, e a educação.

Entretanto, até agora, não se abordou com profundidade o fenômeno migratório nesta rede social, que, embora não seja o conteúdo mais viral, é a compilação digital mais extensa desta difícil realidade.

As novas crônicas de Índias do #darien

A plataforma poderia ser considerada como um diário de viagem público em formato de vídeo que compila e retrata as travessias no Darién. O conteúdo produzido pelos migrantes pode ser categorizado em quatro grandes temáticas: sugestões para as rotas de viagem, a descrição dos perigos desta selva, a busca de familiares desaparecidos e piadas ou paródias dos migrantes. Todo este conteúdo é acompanhado por um grande número de comentários dos usuários que estão em outros países, seja planejando iniciar sua travessia, compartilhando sua experiência ou simplesmente enviando incentivo a seus compatriotas e compatriotas.      

No que diz respeito às sugestões para as rotas de viagem, isto abrange uma série de conteúdos. Em primeiro lugar, os lugares seguros que os migrantes devem procurar, inclusive alguns vídeos contêm mapas feitos a mão dos caminhos, horários e tempos de saída. É comum encontrar que a entrada ao Darién pela Colômbia deve ser desde Capurganá e Banderas, o que levará aproximadamente 10 a 15 dias a pé e o custo pode variar de US$50 a US$100. A outra rota sugerida é por marítima e é presumivelmente mais segura. Deve-se pegar um serviço de bote, chalupa ou iate desde Necoclí, Colômbia até Carreto no Panamá. Tem uma duração de 2 a 4 dias e seu preço pode chegar aos US$ 500 por pessoa.

Muitos vídeos também sugerem aos próximos migrantes como devem ir vestidos e o que levar em suas malas. Por exemplo, levar duas ou no máximo três mudas de roupas, botas de borracha, produtos enlatados e panelas para ferver água e evitar a desidratação. 

As descrições sobre a selva e como esta afeta a saúde são reiteradas. Em alguns vídeos, o Tampão de Darién é denominado como a entrada para o inferno. Algumas das preocupações mais comuns são a inundação dos rios devido às fortes chuvas, as montanhas que eles devem escalar em grupos e as ferramentas arcaicas que utilizam para evitar estes acidentes geográficos. Estes riscos resultam em acidentes, que, nos piores casos, causam a morte. Por último, o conteúdo que se tornou mais viral no TikTok, pelo número de visualizações e comentários, é o da busca por pessoas que começaram a rota e não se comunicaram com seus familiares ou os que se perderam no meio da travessia

Novos formatos, mais evidência

TikTok tornou-se um novo diário de Índias que permite ao resto da sociedade ver este fenômeno migratório quase ao vivo e contado em primeira pessoa por seus protagonistas. Anos atrás, era impossível encontrar este tipo de conteúdo no Instagram ou no YouTube, já que seus formatos e algoritmos requerem que o material viral seja muito mais elaborado. Mas, na atualidade, graças a esta rede social, é possível corroborar as cifras alarmantes que as organizações internacionais como as Nações Unidas oferecem.  Em julho de 2022, cerca de 50.000 pessoas haviam entrado no Panamá através da selva do Darién. Destas, mais da metade eram migrantes venezuelanos; 7,9% haitianos, e 5,2% cubanos, entre cerca de 50 nacionalidades. Dadas estas circunstâncias, esta rede não só permite termos uma ideia da quantidade de pessoas que se expõem a essa travessia, mas também das duras condições. 

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar

Autor

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Professor adjunto da Universidad de la Salle (Bogotá). Mestre em Estudos Internacionais pela Universidad de los Andes. Membro do Programa de Treinamento 360/Digital Sherlocks Training Programme (DFRLab) para combater a desinformação.

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