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Uma economia à serviço de poucos

Em apenas três anos, a riqueza conjunta dos cinco homens mais ricos do mundo mais do que duplicou, passando de 405 bilhões de dólares em 2020 para 869 bilhões em 2023. Isso significa que essas cinco pessoas acumulam hoje uma riqueza semelhante à produzida, por exemplo, por Colômbia, Argentina e Uruguai juntos ao longo de todo o 2021. Ao mesmo tempo, esses cinco bilionários vivem no mesmo planeta com outros 4,8 bilhões de pessoas que empobreceram desde 2019, após a pandemia e o posterior surto inflacionário global. A maioria dessas pessoas tem o rosto de mulher, de menino e menina, pessoas racializadas e minorias excluídas da sociedade.

Segundo o relatório de Oxfam, Inequality Inc. How corporate power divides our world and the need for a new era of public action, apresentado recentemente no Fórum Econômico Mundial em Davos, a concentração de poder empresarial e de mercado, sobretudo das principais empresas globais dos países desenvolvidos, é um reflexo da concentração e centralização do capital e da riqueza.

À medida que o poder dos monopólios aumenta, os incentivos para que as empresas compitam reduzem, o que, por sua vez, aprofunda ainda mais o poder de monopólio. Assim, o poder empresarial e os monopólios operam como uma máquina implacável geradora de desigualdades.

Esse fenômeno revela a magnitude da consolidação do modelo neoliberal em grande parte do mundo por uma pequena elite bilionária que se beneficiou às custas dos direitos econômicos, sociais, ambientais e políticos de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Nesse contexto, as atuais pressões inflacionárias são o resultado do aumento na margem de lucro das empresas. Particularmente naquelas atividades econômicas em que os confinamentos em vários países ou as interrupções energéticas e alimentares ao longo da cadeia de suprimentos brindaram uma oportunidade única para maximizar as margens de lucro das empresas.

A desigualdade tem múltiplas facetas. A América Latina, por um lado, é a região com os maiores níveis de desigualdade de riqueza a nível mundial. Segundo os dados compilados pelos investidores Chancel, Piketty, Saez e Zucman, em 2021, os 10% dos lares mais ricos da região possuem mais de três quartos da riqueza total, enquanto a metade mais pobre das famílias possui apenas 1%. Há também outra desigualdade, que contrapõe os países do Sul Global com o mundo desenvolvido, onde se concentra 69% da riqueza privada global, apesar de abrigar apenas 21% da população mundial, segundo o relatório da Oxfam.

Um voto histórico para começar a reverter a desigualdade

Diante dessa situação, uma  grande parte dos países do Sul Global conseguiu, em 23 de novembro de 2023, que as Nações Unidas aprovassem negociar o novo marco fiscal global dentro do órgão, seguindo uma resolução lançada por um grupo de países africanos liderados pela Nigéria. Essa resolução sugere que os países membros devem designar um comitê intergovernamental ad hoc para desenvolver um tratado integral sobre cooperação fiscal internacional, com trabalho a ser concluído até junho de 2025.

A resolução foi aprovada por 125 países membros e rejeitada por 48 – majoritariamente desenvolvidos – entre eles os Estados Unidos e os países da União Europeia, que respondem por 75% dos abusos fiscais globais, segundo a Tax Justice Network. Essa falta de apoio por parte dos países ricos deixa claro, segundo Susana Ruiz, responsável pela Justiça Fiscal de Oxfam, que os países desenvolvidos “querem manter o monopólio do espaço em que se decide”.

Essa não é só outra demonstração de que o debate gira em torno da defesa de uma economia à serviço de todas as pessoas, e não só de uma minoria privilegiada, o que se consegue com o fortalecimento do Estado, regulando de maneira efetiva o setor privado e reinventando o setor empresarial para frear e conter o poder corporativo e a concentração e centralização da riqueza.

Para alcançar esse objetivo, como destaca o relatório de Oxfam, é necessário implementar uma estratégia destinada a gerar pressão sobre os responsáveis por formular políticas a nível mundial. Nesse contexto, considero que a peça que falta nesse quebra-cabeça são as organizações da sociedade civil. Elas fazem um papel fundamental para conhecer, exercer e exigir o cumprimento dos direitos econômicos, sociais, ambientais e políticos, contribuindo assim para a construção de uma sociedade mais equitativa.

Nesse sentido, mais de cinquenta organizações latino-americanas da sociedade civil latino-americana se reuniram em 2023 para iniciar uma campanha de incidência em torno de um “Novo Pacto Fiscal na América Latina e Caribe”. O objetivo era promover a construção de um sistema tributário global inclusivo, sustentável e equitativo para apresentar aos ministros das finanças da região. O esforço se materializou na criação de uma Plataforma Regional de Cooperação Tributária e no respaldo à elaboração de uma convenção marco sobre impostos. O principal objetivo era transformar radicalmente a maneira em que se estabelecem as normas fiscais a nível global, afastando-se do predomínio dos países desenvolvidos no centro das Nações Unidas.

Os países do Sul Global e a sociedade civil entraram em ação. Agora é o momento dos líderes globais abraçarem uma transformação ousada e equitativa. No entanto, ainda não se sabe se realmente farão isso.

Autor

Presidente de la Fundación para el Desarrollo de Centroamérica (FUDECEN). Doctor en Economía por la Universidad de Sevilla. Coordinador académico de los informes de la desigualdad multidimensional en El Salvador. Presidente del Banco Central de El Salvador, (2014-2019).

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